É realmente possível ter o emprego dos sonhos?
Algumas pessoas acham que é ilusão, outras acreditam que ainda encontrarão o trabalho que as fará sentirem que não estão trabalhando, mas se divertindo. Saiba o que os especialistas falam sobre o balanço entre vida pessoal e profissional.
Aos 24 anos de idade, Sophie Brown havia conquistado seu emprego dos sonhos como jornalista em um importante site internacional de notícias. Ela havia trabalhado duro para chegar lá, seguindo obedientemente o caminho aconselhado por todos, de professores até seus pais, para chegar a esse ponto da carreira. Havia apenas um pequeno problema: ela odiava.
"Eu odiava o emprego e as pessoas lá", diz ela. "A ideia é que eu continuasse subindo e quando conseguisse uma promoção eu seria mais feliz, ou quando conseguisse um aumento as coisas seriam mais fáceis". Mas a realidade mostrava outra história.
"Trabalhando noites adentro, de manhã cedo e nos finais de semana… Eu não passei tempo algum com a minha família durante anos e percebi que esse emprego dos sonhos que eu trabalhei tanto para conseguir na verdade não era nada do que eu queria".
Então, ela se demitiu.
Hoje em dia, há uma pressão enorme sobre o papel do trabalho em sua vida. Já não é o bastante baixar a cabeça e trabalhar, você precisa também amar seu trabalho apaixonadamente. Você precisa seguir seus sonhos e tentar "alcançar as estrelas". Mas a ideia do emprego dos sonhos é realmente possível? Ou é uma besteira idealista criada para fazer você se sentir mais culpado, trabalhar mais e reclamar menos?
Uma pessoa que definitivamente acredita em buscar o emprego dos sonhos é a consultora de felicidade Samantha Clarke - ela é paga para ajudar empresas a fazer seus funcionários felizes.
"Todos nós somos agentes da nossa própria felicidade profissional", diz ela. "Depende de nós ir lá e descobrir o que funciona e o que não funciona para nós, sabe, começar a comandar de verdade a nossa vida."
Clarke tenta explicar como empresas e seus funcionários pensam sobre a felicidade no trabalho. Não é algo como uma "felicidade de Instagram", com sorrisos alegres e cerveja grátis. "É pensar como nós podemos ter conversas melhores, como podemos criar ambientes ou áres onde as pessoas possam trabalhar melhor."
Ela defende o aprendizado para entender como e quando trabalhamos melhor. Estratégias como deixar as pessoas entrarem mais tarde ou trabalharem à distância podem dar uma sensação de autogestão - quando você tem a liberdade de ir a uma aula de ioga de manhã e só depois disso voltar e ler seus e-mails, se é isso que o faz ser mais produtivo.
O que o empregador tem a ganhar com isso? Muito, diz Clarke. Quando uma empresa cultiva sua própria versão de felicidade internamente, ela pode medir coisas como produtividade e eficiência. Mas Clarke admite que, para boa parte das empresas a quem presta consultoria, o mais importante são os resultados. Funcionários felizes trazem mais produtividade e, portanto, mais lucro.
Apesar disso, há pesquisas que sustentam a tese de que estamos mais felizes quando sentimos que estamos mais no controle da nossa vida profissional e nos sentimos menos escravos do salário. Trabalhar de casa é um exemplo.
Alan Felstead, professor da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade de Cardiff, no Reino Unido, conduziu uma pesquisa que chegou a um resultado curioso: funcionários que trabalham remotamente são mais felizes profissionalmente. Eles são mais entusiasmados com suas tarefas e mais comprometidos com a organização para a qual trabalham.
"A suposição mais comum é que trabalhar de casa significa burlar as regras, ser folgado", diz Felstead. "Mas as evidências mostram que esses funcionários estão na verdade trabalhando mais duro. Então, por exemplo, há uma diferença de 15 pontos porcentuais indicando que eles frequentemente trabalham além dos horários normais e uma diferença de seis pontos porcentuais no nível de esforço".
Isso mostra que nem tudo é tão simples - a pesquisa também indicou que trabalhar de casa torna mais difícil nossa capacidade de desligar do trabalho. Não definir um limite claro entre trabalho e vida pessoal aumenta o risco de trabalhar demais. Então, qual é o sentido em ter todo esse controle sobre sua vida se você o usa para começar a trabalhar mais cedo, terminar mais tarde e verificar e-mails às 3h da madrugada?
Stephen Lewandowsky, professor de ciência cognitiva da Universidade de Bristol, também desconfia da premissa de que dar mais controle às pessoas sobre sua vida profissional e pessoal signifique menos estresse ou leve à felicidade de fato.
Ele diz que a tentação é igualar felicidade com ser bem-sucedido no trabalho. "Você começa a trabalhar mais e mais duro", diz ele, "até o ponto em que de repente você se sente culpado quando não está trabalhando. É nesse momento que o equilíbrio entre vida profissional, vida pessoal e suas obrigações familiares será prejudicado".
Dar às pessoas controle total sobre seu trabalho não significa necessariamente que elas tomarão boas decisões. Basta perguntar a qualquer um que já se viu terminando um relatório à meia-noite ou enviando e-mails a clientes no fim de semana.
E quanto àquele sonho criativo? Muitas pessoas sonham em fazer arte - pintar, esculpir, escrever roteiros de comédia - e transformar isso em um emprego. Sem dúvida, essa é a própria definição de uma profissão ideal, certo?
Mas se você quer seguir no campo do trabalho criativo, tem duas opções. Ou ter um emprego qualquer durante o dia e ser criativo durante a noite, ou achar alguém que o pague para ser criativo o tempo todo. O escritor, ator e produtor de podcast Ross Sutherland já fez ambos.
"Eu li Geração X quando tinha uns 15 anos e provavelmente essa é a idade certa para ler esse livro", diz ele, em referência ao romance escrito por Douglas Coupland no qual o termo "McJob" foi criado para simbolizar os empregos mal pagos e de baixo prestígio, geralmente no setor de serviços. "Eu definitivamente me lembro dessa coisa de ter um emprego para pagar as contas e um outro trabalho próprio, que você faz consigo mesmo e é o que te move".
Sutherland certamente cumpriu sua cota de McJobs, incluindo trabalhar em um pub, em um depósito de papelaria, como competidor de luta livre, professor de escrita criativa na prisão, dando aulas de rap a crianças no ensino básico e escrevendo e-mails para um cassino incentivando aposentados a gastar seu dinheiro (o que ele considera o ponto mais baixo de sua carreira). Mas em vez de se desesperar com esse início, ele o considera essencial para sua inspiração criativa.
"Muitas vezes os primeiros empregos das pessoas foram os mais importantes porque (tratam de ser) uma pessoa real. Quantos cantores incríveis têm um ótimo primeiro álbum e daí fazem um segundo álbum sobre a riqueza e tudo (a força criativa) se esgota tão rápido".
Sophie Brown, aquela jornalista infeliz do primeiro parágrafo, agora organiza sua própria rotina como freelancer e aspirante a confeiteira. Ela trabalha em casa, ao lado de seus dois cachorros, e tem aulas de confeitaria à noite. "Eu vejo as pessoas que amo mais do que nunca e estou muito mais feliz do que jamais estive", diz ela. "Agora eu percebi que há formas de fazer dinheiro que fazem você feliz".
Ela parece ter tomado um atalho para algo que muitas pessoas não conseguem fazer até o fim de seus 40 ou 50 anos: enxergar além da miragem do trabalho dos sonhos e traçar seu próprio caminho.
*Esta reportagem é um episódio da série You're Doing it Wrong, da BBC Radio 4.