Eles foram contratados na pandemia, mas "não deram certo" no presencial
Volume de recrutamento de executivos cresceu 62% no primeiro semestre de 2022; cerca de um terço das contratações veio para substituir escolhas feitas na pandemia que não deram certo
O mercado de recrutamento de altos executivos encerrou o primeiro semestre deste ano em ebulição e com as consultorias especializadas em garimpar esses profissionais batendo recordes de volume de trabalho. É que a dança de cadeiras nos estratos mais elevados das corporações se intensificou nos últimos meses com o arrefecimento da pandemia e a volta das atividades presenciais.
A maior parte do aumento dessas movimentações do alto escalão se deve a trocas nos quadros adiadas pela covid-19 e a novos projetos interrompidos pela pandemia, que agora estão sendo retomados. Mas uma parcela do aumento das contratações ocorre por conta do fim da "lua de mel" entre as empresas e altos executivos. Aqueles que trocaram de emprego no auge do período de isolamento social e, sem conhecer presencialmente as equipes, não conseguiram liderá-las remotamente.
Pesquisa da consultoria americana Signium, especializada na contratação e seleção de executivos de alto escalão (o chamado C-Level, no jargão do mercado), mostrou crescimento de 62% no número de admissões no primeiro semestre deste ano ante o mesmo período de 2021. As contratações foram feitas por multinacionais e empresas nacionais de grande porte.
Ele ressalta que, para os cargos de C-Level, a principal competência técnica é a capacidade de influenciar e gerenciar pessoas. E, se o executivo não consegue fazer isso a distância, sem conhecer a equipe, torna-se bem difícil continuar na empresa.
"Alguns executivos mudaram na pandemia e perceberam que o novo emprego não era o que esperavam. Agora, estão fazendo um novo movimento", afirma Tiago Salomão, sócio sênior da Korn Ferry, outra importante consultoria especializada em recrutamento de altos executivos.
Fusões e aquisições também aceleram contratações
Além da retomada dos projetos interrompidos - segundo ele o principal fator -, o consultor diz que as consolidações que houve entre companhias, em razão de fusões e aquisições, têm levado a mudanças na governança e a necessidade de contratar novos profissionais.
Salomão confirma a grande dança de cadeiras que vem ocorrendo no topo das corporações. Entre fevereiro e abril, por exemplo, a consultoria registrou crescimento de 22% na receita global em dólar com serviços de recrutamento de executivos, presidentes e membros de conselhos de grandes organizações em relação aos mesmos meses de 2021. "Foi o melhor trimestre da história da empresa globalmente, regionalmente e localmente: para qualquer região que você olhe, houve uma movimentação muito grande", afirma.
A Page Executive é outra consultoria especializada em alto escalão que registrou bons resultados. No primeiro semestre deste ano, a receita da empresa com o recrutamento no País cresceu 135% em relação a igual período de 2021. "Parece um número absurdo, mas é histórico, é real", afirma Paulo Dias, sócio da consultoria.
Ele conta que a procura foi concentrada em cargos como diretor financeiro (CFO), presidente (CEO), diretor comercial, diretor de unidades de negócios, diretor de operações e até conselheiros.
Esse forte impulso às contratações, na opinião de Dias, reflete a retomada dos investimentos, a reposição de cargos de profissionais que deixaram as empresas no auge da pandemia e as mudanças na cultura das empresas em razão da covid-19. "Houve empresa que mudou o foco dos negócios, a cultura e se transformou na pandemia e, por isso, é preciso mudar quem a dirige, o CEO tem que ter um novo perfil."
Maior parte das mudanças parte das empresas
De acordo com a consultoria Signium, no geral, a maior parte (60%) do total das trocas de lideranças - independentemente dos motivos - ocorreu por iniciativa das empresas, que viram os resultados não serem atingidos.
Por parte dos executivos, Drummond aponta como fatores que levaram a trocas principalmente a dificuldade de adaptação cultural, que foi potencializada pelo fato de as equipes estarem trabalhando remotamente.
Outro motivo foi a divergência no modelo de trabalho desejado pelo executivo (presencial ou remoto) e o oferecido pela empresa, além da intenção do profissional de buscar companhias que tenham, cada vez mais, valores alinhados com os seus propósitos, outra tendência que foi acentuada pela pandemia.
Essas razões ficaram claras em recente levantamento feito pela consultoria com executivos contratados. A enquete mostrou que 43% dos executivos apontaram a dificuldade de adaptação com a cultura da empresa como o motivo da mudança, seguido pelo modelo de trabalho híbrido ou home office (26%), escopo de trabalho (17%) e por último a remuneração (13%).
"As pessoas não estão saindo de uma empresa para ir para outra por causa de salário", diz Drummond. O momento de parada forçada provocada pela pandemia fez com que as lideranças começassem a refletir sobre a identidade cultural com a empresa na qual trabalham e se os propósitos são coincidentes, se têm a mesma "pegada", diz o consultor.
Busca por um propósito
Esse foi o caso de Eduardo Roveri, de 40 anos, formado em administração de empresas ,com MBA em gestão de pessoas pela FGV e que há 20 anos atua em altas posições na área de recursos humanos em grandes companhias.
Depois de atuar por 15 anos na área de bebidas, em 2019 ele foi trabalhar numa multinacional americana de empilhadeiras. Por lá ficou até junho deste ano, quando voltou às origens. Roveri diz que estava feliz na empresa anterior, mas foi atraído para nova companhia pelo propósito. "Eu me conectei com a proposta da empresa."
A multinacional europeia do setor de bebidas está há dez anos no Brasil e agora planeja uma fábrica própria no País. Roveri diz que será primeira unidade de produção fora da Europa e que o propósito da companhia é ser a marca mais a amada, não a mais vendida. "Isso me chamou atenção e fez eu querer fazer parte dessa história."
O executivo conta que foi abordado por um head hunter e que aceitou passar por várias etapas de seleção antes mesmo de receber a proposta salarial, que foi um pouco maior do que o que ganhava na antiga empresa.
No entanto, essa informação só foi de seu conhecimento no estágio final das negociações. "O que pesou mais foi o propósito de construir uma marca que preza pela qualidade, com uma fábrica que usa muita tecnologia e voltada para a sustentabilidade."
Há dois meses o executivo está à frente desse novo desafio de construir do zero a área de recursos humanos da multinacional no Brasil. Ele é o número um da área no País e se reporta ao presidente da empresa no Brasil e na Europa.
Roveri é um exemplo das mudanças de comportamento dos profissionais de alto escalão que ocorreram na pandemia. "A pandemia fez a gente refletir mais sobre nós mesmos e muitas dessas reflexões fizeram as pessoas mudarem de vida e de trabalho."
Na prática, o executivo observou essa transformação em busca de propósito não apenas no seu caso, mas também nas pessoas que está contratando para construir a empresa da qual ele passou a fazer parte. "Essa é a tendência para posições de alto e médio escalão."