Enquanto a crise política se aprofunda, a bolsa sobe e o dólar cai: por quê?
Agenda econômica mantém otimismo do mercado financeiro, mas bom humor será colocado à prova no último trimestre.
Depois do choque da delação da JBS em meados de maio, tem sido difícil estressar o mercado financeiro. Na terça-feira, o dólar fechou em queda pelo terceiro dia consecutivo, de 0,19%, cotado a R$ 3,25, e o Ibovespa avançou 1,28%, para 63.838 pontos, mesmo depois do apagão no Senado que barrou, temporariamente, a votação da reforma trabalhista e das investidas do presidente Michel Temer para mudar a composição da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara e evitar que os deputados aprovem a abertura de investigação contra ele.
A reação condescendente do mercado com os últimos acontecimentos da política, para alguns economistas, reflete o que parece ser uma "torcida" pelo bom momento da agenda econômica. Para outros, um sintoma de que os investidores se preocupam mais com a composição do Ministério da Fazenda e do Banco Central do que com quem ocupa a cadeira de presidente.
Seja qual for a razão, dizem os especialistas, o bom humor será colocado à prova no último trimestre, quando ficará mais claro se ainda há chance de aprovação de alguma reforma da Previdência neste ano - e o tamanho do problema fiscal do governo -, à medida que a disputa eleitoral de 2018 ganha contornos mais definidos.
Às vésperas do impeachment da presidente Dilma Rousseff, o cenário era bastante diferente, lembra Alessandra Ribeiro, sócia da Tendências Consultoria. Em janeiro de 2016, os Credit Default Swaps (CDS) - uma espécie de seguro contra calote de dívida, que funciona como termômetro da percepção de risco dos investidores - chegou a 505 pontos. Nos últimos dias, mesmo com toda a turbulência, ele se mantém abaixo dos 250 pontos.
Uma diferença fundamental em relação a um ano atrás, para ela, é a "economia mais ajustada" que o Brasil tem hoje, com famílias e empresas menos endividadas e inflação e juros em queda, além da ajuda vinda do cenário internacional, com preço favorável de commodities e juros modestos.
Com as taxas ainda baixas em mercados maduros como União Europeia e Estados Unidos, os investidores têm maior apetite por risco e olham mais para mercados emergentes como o Brasil. Com mais dólares no mercado, a tendência é que o real fique mais valorizado e a moeda americana, mais barata.
Equipe econômica
O comportamento do mercado reflete a avaliação de que uma eventual substituição do presidente não interromperia o avanço da agenda econômica e de que ainda seria possível aprovar alguma medida de reforma da Previdência, diz Mauro Schneider, economista da MCM Consultores.
Essa avaliação, ele ressalva, ainda não contabiliza riscos como possíveis defecções da equipe econômica - assim como aconteceu com Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) em maio, com o pedido de demissão da ex-presidente Maria Silvia Bastos Marques -, a piora da situação das contas públicas, sem uma reforma das aposentadorias que controle os gastos com benefícios previdenciários, e a eleição em 2018 de um candidato que endosse uma política econômica muito diferente da atual.
"Os riscos aumentam independentemente do desfecho [do pedido de abertura de investigação contra Temer]", ressalta.
Hoje, o primeiro na linha de sucessão de Temer, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), acrescenta o economista-chefe do banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves, é alvo de dois inquéritos na operação Lava Jato. Na delação premiada feita pela Odebrecht, ele foi identificado como "Botafogo" nas planilhas do setor de propinas.
Além da condição frágil, o deputado também encontraria uma base aliada dividida, menos propensa a votar temas polêmicos, que lhes corroeria a base eleitoral, à medida que 2018 se aproxima. "O que nós estamos assistindo é uma torcida", ele afirma, referindo-se ao comportamento do mercado financeiro.
A Tendências manteve a expectativa de que a economia brasileira crescerá 0,3% neste ano e 2,8% em 2018. "Mas para isso é essencial a manutenção da equipe econômica", acrescenta a economista.
A estimativa também parte da premissa de que o próximo presidente, eleito no próximo ano, será um nome da base aliada, um candidato alinhado com a agenda da equipe econômica.