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Economista: Conflito político prejudica a recuperação PIB

Para Armando Castelar Pinheiro, do Ibre/FGV, o PIB deve ser favorecido pela retomada do setor de serviços com o avanço da vacinação, mas a agenda política joga contra a economia

2 set 2021 - 03h00
(atualizado às 07h22)
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O economista Armando Castelar Pinheiro avalia que a economia brasileira ainda conta com condições favoráveis para crescer em 2021, mas os conflitos políticos e as incertezas geradas por reformas em discussão no Congresso são um "tiro no pé" contra a recuperação do Produto Interno Bruto (PIB) nesta segunda metade do ano.

Manifestação na Avenida Paulista, em São Paulo, em favor do presidente Bolsonaro pede a intervenção militar
Manifestação na Avenida Paulista, em São Paulo, em favor do presidente Bolsonaro pede a intervenção militar
Foto: Ettore Chiereguini/Agif - Agência de Fotografia / Estadão Conteúdo

Em entrevista ao Estadão, Castelar afirma que o avanço da vacinação favorece o crescimento de parte do setor de serviços, que ainda está com um nível de atividade menor do que em 2019. Mas essa recuperação ocorre de forma mais turbulenta por causa da agenda política.

"A gente criou uma agenda extemporânea, por causa da política, com muito conflito entre poderes, e por causa de uma agenda do Congresso que gerou muita incerteza. A gente deu um tiro no pé. Era para estar sendo um terceiro trimestre de sorrisos, de boas notícias, das empresas se preparando para uma recuperação cíclica", diz Castelar, que é pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV). "Até politicamente parece fazer pouco sentido. Seria muito melhor do ponto de vista político para o governo ter uma recuperação mais significativa da economia."

O economista diz que o resultado mais fraco do PIB no segundo trimestre, com uma pequena retração de 0,1%, mostra que a economia brasileira ainda sentia os efeitos da segunda onda da pandemia, que prejudicou a atividade principalmente no mês de abril. A seca e as geadas também fizeram o setor agropecuário ter um resultado mais fraco, o que também afetou o resultado do PIB. Castelar, no entanto, continua otimista em relação ao crescimento da economia este ano, por causa do impulso da vacinação para o setor de serviços, desde que os conflitos políticos não atrapalhem. Leia a seguir os principais trechos da entrevista:

Como o sr. viu o resultado do segundo trimestre do PIB, com essa queda de 0,1%? Surpreendeu de alguma forma?

A mensagem central de estabilidade foi confirmada. Essa era a expectativa. Foi uma queda de 0,05%, número que acaba ajustado para 0,1% quando se usa apenas uma casa decimal. No fundo é uma estabilidade.

O que explica esse resultado?

O segundo trimestre foi um período difícil porque pegou o auge da segunda onda. Durante uma época, se chegou inclusive a ter um receio de uma queda do PIB. Nesse ambiente da segunda onda, não foi um resultado ruim. E também foi um período marcado por seca e geadas, o que acabou prejudicando o resultado da agropecuária. Se não tivesse um resultado ruim da agropecuária, o PIB poderia ter sido positivo.

O que mais lhe chamou a atenção no resultado?

Tem algumas histórias que se mantiveram em relação aos outros trimestres e outras que são novas. O que se manteve é que o resultado mostra que consumo das famílias ainda está retraído. Ele ficou parado no segundo trimestre. Quando se olha a perspectiva mais ampla, o consumo das famílias ainda ficou 3% abaixo de onde estava no final de 2019. Ainda não teve uma recuperação, ao contrário do PIB, que está basicamente 0,1% abaixo (de 2019). O consumo das famílias não se recupera por conta da pandemia. E há também uma taxa de poupança muito alta. Está em 20,9% no segundo trimestre, que é a maior em 22 anos. O PIB continua limitado pela pandemia, porque as pessoas ainda não saem e isso afeta o nível de emprego, da renda e da capacidade de consumo das famílias. Essa é uma história contínua que se espera que seja superada com a vacinação.

E quais são as histórias novas?

Primeiro, a construção veio bem. Isso reflete muito o aumento do crédito. Os dados do Banco Central mostram um crescimento de 22% nas concessões de crédito para pessoa física, e de 6% para pessoa jurídica. Na comparação com o segundo trimestre de 2019, teve um aumento de quase 100% - 96% para pessoa jurídica e 97% para pessoa física. Aumentou muito o crédito imobiliário nesse segundo trimestre. E isso possivelmente ajuda a explicar o resultado bom da construção. E possivelmente ajuda a ter uma perspectiva positiva para a construção à frente, porque obviamente isso não se desenrola num trimestre apenas e se mantém.

Algo mais foi positivo no resultado, na sua visão?

Outro resultado que veio bastante positivo é que o crescimento foi puxado por serviços. Esse é o setor que mais está sofrendo por causa do consumo das famílias mais baixo. Os dados mostram uma alta de 2,1% no segmento de 'outras atividades de serviços', uma área que pega mais de perto serviços pessoais, desde trabalho doméstico, cabeleireiro, restaurante. Essas atividades estão 7,2% abaixo do nível do fim de 2019. E as atividades de administração, defesa, saúde e educação pública estão 4,5% abaixo. É isso que na verdade está fazendo o PIB ficar ainda no nível do final de 2019. Está havendo uma recuperação, mas permanece nesse patamar ainda bastante retraído.

A vacinação favorece o crescimento desses setores e da economia este ano?

Vejo com certo grau de otimismo. Esses são setores que devem se recuperar no terceiro trimestre e ainda mais no quarto trimestre, com a vacinação. Os indicadores da pandemia estão retrocedendo bastante. Quando se exclui esses dois setores -- outras atividades e educação e saúde pública --, vemos que o resto está relativamente bem em relação ao último trimestre de 2019. Tem uma pequena exceção de transporte, que ainda tem 1% de queda, por causa do transporte público que ainda sofre com a pandemia. De modo geral, o PIB ainda reflete a segunda onda da pandemia. Não fosse isso, teria uma economia com um desempenho melhor e particularmente refletindo positivamente no mercado de trabalho. São atividades que empregam muito.

O que esse resultado indica para a recuperação da economia neste ano e em 2022?

Tem duas forças que estão se posicionando para o pós-pandemia. Uma delas é a vacinação. Os números reforçam a importância da vacinação e da redução do número de mortes e casos (de covid-19) como uma força que vai fazer a economia melhorar pelo consumo das famílias e (o crescimento) desses outros serviços. É uma força que vai estar jogando a favor no pós-pandemia. E, obviamente, tem forças que jogam contra. Tem uma política monetária mais restritiva (com o aumento da taxa básica de juros, a Selic); tem uma política fiscal que tende a ser mais restritiva no ano que vem com a redução do auxílio emergencial e os gastos que são extra-teto; e o aumento do risco político, que pode bater com mais força no investimento. A tendência no segundo semestre é prevalecer o efeito da vacinação e uma certa volta quase à normalidade. No ano que vem, talvez a gente veja essas outras forças (negativas) mais fortes, explicando um crescimento mais baixo em 2022. O mercado hoje em dia prevê um crescimento de 2%, mas alguns já projetam 1,5%.

Os riscos político e fiscal preocupam os mercados. Ainda mantém a visão de que a economia vai ter um crescimento cíclico nessa segunda metade do ano?

Acredito que a gente ainda está dando muito tiro no pé. Nesse terceiro trimestre era para ser um trimestre de otimismo, de uma recuperação mais forte. E a gente criou uma agenda extemporânea, muito por causa da política, com conflito entre poderes, e que agora atrai o meio empresarial. E por causa de uma agenda do Congresso que gerou muita incerteza. A gente deu um tiro do pé. Era para ter sido um terceiro trimestre de sorrisos, de boas notícias, das empresas se preparando para uma recuperação cíclica. Entendo que a gente ainda vai ter essa força da recuperação. Quando se olha esses setores que ainda estão muito abaixo de 2019, o efeito da vacinação pode trazer um ganho fácil de recuperação. Acho que isso ainda vai acontecer. Mas que a gente está fazendo de uma forma mais difícil, sim, está fazendo. É difícil de explicar por que a gente fez isso. Até politicamente parece fazer pouco sentido. Seria muito melhor do ponto de vista político para o governo ter uma recuperação mais significativa da economia. Mas eu continuo acreditando (numa recuperação). Estou mais otimista que a mediana do mercado.

Isso não prejudica a expectativa de recuperação?

Os números do segundo trimestre confirmam a narrativa de que continua havendo esse espaço (para o crescimento da economia). Começa a haver uma reação. Há uma poupança muito alta, que tende a cair aos padrões históricos, o que significa que esse valor vai virar consumo. Os problemas das cadeias globais que afetam a indústria aos poucos estão sendo resolvidas, o que pode ajudar. A indústria poderia estar indo melhor se não fossem essas restrições. Mas isso está sendo resolvido. A gente tem um espaço para ter uma segunda metade do ano bastante positiva, gerando algum dinamismo via maior renda do trabalho para ter um 2022 também bom. Agora, é muito risco político. É muita proposta no Congresso sem a devida preparação. Isso não ajuda. Atrapalhou muito o terceiro trimestre. É difícil entender. O cenário era bom para o governo. A pandemia retrocedendo, e a economia se recuperando. Mas, por alguma razão, não pareceu suficiente. Esses conflitos não ajudam na recuperação da economia.

Estadão
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