Entenda a crise que levou a Argentina a calote técnico
O default (calote) técnico na dívida externa da Argentina reflete a herança de políticas do fim dos anos 90. Embora o país vizinho atravesse uma crise cambial desde o início do ano, o impasse no pagamento aos credores internacionais pouco tem a ver com a gestão atual da economia.
Diferentemente de outros países que deram calote na dívida pública, a Argentina, desta vez, tem dinheiro para pagar os títulos reestruturados. O problema, na verdade, decorre de disputa com uma pequena parte dos credores que contestou a renegociação na Justiça americana e não quer receber com desconto.
Origem do calote: câmbio sobrevalorizado
Na década de 90, a Argentina manteve o regime de câmbio fixo, pelo qual um peso equivalia a um dólar com garantia na Constituição do país. Para financiar a moeda sobrevalorizada, a economia argentina tornou-se cada vez mais dependente do capital especulativo. Após a crise da Rússia, em 1998, e do Brasil, em 1999, a Argentina ainda resistiu por dois anos à fuga de divisas. No entanto, em dezembro de 2001, o governo do ex-presidente Fernando de la Rúa liberou o câmbio
Dívida impagável
A desvalorização abrupta do peso tornou impagável a dívida pública (externa e interna) do país, que era em boa parte corrigida pelo dólar. Sem reservas internacionais para honrar os compromissos, a Argentina viu-se obrigada a deixar de pagar os juros e a dívida principal dos papéis que havia emitido. Com a moratória, o país foi excluído do sistema financeiro internacional e ficou sem acesso a crédito externo
Renegociação: descontos de até 65%
Em 2005 e 2010, a Argentina renegociou a dívida e apresentou diversos planos de reestruturação. Dos credores internacionais, 93% aceitaram a proposta do governo argentino para quitar os débitos de forma parcelada com desconto de 60% a 65% no valor da dívida. No entanto, 7% não aceitaram o plano e decidiram contestar o acordo na Justiça americana, que tem jurisdição sobre os títulos emitidos na Bolsa de Nova York
Fundos abutres e contestação na Justiça
Em novembro de 2012, o juiz de primeira instância Thomas Griesa, do Tribunal Federal de Nova York, aceitou a alegação de um grupo que representa 1% do total de credores e obrigou o pagamento do valor integral dos papéis, mais os juros. Esse grupo é formado pelos fundos abutres, que compram títulos podres e depois cobram o valor dos papéis na Justiça
Precedente perigoso
Segundo o governo argentino, a decisão do juiz Griesa abre precedente para que os demais 6% que não aceitaram o acordo de reestruturação também cubram o valor integral da dívida. Alguns entraram com processo em outros tribunais dos Estados Unidos. Se esses grupos fossem cobrar hoje, a Argentina teria de desembolsar cerca de US$ 15,4 bilhões, mais juros, o que ficaria em torno de US$ 17 bilhões. O montante equivale a mais da metade das reservas internacionais do país, em torno de US$ 30 bilhões
Derrotas na Justiça
Em agosto do ano passado, a Corte de Apelações do Segundo Circuito de Nova York manteve a sentença de Griesa e ordenou a Argentina a pagar a totalidade do US$ 1,3 bilhão devido aos fundos abutres. A batalha judicial arrastou-se até junho deste ano, quando a Suprema Corte dos Estados Unidos rejeitou os recursos do governo argentino e manteve as sentenças de primeira e segunda instâncias
Confisco
Desde então, a Argentina entrou numa corrida contra o tempo para evitar o calote. No fim de junho, o país depositou mais de US$ 1 bilhão em um banco de Nova York para pagar a parcela devida aos 93% de credores que aceitaram a renegociação. O juiz Griesa, no entanto, sustou o pagamento, alegando que o Banco de Nova York ajudaria a Argentina a violar a sentença judicial se permitisse ao país pagar os credores da dívida reestruturada, antes dos fundos abutres, ganhadores do processo
Calote técnico
Em 30 de julho, venceu o prazo para que o governo argentino pagasse uma nova parcela da dívida renegociada. Sem ter como pagar aos credores que aceitaram a reestruturação, o país entrou em default técnico