Empreendedores contam como recomeçar após fim de startups
Apesar do infortúnio gerar frustração a muitos empreendedores, ele pode ser o início de um negócio de sucesso
Na noite de 1º de maio deste ano, o carioca Bernard De Luna, de 33 anos, não dormiu. No mês que sua startup Bunee, que operava uma plataforma para conectar profissionais de tecnologia, registrou seu melhor faturamento e recebeu duas propostas de investimento, ele e os outros fundadores decidiram fechar a companhia. Os resultados, eles concluíram, não eram suficientes. "Não preguei os olhos e chorei pensando que teríamos de comunicar a todos", lembra De Luna. "Eu ganhei algumas batalhas, mas perdi a guerra. Essa história ninguém quer contar."
Mas De Luna contou e isso fez bem para ele. Depois de anunciar ao mercado, conversar com empreendedores e com a família, ele entendeu que não era uma questão de incompetência. No mês seguinte, decidiu aceitar uma proposta de emprego no site de conteúdo QConcursos. "Depois de tirar um tempo para sofrer, com o coração limpo e energizado, assumi um novo desafio", escreveu numa carta, há duas semanas.
Contar ao mundo que está fechando as portas de uma startup é algo comum nos Estados Unidos, mas não no Brasil. Em geral, quem vive nos EUA sabe que é muito difícil alguém acertar na primeira, como fez Mark Zuckerberg ao criar o Facebook, o mais comum é seguir uma trajetória parecida com a de Jeff Bezos, fundador da gigante de e-commerce Amazon, que criou várias empresas que quebraram antes de obter sucesso.
Aqui, os empreendedores ainda se sentem desconfortáveis ao falar sobre fracasso. "Ainda existe no Brasil a cultura de só falar da falha depois que já existe algo melhor para se apresentar", diz Amure Pinho, presidente da Associação Brasileira de Startups (ABStartups).
Não existem dados oficiais, mas investidores e empreendedores dizem que a cada dez startups criadas nos EUA, nove morrem. Parece um prognóstico ruim, mas há estudos que mostram que fracassar é bom. A professora de negócios da Universidade de Stanford, Kathryn Shan, analisou o histórico de quase 3 milhões de empreendedores em 2014 e descobriu que é mais fácil ter uma empresa de sucesso quanto mais empresas o fundador tiver criado - mesmo se elas tiverem falido.
O curitibano Tiago Dalvi, 32 anos, falhou quatro vezes antes de criar sua startup atual, a Olist, uma plataforma que distribui anúncios em sites de e-commerce. Aos 19 anos, abriu uma loja num shopping. Depois uma distribuidora e, na terceira tentativa, um site que aproximava consumidores de vendedores de produtos artesanais. "O aprendizado oriundo dos equívocos cometidos em cada etapa foi fundamental para chegar onde estamos hoje", diz Dalvi.
Em 2014, após sua terceira empresa receber investimento do fundo 500 Startups, ele passou uma temporada na Califórnia e decidiu fazer uma reviravolta no negócio, dando origem à empresa atual. "Eu já estava cansado de errar."
A virada funcionou e, hoje, a Olist tem 160 funcionários e 3,5 mil lojistas vendendo seus produtos em sites como MercadoLivre, Submarino e Extra. "Empreender é um exercício de humildade. A cada mudança no negócio você chora, não vê saída", diz Dalvi. O importante, segundo ele, é expor as inquietações para mentores e bons amigos.
Luto. Em geral, os empreendedores demoram demais para admitir que seus negócios deram errado e muitos ficam de luto, segundo o psiquiatra e psicólogo americano Michael Freeman, que atende muitos fundadores de startups. "Muitos sentem vergonha, raiva, depressão e falta de esperança", afirma. "A melhor forma de lidar com essas emoções é antecipar a possibilidade de o negócio falhar antes de começar."
Para especialistas, embora o mote "falhar rápido e falhar com frequência", popular no Vale do Silício, soe bonito na teoria, na prática é diferente. "Ninguém gosta de falhar", diz Thomas Koulopoulos, presidente da consultoria Delphi Group. "O importante é estabelecer limites para o negócio, aprender as lições e seguir em frente."
Dar um tempo a si mesmo para refletir é a melhor saída, segundo os especialistas. Foi o que fez o pernambucano Antônio Inocêncio, de 31 anos. Ele empreendeu pela primeira vez em 2009, quando ainda estava na faculdade. Após dois anos, a empresa de entrega de ingressos por mensagens de texto (SMS) ainda não gerava receita e, quando o primeiro aporte se esgotou, fechou as portas. "Entrei em um MBA de gestão de negócios para não parar", diz.
Na segunda tentativa frustrada de startup, dessa vez na área de análise de mídias sociais, ele já sabia que queria ser empreendedor e não foi procurar emprego após fechar a empresa.
Agora, Inocêncio está a frente da Nazar, startup que monitora o desempenho de bancos de dados na nuvem e que tem como principal cliente a Amazon Web Services (AWS). A empresa faturou R$ 500 mil em 2017 e planeja dobrar o valor em 2018, com a ajuda de parceiros.
Inocêncio avalia que fechar as portas de uma empresa é como viver o fim de um relacionamento: logo que acontece, a pessoa normalmente fica triste e lamenta, mas depois de um tempo percebe que saiu da relação mais forte do que entrou. "E o melhor: começa o próximo sem cometer os erros de antes", diz.