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Ela se enrolou em uma dívida milionária, limpou o nome e agora é educadora financeira: 'Renasci'

Simone Sgarbi conta que a dívida foi fruto de ‘juros sobre juros’; saiba como ela entrou nessa bola de neve e mudou o rumo de sua vida

16 fev 2024 - 05h00
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Foto: Arquivo Pessoal

Nem cartão de loja, nem consumismo generalizado. O que deu início à grande dívida de mais de R$ 1 milhão de Simone Sgarbi e sua família foi a falta de planejamento. Sem nenhuma reserva, ela se casou jovem, quis construir uma casa do zero à base do cheque especial, gostava de proporcionar momentos de lazer para os amigos e familiares e, também, dar confortos que não teve aos seus dois filhos. Isso aliado a uma empresa, na época, sem giro de capital que empacou a renda familiar e os fez contrair empréstimos que se transformaram em uma grande bola de neve de juros sob juros.

Após um choque de realidade, tudo mudou. Ela, seu esposo e seus filhos recalcularam a rota e, então, deixaram de trabalhar para pagar juros e voltaram a ter liberdade financeira. Agora, aos 50 anos de idade, Simone deixou o interior de São Paulo e se mudou para o litoral, em Ilhabela, tem uma empresa consolidada, se tornou educadora financeira e planeja lançar um livro para ajudar pessoas que lidam com problemas similares aos que tiraram sua paz por muitos anos. 

Conheça a história de Simone e saiba como ela mudou de vida em depoimento dado ao Terra:

Falta de planejamento

Eu não tenho vício em compras. Sou zero consumista. Nunca usei roupa de marca, nem liguei para nada disso. Não foi com compras que me endividei. A dívida foi em parte como pessoa jurídica, parte como física. Como pessoa física, a dívida surgiu com o nosso sonho em construir uma casa. 

Me casei muito jovem, aos 23 anos, sem nenhuma poupança e nenhuma estrutura financeira – nem eu, nem meu marido. Eu tive minha primeira filha aos 21 anos e, aos 24, tivemos um menino. Eu sou formada em jornalismo e meu filho nasceu com um probleminha de saúde que fez com que a gente saísse da capital e se mudasse para o interior de São Paulo. Trabalhei em jornais e revistas locais. Foi nessa época que me endividei.

A gente só casou e, aí, apareceram contas para pagar. ‘O que a gente faz agora?’. Foi bem assim. Compramos um terreno e construímos a casa na base do cheque especial e do cartão de crédito.

Eram dois filhos pequenos e optei por trabalhar meio período. Isso fez com que a renda caísse um pouco. É a saga da mulher, né, eternamente. Eu não me arrependo. Mas foi uma escolha que, de um jeito ou de outro, afetou a renda familiar. Mas foi uma escolha necessária.

Cada um com seu trabalho, com o que a gente ganhava dava para pagar as contas do dia a dia. Mas a família foi crescendo, as contas foram aumentando e a gente não soube, lá no comecinho, se organizar para começar a vida organizada.

Percebo que essa história se repete muito. A pessoa já se casa com a dívida, porque a primeira dívida que ela faz já é o casamento em si. Então, às vezes, o comecinho da vida é aquele errinho que faz o juros sobre juros virar um milhão depois de dez anos, sabe?

Simone e o esposo no terreno que compraram para construírem o lar da família, após casarem
Simone e o esposo no terreno que compraram para construírem o lar da família, após casarem
Foto: Arquivo Pessoal

Gastos com ‘experiências’

Construímos uma casa maravilhosa, com piscina, quatro quartos e recebíamos a família inteira todo final de semana para fazer churrasco. E o dono da casa sempre banca mais, obviamente. Então tínhamos um custo de vida nas alturas, reunindo pessoas, que é o que a gente gosta.

Como os dois trabalhavam e tínhamos uma boa renda, também tínhamos crédito. E vivíamos a base disso. Se no fim do mês não dava, pagávamos o mínimo - o que hoje sei que é um crime mortal, mas, na época, eu não sabia. A gente dava um jeito, como todo brasileiro. Um mês atrasava uma conta, no mês que vem pagava outra. Cobre um santo, descobre o outro. A gente pensava: ‘Vai dar certo, a gente é saudável, é ativo, então a gente vai correr atrás’.

No dia que eu recebi o salário, eu já não tinha mais salário. Ele caía e já ia direto para os juros do banco. Então, no primeiro dia do mês, eu já estava devendo.

Além disso, a gente colocou nossos filhos na melhor escola da cidade. Era aquilo de querer proporcionar tudo de melhor pra eles, coisas que a gente não teve. Mas eram experiências, não coisas. A gente nem viajava para o exterior, nem nada. Tínhamos uma vida normal e recebíamos nossos parentes e amigos em casa.

Era uma dívida do dia a dia. Nosso luxo era comer queijo bom.

‘Virou filme de terror’

Foram dois momentos que fizeram a situação virar um filme de terror. O meu marido tem uma empresa de tecnologia - que mantemos até hoje. Mas, na época, ele tinha outros sócios e eles não tinham muito capital de giro. Então, se um cliente atrasava, eles tinham que tirar do bolso para pagar os funcionários.

Como nossa maior renda vinha dele, às vezes ficávamos sem renda. O dono da empresa não tira lucro quando a empresa não está indo bem. 

Então, a vida jurídica começou a atrapalhar a vida física, começamos a não ter salário. Nessa época eu comecei a trabalhar com comunicação com eles, para ajudar. Então parte do meu salário também vinha dessa empresa.

Começamos a não conseguir mais cobrir a nossa vida física, porque os salários atrasavam. A dívida maior foi se criando com os bancos, porque os juros começaram a ficar muito grandes sem o pagamento de algumas contas.

Cerca de R$ 300 mil era dívida nossa, como pessoa física. Todo o resto, que superou R$ 1 milhão, foi como pessoa jurídica, por juros sobre juros. 

A sociedade se desfez e começamos a tocar a empresa como nossa, com esse rombo enorme para pagar. 

‘Virada de chave’

A grande virada de chave aconteceu quando meu pai se acidentou. Ele caiu da escada, quebrou a perna e descobrimos que ele não tinha mais assistência médica. Ele não tinha contado pra gente. 

Então, levamos ele para o Sistema Único de Saúde (SUS). Agradeço muito, a cirurgia do meu pai foi maravilhosa. Mas, quando chegamos lá, tivemos que ficar dois dias no corredor com ele, aguardando em uma maca que brigamos para arrumar um colchão. Eu vi tudo que você imagina. Gente morta, com tiro, e meu pai sem conforto no meio. Foram dias desesperadores.

E eu não conseguia pagar para meu pai estar em uma condição melhor. Comecei a trabalhar com 15 anos, nessa época já estava com quase 40. A mudança não foi por um banco me cobrando, não. Porque o banco me cobrando, eu sabia que eu ia negociar e que eu ia pagar. Mas foi perceber que eu não tinha condições de ajudar as pessoas que eu amo.

Quando meu pai foi pra casa, fui para o banho chorando e falando para mim que nunca mais passaria por isso. Mexeu muito comigo.

Após superar a dívida e alcançar a sonhada independência financeira, Simone começou a compartilhar dicas de finanças nas redes sociais e ajudar outras pessoas
Após superar a dívida e alcançar a sonhada independência financeira, Simone começou a compartilhar dicas de finanças nas redes sociais e ajudar outras pessoas
Foto: Reprodução/@eubernardocoelho

Recomeço

O primeiro passo foi levantar todas as dívidas – o primeiro momento desesperador da reeducação financeira. Liguei para todos os credores. Eram 12 na época, entre pessoa física e jurídica. Os dois maiores credores eram bancos, outros eram lojas de material de construção e afins.

Na época, a gente não tinha noção do tamanho dessa bolada, o que acontece com muita gente. Como é juros sobre juros, você fica devendo mais do que devia e não entende muito bem o que acontece.

Fui estudar pela internet, com influenciadores, lendo artigos do site da Anbima, do Banco Central… Fui descobrindo como eu matava essa dívida. Liguei em todos os bancos e fiz as perguntas: Qual era a dívida inicial? Qual era o valor hoje? Qual era a taxa de juros? Quanto eu já tinha pagado?

Então, eu fiz uma coisa que eu não recomendo que as pessoas façam. Como eu já estava com o nome negativado, eu parei de pagar todo mundo para primeiro organizar o meu custo de vida real.

Pensar em quanto eu precisava para comer, para morar, para vestir… E, a partir disso, reduzi meu custo de vida em 40%. Mudei de bairro, tirei meu filho da ‘melhor escola’, mudei o tipo de alimentação, mudei tudo. A gente brincava que saia só se fosse na’ catraca livre’, de graça.

Eu tive coragem de me expor para todo mundo também que a fonte secou. Foi bem bacana que as pessoas que me cercavam entenderam o meu momento, não ficavam me cobrando. Foi uma rede de apoio que eu sei que não é todo mundo que tem. Mas eu, graças a Deus, tive.

Reunimos toda a família - minha filha já estava na faculdade e meu filho no colegial – e falamos que a partir daquele dia todas as questões financeiras da casa vão ser conversadas com todos juntos. “A responsabilidade financeira de prover a casa ainda é dos pais, não estou passando essa bola para vocês, mas é importante que vocês saibam sobre para quando vocês forem adultos não caiam na mesma armadilha que a gente caiu”.

Em família, fizemos várias pequenas metas. A gente adorava comer pastel com caldo de cana na feira. Percebemos que isso dava a nossa conta de luz no mês. Então, quando a gente economizava um pouquinho na conta de luz, a gente voltava para o pastel como uma pequena comemoração. Era uma conquista.

Todos também começaram a fazer trabalhos para ter renda extra. Foi uma época que a gente só trabalhou.

Dentro da empresa, reorganizamos os setores, reavaliamos a dinâmica.. A minha empresa é pequenininha, mas reavaliar essas pequenas posições fez com que a gente triplicasse o quanto a gente ganhava em um ano, só de colocar as pessoas nos lugares certos. A gente também parou de ter custos que eram desnecessários.

Isso tudo fez com que, na época da pandemia de covid-19, eu já estivesse com a empresa reestruturada. Não deixei de pagar um salário, mesmo com a empresa parada, porque eu já tinha feito toda uma poupança, tanto para a empresa quanto para mim. As coisas foram voltando a funcionar. 

Conhecimento

Quando estava passando o jornal e começava a falar de economia, eu tirava. ‘Que assunto chato, não entendo nada’. Mas com tudo que foi acontecendo, eu comecei a querer entender mais. Eu acho que a gente precisa aprender mais os nossos direitos.

Quando estava endividada, as pessoas ligavam para mim e falavam que iam entrar na minha casa para tirar televisão, levar não sei o que. Eu ficava desesperada, eu chorava. Ninguém pode entrar na nossa casa e pegar sua televisão. Mas eu não sabia disso. Eu ficava assustada, porque eles ligavam ameaçando. E, na verdade, quando eles fazem isso, é você que pode processar, porque é algo ilegal.

Última dívida paga

Eu lembro que foi em um dia 26 de dezembro quando pagamos o último boleto, em um banco lá na Avenida Paulista. Era uma dívida com um banco de pessoas jurídicas, físicas já estavam todas pagas. Foi há cerca de 10 anos, um boleto de R$ 35 mil. No momento, tive a sensação de renascer.

Porque, a partir daquele momento, o meu dinheiro era meu, não era mais do banco. A sensação que eu tinha é que eu trabalhava só para o banco. Eu trabalhava só para pagar juros, eu não trabalhava para mim.

Combinou desde aquele momento que nunca mais a gente ia chegar nesse ponto. Que a gente reduzia nosso padrão de vida e aumentava o volume de trabalho, mas a gente não ia mais pegar empréstimo. 

E temos conseguido fazer isso, né? Minha empresa cresceu 300%. Hoje eu tenho quase 30 funcionários e eu não atraso o pagamento de ninguém. E, na época, eu tinha três. A gente trabalha com capital de dinheiro nosso, nunca mais peguei dinheiro de banco. Não é toda dívida que é ruim. Quando é uma dívida para você crescer, pode ser necessário. No nosso caso a gente não precisou, mas talvez precisasse.

Agora vivo em Ilhabela. É maravilhoso. Foi uma coisa que a liberdade financeira me proporcionou, foi a coroação de toda essa reestruturação da minha vida. Era meu sonho morar na praia quando me aposentasse e eu consegui fazer isso agora, com a vida ativa ainda, enfim.

A Nathalia Arcuri foi uma das influenciadoras que Simone teve como 'mentora' e que tornou sua história pública
A Nathalia Arcuri foi uma das influenciadoras que Simone teve como 'mentora' e que tornou sua história pública
Foto: Reprodução/Instagram/@investir_eu

Missão

Eu tinha um Instagram fechado só para amigos, nunca fui uma pessoa pública. Não sou ainda, sou tímida. Mas eu comecei a fazer um curso para aprender a investir na Bolsa de Valores e acabei virando a louca dos cursos. Todos os cursos que tinham gratuitos eu fazia. Quando eu comecei a ter um pouquinho de dinheirinho, comecei a investir em cursos pagos. Eu queria aprender tudo. Nunca mais cair na boca do lobo.

E aí um dos professores falou que eu precisava contar essa história para o mundo, porque tem gente que fica muito desesperado e acha que não vai sair da dívida e acaba desistindo. E eu era uma prova viva de que dá pra sair. Tem pessoas que não têm condições, mas no caso da gente, a gente tinha um ponto de saída. Abri meu Instagram nesse dia.

Alunos do curso começaram a me seguir e começou assim. Até que um dia aconteceu de dois grandes influenciadores de finanças divulgarem a minha história ao mesmo tempo. Eu tinha sido aluna dos dois. Dormi com 300 seguidores – que eram meus amigos, familiares e o pessoal do curso – e acordei com umas 8 mil pessoas no meu perfil.

Comecei a aparecer mais e, quando eu vi, já tinham umas 20 mil pessoas lá. Então, eu comecei a pensar o que eu iria fazer para toda essa gente. Como eu já tinha me organizado financeiramente, decidi me dedicar um pouquinho ao perfil, para ajudar mesmo. Como foi na pandemia, com tudo meio parado, consegui focar nisso.

Eu passei por tudo isso, da dívida milionária, sem nunca ficar desempregada. E aí eu ficava pensando: ‘Imagina quem fica?’. A gente se endivida porque a gente não sabe lidar com as ferramentas certas. Então mesmo estando menos presente agora, porque estou com um volume de trabalho bem grande em outras frentes, eu sempre tento responder as pessoas. 

Eu sei a importância disso. Salvou a minha vida, eu sei que salva a vida de outros também. Então, sempre que tiver ao meu alcance, eu vou sempre responder.  Eu sou jornalista por profissão, educadora financeira por missão. Percebi que não ia mudar o mundo sendo jornalista, mas hoje eu mudo alguns mundos sendo educadora financeira.

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Fonte: Redação Terra
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