Empresas devem tratar inclusão racial como parte do negócio, defende pesquisadora
A falta de um programa alinhado ao negócio, sem oportunidades claras de progresso na carreira, tende a levar a força de trabalho à exaustão e à alta rotatividade, afirma especialista, em painel do 'Estadão Summit ESG 2024'
O grande desafio das empresas em relação à inclusão racial é integrar essa prática ao centro de suas operações, de acordo com Jaque Conceição, diretora executiva do Coletivo Di Jeje, professora e pesquisadora. "As empresas precisam compreender que a inclusão racial não pode ser tratada como algo isolado do negócio. Para que a inclusão de pessoas negras no ambiente produtivo seja eficaz, precisa ser centralizada e integrada ao processo empresarial desde o início até o fim", disse, durante o painel Desigualdade Racial e o Mercado de Trabalho, que encerrou o Estadão Summit ESG 2024, nesta quinta-feira, 26, em São Paulo.
Caso contrário, existe, segundo a pesquisadora, o risco de uma pseudo-inclusão, em que profissionais negros são contratados por meio de políticas afirmativas, mas acabam não encontrando suporte ou espaço para se desenvolver dentro da cultura organizacional. "Isso resulta em uma força de trabalho exausta, sem oportunidades claras de progresso na carreira, levando à alta rotatividade", afirmou.
De acordo com Jaque, um ponto recorrente, observado em consultorias e trabalhos com coletivos, é que muitas empresas investem em programas de contratação e treinamento, mas não conseguem reter esses talentos por um período prolongado. "O problema muitas vezes não está na alta liderança, mas nos níveis intermediários de gestão. Gerentes, que executam a política organizacional no dia a dia, frequentemente carecem de letramento racial e, por isso, falham na implementação de ações inclusivas", disse.
Além disso, durante os processos seletivos, ainda prevalece a justificativa de que "não há pessoas negras qualificadas", perpetuando a exclusão, em vez de combater as desigualdades.
A pesquisadora afirma que modelo tradicional de aceleração de carreira foi historicamente pensado para profissionais brancos, formados com a perspectiva de construir uma trajetória profissional a longo prazo. No entanto, para muitas pessoas negras, o conceito de carreira ainda está distante.
"Para a população negra, o trabalho sempre esteve mais associado à necessidade de sobrevivência, garantindo o básico, como alimentação, moradia e saúde, do que à construção de uma carreira em si. A contratação, embora fundamental, não resolve completamente a questão, pois o desafio vai além: é preciso pensar em como desenvolver esses profissionais para que possam ter uma trajetória de sucesso dentro das empresas", afirmou.
Ian Nunjara, advogado, head de ESG na MSD e fundador do Instituto Black Office (IBO), destacou que um dos pilares do IBO é justamente a empregabilidade.
"Sabemos a importância de criar oportunidades reais para jovens negros se inserirem no mercado de trabalho, algo essencial para que possam participar ativamente das discussões sobre sustentabilidade e meio ambiente", afirmou.
Segundo ele, sem resolver questões básicas como a inserção profissional, é difícil imaginar que essas pessoas terão espaço ou condições de pensar sobre o impacto ambiental ou decisões de consumo sustentável. "O avanço na pauta de diversidade, apesar de não acontecer na velocidade desejada, precisa estar diretamente ligado à empregabilidade, uma vez que muitos jovens possuem o potencial de contribuir em alto nível, mas carecem de oportunidades", disse.
O IBO é um negócio de impacto social focado em educação e empregabilidade para pessoas negras e tem mostrado resultados significativos desde sua fundação em 2020. "A iniciativa projeta alcançar a marca de 10 mil pessoas negras impactadas até a segunda turma de 2025. O programa busca capacitar seus alunos com as habilidades e competências necessárias para ingressar no mercado de trabalho, além de desenvolver uma rede de mentoria com profissionais que compartilham conhecimento e experiência, auxiliando no crescimento pessoal e profissional dos mentorados", afirmou Nunjara.
Caio Magri, diretor-presidente do Instituto Ethos, afirma que em 2016, a maioria das lideranças empresariais, incluindo CEOs e executivos de alto nível, acreditava que suas empresas já haviam alcançado um nível satisfatório de diversidade, seja em relação a mulheres, pessoas negras, pessoas com deficiência ou LGBTI+. No entanto, essa percepção mudou significativamente ao longo do tempo.
"Hoje, há uma conscientização mais aguda de que a realidade ainda está longe do ideal, especialmente quando se trata de progressão e retenção de talentos. Com essa nova consciência, a responsabilidade das lideranças também aumenta, uma vez que nada impede que um conselho de administração ou comitê executivo decida por uma empresa verdadeiramente diversa", afirmou.