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Empresas de maquininhas perdem R$ 160 bi em valor de mercado no ano, com Pix e juros altos

O acirramento da concorrência e a aventura não muito bem-sucedida em negócios paralelos, como o crédito, também são apontados por analistas como responsáveis pela queda nas ações

23 nov 2021 - 22h17
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Desde o começo do ano, as empresas brasileiras de maquininhas de cartões, conhecidas oficialmente como adquirentes, listadas em Bolsas de Valores perderam quase R$ 160 bilhões em valor de mercado, mais do que o valor do Banco do Brasil ou o do Santander Brasil na B3, de acordo com dados compilados pelo Estadão/Broadcast. O Pix, sistema de pagamentos instantâneos do Banco Central, é apontado como um dos vilões, embora seu impacto ainda seja controverso. A alta dos juros, o forte acirramento da concorrência e a aventura não muito bem-sucedida em negócios paralelos, como o crédito, também são apontados como responsáveis pela derrocada das ações.

Os custos das empresas de adquirência para financiar operações como adiantamento de recebíveis, por exemplo, são indexados ao CDI, que por sua vez, varia junto com a taxa Selic. Desde o começo do ano, a taxa básica de juros da economia brasileira já subiu 5,75 pontos porcentuais, e deve subir ainda mais, chegando a dois dígitos no começo de 2022.

O quadro se agrava por causa do forte aumento da concorrência no setor. Em geral, costuma haver um atraso entre o aumento dos custos de captação e o reajuste de preços aos clientes, o que gera um aperto momentâneo nas margens das empresas. Mas analistas acreditam que ele pode ser maior no atual ciclo de alta de juros, porque a competição no setor aumentou. "Esse talvez seja o maior risco para as margens no curto prazo e vai ser maior para as empresas que dependem mais da receita financeira, como a Stone e a PagSeguro", afirma Erick Rodrigues, analista da Moody's.

Boa parte do que se convencionou chamar de "guerra das maquininhas", com derrubada das taxas e tarifas por parte das líderes do setor, aconteceu em um cenário de Selic em queda ou estável. "Agora tem um movimento contrário, que aconteceu muito rápido. Sabemos que as empresas vão ter um custo maior, mas como vão lidar com ele depende da estratégia, se é focada em ganhar mercado ou na rentabilidade", diz Rodrigues.

Essa decisão coloca um dilema. A intensa competição dos últimos anos fez com que a adquirência se tornasse uma commodity, como previam analistas quando as principais barreiras de mercado foram derrubadas, na década passada. O resultado é que hoje, há menos impedimentos para que um comerciante troque de maquininha, o que atinge das veteranas às novatas.

"Precisamos ir devagar, cliente a cliente, não estamos correndo, porque queremos proteger a nossa base", disse o CEO da Stone, Thiago Piau, durante a divulgação de resultados da empresa, na semana passada. Ele reconheceu que, por causa dessa cautela e do crescimento acelerado da companhia, as margens caíram.

"O que norteia a taxa de empréstimo deles (empresas) para o cliente é a competição. Elas não conseguem repassar e têm uma compressão de margem", diz Eduardo Nishio, analista da Genial. "E vai ficar mais competitivo com a central de recebíveis. Era um acordo entre duas partes e vai passar a ser entre várias."

Pix, um rival controverso

Analistas acreditam que, com as transformações das formas de pagar nos últimos anos, as adquirentes perderam terreno para soluções que não dependem delas. Para o presidente da consultoria especializada em varejo financeiro Boanerges & Cia, Boanerges Ramos Freire, esse é um problema estrutural. "Em essência, essas empresas continuam fazendo só uma coisa, que é permitir a quem vende com cartão receber o pagamento. E isso deixou de ser grande fonte de resultado."

Para Boanerges, a função essencial que essas empresas cumpriam passou a ser feita por outros instrumentos, como o Pix, com menor custo. E à medida que mais funções próprias do cartão de crédito forem sendo incorporadas à ferramenta criada pelo BC, como a possibilidade de fazer compras parceladas, maior o baque sobre a adquirência. "Estruturalmente, as credenciadoras estão em uma descida da ladeira, que estava sendo mais suave, agora deu uma acelerada, e o Pix é um dos elementos que apressam essa descida."

No começo dos anos 2010, o mercado era dominado pela Rede, do Itaú, e a Cielo. Hoje, são mais de 30 credenciadoras e mais de 200 subcredenciadoras. Para um ex-executivo do setor, que falou sob condição de anonimato, a Cielo deveria fechar seu capital, como fez a Rede em 2012.

A Stone, segundo ele, percebeu mais rapidamente que as concorrentes a necessidade de ir além da adquirência, o que explica a compra da desenvolvedora de softwares Linx, mas foi com muita pressa no crédito. O executivo argumenta ainda que as maquininhas até incorporaram o uso do Pix, mas com a possibilidade de as próprias pessoas fazerem isso via celular, o impacto no setor será cada vez mais relevante.

Rodrigues, da Moody's, acredita que o Pix pode roubar mais transações dos bancos e que, para as adquirentes, pode trazer oportunidades. "Se você pensar no que o lojista paga (em uma transação com cartão), digamos que 20% vai para a bandeira, 20% para o emissor e o resto para o adquirente. Se o adquirente fornecer uma solução de pagamento e gestão para o lojista, ele pode processar a transação do Pix cobrando a mesma coisa que ganha", diz. "O lojista está pagando menos e o adquirente, recebendo o mesmo."

Desafios para 2022

O cenário que tira da Stone um valor de mercado superior ao do Banco do Brasil desde o começo do ano, faz a PagSeguro "perder" mais que uma BB Seguridade desde janeiro e tira R$ 5,1 bilhões em avaliação de mercado da Cielo, pode se estender ao ano que vem. Ao cortar suas projeções para os lucros das três em relatório divulgado no domingo, 21, o Bradesco BBI deu voz a uma impressão corrente no mercado: a de que a alta da Selic deve intensificar dúvidas dos investidores com os negócios de cada uma das três empresas.

A Stone, que tem a maior queda no ano (cerca de 80% do valor das ações), enfrenta a desconfiança de investidores com a retomada de sua vertical de crédito e os desafios de integrar a Linx, comprada no ano passado. Na PagSeguro, as dores do crescimento são acompanhadas de olhos atentos à possível mudança na tarifa de intercâmbio de cartões pré-pagos.

A Cielo, líder do setor, ainda precisa mostrar, na opinião de analistas, que está virando a página, enquanto aGetnet, listada em outubro, é desafiada a provar que terá sucesso em carreira solo, fora do Santander Brasil.

No segundo trimestre, a Stone se viu obrigada a parar de conceder crédito. Além dos problemas de funcionamento do registro de recebíveis, que era um dos pilares para que o produto crescesse, a empresa enfrentou inadimplência acima do esperado. Agora, está revisando completamente seus produtos para depender menos dos recebíveis e ter maior assertividade. Os recebíveis são os pagamentos que os lojistas recebem nas vendas em que os clientes optam pelas modalidades de crédito ou débito e são usados como garantia por essas empresas para a obtenção de crédito.

Para o consultor Boanerges Ramos Freire, o balanço da Stone deixou claro o apetite da credenciadora por uma operação que é importante e pode ser relevante, mas que é de risco e na qual os bancos têm mais experiência. "A Stone flertou com o apetite desmesurado, foi com muita sede ao pote." Essa percepção de que a empresa errou a mão, ressalta ele, acaba contaminando as demais.

Além disso, analistas temem que a integração da Linx pese mais que o esperado sobre os resultados da Stone. Na semana passada, ao apresentar o balanço a analistas e investidores, o vice-presidente de finanças e relações com investidores da Stone, Rafael Pereira, disse que a Linx ainda tem resultado negativo.

Procurada, a Stone manteve o posicionamento que manifestou na divulgação do balanço. "Devemos começar (a voltar a conceder empréstimos) neste trimestre. Acreditamos que no fim do primeiro trimestre (de 2022), poderemos dar guidances", disse o CEO da companhia, Thiago Piau. Os executivos da Stone afirmaram ainda que a Linx deve começar a apresentar resultados positivos em breve, e que tem enorme potencial para vendas cruzadas de produtos e serviços de pagamentos e adquirência.

Crescimento nas despesas

Com lucro de R$ 321,5 milhões no terceiro trimestre, a PagSeguro apresentou um mix parecido com o dos últimos trimestres: alta no volume processado, crescimento acelerado do PagBank, seu banco digital, e também das receitas. Mas as despesas também saltaram, com elevação de 64,7%, para R$ 2,354 bilhões.

O Bradesco BBI considerou que essa alta pode se repetir, diante da expansão que a empresa projeta para os próximos anos.

Eduardo Nishio, analista da Genial, aponta que a queda das ações nos últimos meses teve como gatilho a consulta pública do Banco Central, encerrada nesta segunda-feira, 22, que propõe limitar a tarifa de intercâmbio cobrada das adquirentes por emissoras de cartões pré-pagos. Investidores consideraram, quando a consulta foi aberta, que os cartões da PagSeguro poderiam perder uma fonte importante de receita. "A (queda da) PagSeguro foi mais relacionada aos cartões pré-pagos", diz ele.

Para a PagSeguro, o PagBank é um importante diferencial de negócio ao permitir o fornecimento de serviços financeiros a seus clientes. Sobre os cartões pré-pagos, a empresa reiterou, em nota enviada ao Estadão/Broadcast, que o efeito de uma limitação das tarifas de intercâmbio seria mínimo em 2022, e que poderia ser positivo em 2023, dado que ao processar transações de outros emissores, a companhia teria gastos menores.

Rentabilidade

Há duas semanas, o JPMorgan elevou a recomendação das ações da Cielo ao considerar que há ventos favoráveis ao papel, que amarga alguns anos de queda. Um dos principais é a participação de mercado: para os analistas, o suporte é a fatia que Banco do Brasil e Bradesco, controladores da Cielo, detêm no setor bancário. O Bradesco BBI, por sua vez, considerou que a ação da empresa está barata, mas que faltam melhorias operacionais mais fortes para que se chegue a um ponto de virada definitivo na rentabilidade.

Enquanto isso, o mercado monitora os passos da Getnet em sua "carreira solo", fora do Santander. "O sucesso deles foi integrar o produto bancário. Considero a Getnet muito mais uma incumbente, mas ela tem uma proposta mais disruptiva, de ser uma unidade de pagamentos global", afirma Nishio, da Genial. Na segunda-feira, a empresa anunciou uma parceria com o BTG Pactual que vai levar seus produtos a uma plataforma do banco direcionada a empreendedores - uma primeira braçada no mar aberto.

A Cielo também manteve o posicionamento da divulgação de resultados. Na teleconferência com analistas, o presidente, Gustavo Sousa, disse que a companhia tem conseguido manter sua rentabilidade. "Nós entendemos que a Cielo já tem um preço competitivo, e nós temos conseguido mostrar, mesmo em um ambiente de competição bastante acirrada, relativa estabilidade no nosso revenue yield (valor de cada transação que é convertido em receita)."

A Getnet, por meio de nota, afirmou que as últimas semanas têm sido desafiadoras no mercado para empresas de pagamentos, mas que confia em sua estratégia e no potencial de entrega de resultados. A companhia afirmou ainda que espera crescer acima de 20% neste ano, e em patamar próximo a esse em 2022.

Estadão
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