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Ela saiu da periferia, estudou computação nos EUA e agora é CEO do Bumble, rival do Tinder

A cientista da computação Lidiane Jones, CEO do aplicativo de relacionamento Bumble, é a entrevistada desta edição da série 'DNA da Liderança', com histórias de executivos e dicas de carreira

30 abr 2024 - 09h40
(atualizado às 13h57)
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A brasileira Lidiane Jones, CEO do Bumble
A brasileira Lidiane Jones, CEO do Bumble
Foto: Kristen Kilpatrick/Divulgação

A executiva Lidiane Jones, 44, ainda guarda memórias da infância e da adolescência em São Miguel, bairro periférico na zona leste de São Paulo. Entretanto, a realidade atual se distancia da que viveu no passado. Atualmente, ocupa a cadeira de CEO no rival do Tinder, o aplicativo de relacionamento Bumble. O diferencial do app é que somente a mulher pode iniciar uma conversa. A empresa fundada por Whitney Wolfe Werd, uma das mais jovens bilionárias do mundo, é avaliada em US$ 1,85 bilhões na Nasdaq (uma das principais bolsas de Nova York).

Jones atribui a ascensão profissional ao fato de nunca ter deixado de lado uma oportunidade, por mais despretensiosa que aparentasse ser. Ainda na juventude, mudou-se para os EUA após ganhar uma bolsa de estudos. Formou-se em ciências da computação na Universidade de Michigan, em 2002. Logo depois da formatura, ensaiou um retorno ao País natal, mas decidiu ficar.

Determinada, investiu nos primeiros contatos profissionais que conquistou enquanto ainda era universitária. Aos poucos, foi somando experiências em empresas dos EUA. O currículo da brasileira acumula passagens por Apple, Salesforce (companhia americana de software), Microsoft (na qual atuou por 13 anos) e Slack (plataforma de mensagens corporativas), onde trabalhou como CEO até o final do ano passado.

"Brasileiro tem muita criatividade em resolver problemas e achar algo que não foi visto ainda. Cresci com poucos recursos. Sempre precisei ser criativa com o que tinha", diz.

A executiva é do tipo de líder que gosta de dar exemplo. A agenda é disponível para todos os funcionários, e há um motivo para o método. "É importante para que saibam que o líder também é uma pessoa e que tem uma vida pessoal", comenta.

De Boston, a executiva conversou com o Estadão via zoom sobre a influência da cultura latina no estilo de liderar, saúde mental, a ferramenta Opening Moves lançada nesta terça-feira, 30, os desafios de ser uma das poucas mulheres CEOs em companhias de capital aberto nos EUA e do novo cargo que assumiu em janeiro deste ano.

Confira trechos da entrevista:

Como foi o início da sua carreira?

Vim para os Estados Unidos estudar. Inicialmente, queria voltar. O meu plano era retornar e ajudar a avançar a tecnologia no Brasil. Mas, para falar a verdade, não foi tão fácil. Naquela época, não havia tantas oportunidades de desenvolvimento de software no país. Agora está melhor.

Então, passei por algumas empresas nos Estados Unidos. Acabei indo para a Microsoft, aprendi bastante. Meu sonho sempre foi criar software.

Não sei se é uma coisa de brasileiro ou de imigrante. Nunca deixei passar nenhuma oportunidade, ainda mais nos primeiros anos, tentei um pouco de tudo.

Na Apple, fui como estudante na WWDC (conferência organizada anualmente pela Apple, que acontece desde os anos 2000). Conheci vários gerentes e dizia: 'Quero trabalhar aqui'. Consegui um estágio. A mesma coisa na Microsoft, estava superinteressada em entender como eles desenvolviam software.

Tenho muita gratidão pelas oportunidades que tive no início da minha carreira.

Tem algum aspecto da cultura latina que influencia o seu modo de trabalhar e liderar?

Brasileiro tem muita criatividade em resolver problemas e achar algo que não foi visto ainda. Cresci com poucos recursos, teve época da minha infância que não tínhamos o suficiente para comer. Sempre precisei ser criativa com o pouco que tinha. Tudo isso tem influenciado a minha vida inteira. Mesmo quando a situação está bem difícil, penso que pode ser pior.

Então, o que tenho visto na comunidade latina em tecnologia nos Estados Unidos é essa criatividade e habilidade de identificar oportunidades. Para mim, tem sido uma grande parte do meu sucesso e da da minha vida.

Defina o seu estilo de liderança.

Lidero com os meus valores: transparência, respeito e determinação. Sempre falo para os meus times: ‘não vem conversar comigo se não tentou o suficiente’. Tenho uma barra bem grande para isso. Sempre vou ser a primeira a ser transparente com a empresa toda sobre as prioridades, sobre o que está indo bem e o que não está indo bem. Porque é importante para todos entender o contexto das decisões que estão sendo feitas.

Acredito que os valores ajudam um time a funcionar como uma unidade só. Não quer dizer que seja fácil. Estamos sempre calibrando onde estamos indo bem ou não. A transparência também abre portas para os meus funcionários serem transparentes comigo.

Ainda tem a questão de estar aprendendo a vida inteira. Não estou sempre certa, às vezes tomo uma decisão errada. ‘Bom, errei aqui, o que aprendemos com esse erro? O que podemos fazer diferente?’

Criar um clima seguro para os funcionários identificarem os erros e o que aprenderam ajuda todo mundo a melhorar com o tempo. Porque, se estamos aprendendo com as decisões certas e as erradas, vamos continuar melhorando a empresa como um todo.

No meu time, perdemos ou ganhamos juntos. Não vai ter uma pessoa que vai ser o super-herói sozinha. Com esse pensamento, ganhamos como time.

Em 2021, a Bumble fechou os escritórios por uma semana para evitar o burnout dos funcionários. Hoje, qual o diferencial da cultura da empresa no que diz respeito à saúde mental?

A semana de descanso para os funcionários começou durante a pandemia e tenho mantido na empresa. O cansaço mental dos funcionários, não só aqui na Bumble, mas em geral no campo tecnológico, tem sido muito grande.

A nossa semana de descanso é no início do verão nos Estados Unidos, mas é uma ação global para todos os funcionários.

Também temos outros recursos. Porque quando os funcionários estão cansados, a inovação também sofre. Às vezes, tem líderes que falam: ‘não posso tirar essa semana ou evitar reuniões porque vai atrapalhar o resultado da empresa’.

Tenho visto o oposto. Quando os funcionários têm apoio da empresa para fazerem o impacto que eles querem fazer, o resultado tem sido maior.

Está sendo lançada uma nova ferramenta do app. Qual o objetivo?

A Bumble foi fundada com a ideia de que a mulher está no controle e que pode dar o primeiro passo nas relações românticas e em outras partes da vida. A nova ferramenta se chama Opening Moves (você abre a conversa).

(Na funcionalidade, a pessoa pode escolher uma pergunta para a conexão responder).

Nós, da Bumble, acreditamos que a nossa missão é de ajudar as pessoas a criarem conexões saudáveis e respeitosas, com foco na experiência da mulher. Esse lançamento de abril é o primeiro passo de inovação em 2024, que nomeamos como o ano da transformação.

Em uma entrevista, você disse que a tecnologia irá desempenhar um papel na forma como humanizamos e aparecemos no trabalho. Como a IA está sendo discutida no dia a dia da empresa?

A inteligência artificial vai humanizar mais as pessoas em vários aspectos das nossas vidas. Hoje, se pensamos no dia a dia das pessoas, elas passam muito tempo fazendo atividades repetitivas. Quero utilizar a IA para ter mais criatividade, mais humanidade no jeito que as pessoas estão se comunicando uma com a outra.

Por exemplo, quando uma pessoa está criando um perfil na Bumble, ela pode se sentir insegura em dizer do que gosta, o que faz. Então, esse é um momento em que a IA pode ajudar as pessoas a descreverem quem realmente elas são de forma confiante.

A minha ideia é não usar a IA para mudar quem você é, mas poder ajudar a pessoa a apresentar o melhor dela.

Quero que os nossos funcionários usem a inteligência artificial para potencializar os próprios talentos. Estamos olhando o uso da IA com relação à assistência ao cliente, aceleração de desenvolvimento de produtos e inovação.

Antes de assumir o cargo no Bumble, você ocupava a cadeira de CEO no Slack. Com essa vida executiva intensa, como faz para equilibrar vida pessoal e profissional?

Tenho dois filhos, um de 12 e outra de 8 anos. Tenho que estar presente em casa, mas também na empresa para os funcionários. Faço algumas coisas que são importantes para mim. Uma é ter qualidade do meu plano de calendário. Os meus funcionários sabem quando e onde vou estar. Minha família também planeja quando vou estar em casa.

A transparência dos nossos calendários importa, todos da Bumble podem ver as minhas reuniões agendadas. Meu marido também sabe a hora em que começa o dia e a hora em que termina.

Tem outras coisas que faço, quero ser um bom exemplo para a empresa, levo meus filhos para a escola todos os dias de manhã. Todo mundo sabe que nesse horário não vou fazer nenhuma reunião. É muito importante para os nossos funcionários saberem que o líder também é uma pessoa e que tem uma vida pessoal.

Valorizo o tempo deles e respeito os horários. Por exemplo, nunca vou fazer reuniões que sejam no turno da noite para colaboradores de outros países. Temos uma certa norma para ajudar todo mundo a se planejar e ter um balanço na vida pessoal e no trabalho.

Mas trabalho muito, dia e noite, porque gosto. A minha dificuldade é separar, ter hora dedicada para a família e hora dedicada para o trabalho. Meu problema é me perder no trabalho.

Então você se considera workaholic?

Por isso que me planejo bastante para não passar a noite lendo algo. O que faço: nunca mando mensagem para os meus funcionários à noite. Ainda mais com o título de CEO, se você receber uma mensagem vai tentar responder. A não ser que seja uma emergência.

Mesmo que esteja obcecada por alguma informação, penso bem intencionalmente de como estou interagindo com os funcionários para não criar um clima em que as pessoas estejam com medo ou estressadas sem conseguir planejar a vida pessoal.

Quais são as dicas para aqueles que desejam, principalmente mulheres na área de tecnologia, chegar a um cargo de liderança em uma grande empresa?

Durante a minha carreira, várias pessoas me ajudaram. Então, o quanto puder fazer para ajudar, especialmente mulheres, faço.

Vejo que as mulheres têm uma tendência a demorar mais para confiar nelas mesmas. Tenho passado muito tempo nesses últimos anos falando para mulheres que estão iniciando a carreira para não perder tempo com isso. Confie em você agora, quanto mais rápido possível você confiar no seu talento, melhor vai ser. Passamos muito tempo nos questionando.

A segunda coisa de que falo bastante é que a mulher passa mais tempo preocupada em tomar grandes decisões, calibrando e analisando. Estava dando uma palestra recentemente e disse: 'Dê o primeiro passo no que for.' Tomar riscos maiores é algo que estou tentando incentivar as mulheres a fazerem porque não precisamos ser tão cautelosas.

Confie em você, tome grandes passos, ponha seu nome naquele emprego que você quer, não fique preocupada por não ter todas as experiências ainda, não tem problema, você vai aprender.

Se puder ajudar com esses pontos vamos ver mais mulheres em cargos de liderança, não só em tecnologia, como também em outras áreas.

Estadão
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