Script = https://s1.trrsf.com/update-1734630909/fe/zaz-ui-t360/_js/transition.min.js
PUBLICIDADE

Eles têm conta em banco, mas não usam nenhum tipo de serviço financeiro

Estudo aponta que mais 60% dos brasileiros são sub-bancarizados; entenda motivos

10 nov 2023 - 05h00
Compartilhar
Exibir comentários
Foto: Reprodução/iStock/Rmcarvalho

Roberto*, de 62 anos, passou sua vida sem o interesse de abrir uma conta em um banco. Ele trabalha confeccionando troféus desde os seus 15 anos. Nessa trajetória, quando não era pago com 'dinheiro vivo', seus ganhos iam para a conta de seus filhos, que sacavam o montante e o entregavam. Sempre foi assim. Até que, para ter mais independência, ele decidiu deixar o status de desbancarizado e, neste ano, decidiu ter sua primeira conta bancária. Ainda assim, pouco mudou.

Nascido na Paraíba e morador de São Paulo há quase 50 anos, o autônomo, que trabalha sem contrato e sem nenhuma empresa aberta em seu nome, nunca usou cartão de crédito, transferência financeira e nem PIX. O que faz é apenas sacar na boca do caixa o dinheiro que recebe. Agora, mesmo com a conta, não se arrisca: "Não gosto muito de ir ao banco. Eu vou mesmo só para sacar. Só isso mesmo. Eu prefiro assim. Nunca aconteceu nada irregular comigo, mas não sou chegado".

Comportamento que faz de Roberto um sub-bancarizado --ou seja, alguém cuja renda, perfil e comportamento financeiro poderia estar usufruindo de mais serviços e ferramentas do sistema financeiro, mas não os utiliza. Mas ele não é único. No Brasil, há 107,2 milhões de pessoas maiores de idade consideradas sub-bancarizadas, como aponta um estudo da fintech 1Datapipe, referente à julho deste ano.

Embora não seja reconhecido pelo Banco Central (BC) e pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban), o termo, segundo especialistas entrevistados pelo Terra, é visto como um importante ponto de exclusão no setor, assim como a desbancarização [pessoas que não têm contas bancárias]. Até porque ter conta bancária não garante uma inclusão financeira real do brasileiro.

O Brasil, de acordo com o Censo 2022, conta com 203,1 milhões de pessoas. A fintech analisa que do total dos cidadãos brasileiros, 162 milhões são maiores de idade e são aptos a terem contas bancárias. Sendo assim, levando em consideração esse grupo, pode-se dizer que 67% (107,2 milhões) deste público é sub-bancarizado. A quantidade é maior nos casos de pessoas mais pobres e menor em caso de pessoas mais ricas. Mas, independente da classe socioeconômica, os números são altos.

Desbancarização

Faz pouco tempo que Roberto entrou para o 'jogo' do sistema financeiro. Mas, antes, poderia ser considerado um desbancarizado, ou seja, uma pessoa sem conta em banco. Estima-se que 4,5 milhões de brasileiros estão nessa situação, sem contas em banco. O que representa 3% da população. O dado é de uma nova pesquisa do Instituto Locomotiva sobre bancarização, publicada em 30 de outubro. 

Ainda de acordo com o estudo, a maior parte dos desbancarizados (83%) se concentram nas classes socioeconômicas C, D e E. São 3,8 milhões de brasileiros. O levantamento é referente a agosto de 2022, considerando a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) e o Censo do mesmo ano, com olhar para a população acima de 18 anos. 

O Banco Central não possui dados sobre a quantidade de pessoas desbancarizadas, nem de sub-bancarizadas. Mas, em contraponto, disponibiliza as estatísticas referentes à quantidade de relacionamentos ativos com as instituições financeiras, atualizadas mensalmente. Atualmente, segundo dados disponibilizados em 30 de setembro, há 1.137.761.003 de contas ativas. Destas, 192.984.583 são vinculadas a CPFs e 19.128.496 a CNPJs. 

Mesmo com a pandemia tendo impulsionado a bancarização da população brasileira, com mais de 26,9 milhões de novos CPFs no sistema financeiro entre março de 2020 e setembro de 2023, não são todos que mantêm um relacionamento ativo com os bancos. Deste público, por exemplo, 17% das pessoas ouvidas pela pesquisa do Locomotiva afirmaram não fazer movimentações financeiras com frequência. O valor representa 26 milhões de brasileiros, sendo a maioria do Nordeste e das classes C, D e E.

A pesquisa também mostra que 47% dos bancarizados declaram sacar dinheiro como uma das operações que realizam em suas contas bancárias --mesmo que não na sua totalidade, como faz Roberto. Isso representa 69,7 milhões de pessoas. 

Tentativa frustrada

Mas nem sem a sub-bancarização é uma opção do correntista. Como é o caso de Maria*, de 25 anos. Diferente do caso de Roberto, ela quis abrir uma conta para conseguir obter um cartão de crédito. E nas duas vezes que tentou fazer a solicitação em um banco tradicional, teve os pedidos negados - mesmo tendo renda. 

Ela mora no interior de um Estado do Sul, onde nasceu. Sua família nunca teve poupança, nem nunca investiu dinheiro ou utilizou crédito. Desbravando novos caminhos, ela foi a primeira a fazer faculdade e também foi a primeira a tentar ter um melhor relacionamento com o setor financeiro. 

Em entrevista ao Terra, ela contou que, em seu primeiro trabalho, de carteira registrada, ganhava cerca de R$ 2.000 por mês. Isso foi há cerca de 10 anos e, na época, precisou abrir uma conta no banco que a empresa utilizava para receber seus pagamentos. Aproveitando a oportunidade, ela tentou dar entrada em um cartão de crédito e o processo não foi autorizado por ter renda considerada baixa.

O hábito de abrir uma conta pode ser comum para parte dos brasileiros, mas também não é o caso de Maria. "A minha família não tem dessas. Temos o dinheiro, pagamos todas as contas e guardamos o que sobrar sem pôr nada no banco", conta. Mesmo assim, ainda que sem envolver instituições no meio, ela diz que sua mãe sempre a incentivou a poupar, guardando o pouco que restava dentro de um cofrinho.

Maria, então, tentou mais uma vez neste ano. Agora, seu contexto de trabalho é outro. Ela trabalha na área de pesquisa, por contrato anual, e recebe uma bolsa de R$ 4.800 por mês. Além disso, também virou uma microempreendedora individual (MEI) ao abrir uma empresa de recreação de festas, onde lucra cerca de R$ 3.000. No total, sua renda chega a quase R$ 8.000.

"Não é um salário ruim, então eu achei que agora eu poderia conseguir um cartão de crédito", conta. Ela mora com seu companheiro, tem uma filha pequena e pretende ampliar a família. Assim, ter cartão de crédito ajudaria nas compras de casa -- como eletrodomésticos, por exemplo.

A questão é que esse foi o primeiro ano que sua renda chegou nesse patamar, então ela ainda não tinha nenhum imposto de renda que comprovasse seus ganhos. No banco, ela conta que levou seu contrato e registros de MEI, mas que não foram aceitos. "O MEI não é visto como um trabalho. Eu não ganho mal, mas não consegui um cartão de crédito porque não sou CLT", desabafa.

Revoltada com as negativas, Maria continuou mantendo apenas uma conta-poupança que estava parada e que foi aberta em sua infância para cair o dinheiro do pagamento da pensão dada por seu pai. Nesse cenário, ela não é desbancarizada e mantém certo relacionamento ativo com o banco, pois a renda de seu trabalho acaba passando pela conta. Mas a jovem também não utiliza outros serviços do banco, dos quais poderia usufruir dada a sua renda. 

Quando quer comprar algo caro, junta as 'parcelas' e compra o item quando tem todo o dinheiro em mãos. Foi assim que ela e o esposo conseguiram adquirir o carro próprio. E o sonho da casa também já é uma realidade para Maria, isso porque, quando se casou, o companheiro já tinha o imóvel. Seu plano, agora, é estudar mais sobre educação financeira antes de dar mais algum passo no sistema financeiro, como uma forma de se resguardar e não ter mais suas expectativas frustradas. 

Mas, por enquanto, ela se vê presa em um ciclo: "Eu não devo para ninguém. Mas como eu não posso comprar em cartão de crédito, não sou considerada uma boa pagadora porque eles não me dão a oportunidade de mostrar que sou boa pagadora. Acho injusto." 

Foto: Reprodução/iStock/Joyce Diva

Inclusão por score

Quando o assunto é conseguir empréstimo, crediário, financiamento ou dar entrada em um cartão de crédito, cada um tem seu histórico pessoal que pode ajudar ou atrapalhar no processo. No Brasil, é comum que essa 'pontuação' seja checada pelo Serasa Score, banco de dados da Serasa Experian, que aponta sobre dívidas vencidas e não pagas, cheques sem fundos, protestos de títulos e outros registros públicos e oficiais.

A pontuação do Serasa é focada em crédito e varia de 0 a 1.000 - sendo zero 'muito baixo', indicando grande probabilidade de inadimplência; e mil 'excelente', indicando alta chance de obter crédito. Mas o score serve apenas de parâmetro. A Serasa, em seus materiais informativos, sempre ressalta que "a aprovação do crédito é sempre uma decisão da instituição financeira, que pode considerar outras informações e modelos de pontuação de crédito em sua política própria de concessão".

No caso de Roberto, que tem apenas o Ensino Fundamental, a educação financeira nunca foi encarada como algo importante. "O dinheiro pra mim... Sei lá, nunca... Não tem importância. Porque eu não tenho limite. O que eu ganho hoje, amanhã eu já tô sem. Eu gasto tudo. Não consigo me controlar", contou o autônomo.

Para o analista e especialista em mercado financeiro Tiago Feitosa, que atua na área de educação financeira, o acesso ao sistema financeiro e à sua utilização ajuda o cidadão, em primeiro lugar, a proteger o seu dinheiro contra a desvalorização provocada pela inflação.

"Quando uma pessoa saca todo o seu rendimento de uma vez, embora seja muitas das vezes pouco perceptível, seu dinheiro vai perdendo valor ao longo do mês, porque o preço dos produtos e serviços que ele consome aumenta. Logo, ao final do mês, o dinheiro sacado compra menos coisas do que comprava no começo do mês", explica.

Feitosa entende que esse comportamento é comum entre pessoas que não tiveram acesso ao conhecimento de produtos e serviços, ou, então, que passaram por experiências negativas no passado. "Então usam o sistema dessa forma para se 'protegerem', se 'prevenirem' de cair em armadilhas e ter problemas".

Para Feitosa, subutilizar o sistema financeiro exclui a pessoa de acesso a produtos que, se bem utilizados, poderiam auxiliá-la na gestão financeira. Ele cita, por exemplo, que produtos financeiros podem ajudar na gestão de risco de uma família, com os seguros e com o planejamento de aposentadoria. 

Para auxiliar nesse processo de aproximação, ele elenca algumas dicas:

  1. Para começar a utilizar um banco com segurança, verifique, em primeiro lugar, quais seriam os custos envolvidos na utilização da cesta de serviços. Atualmente, há muitas opções de bancos que oferecem isenção para este serviço.
  2. No começo de uma relação comercial com um banco, é prudente recusar linhas de crédito como o cheque especial. Isso porque, se estamos falando de alguém que tem pouca familiaridade com o banco, ela pode confundir o saldo do cheque especial com seu saldo total em conta.
  3. Ao deixar dinheiro na conta, opte por colocar o dinheiro em produtos de investimentos que sejam conservadores, mas que, de alguma forma, remunere seu capital. Deixar dinheiro parado faz com que o dinheiro perca valor ao longo do tempo. Com pouco conhecimento sobre o mercado, a recomendação é começar pela própria caderneta de poupança, um produto simples e intuitivo.
  4. O cartão de crédito, se bem utilizado, também pode ser um grande aliado na gestão financeira. Isso porque o próprio cartão é uma ferramenta de controle de gastos, já que apresenta mensalmente o valor gasto em cada um dos estabelecimentos durante o mês. Assim, fica mais fácil o controle financeiro. O importante é usar dentro do seu limite de renda e, o mais importante, pagar a fatura integralmente no vencimento. Além disso, a maior parte dos cartões de crédito possui programas de fidelidade que acumulam algum tipo de bonificação com a utilização.

* Os nomes verdadeiros das duas pessoas entrevistadas foram ocultados para preservar seus futuros possíveis relacionamentos com o setor financeiro.

Fonte: Redação Terra
Compartilhar
TAGS
Publicidade
Seu Terra












Publicidade