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Entenda por que romper o teto de gastos preocupa o mercado

Economistas dizem que o desrespeito à regra fiscal deixa no radar a possibilidade de o País não honrar seus compromissos

22 out 2021 - 08h59
(atualizado às 09h57)
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Quadro eletrônico mostrando um gráfico das flutuações dos índices de mercado é visto como um homem trabalhando no pregão da Bolsa de Valores B3 do Brasil em São Paulo, Brasil,
25/07/2019
REUTERS/Amanda Perobelli
Quadro eletrônico mostrando um gráfico das flutuações dos índices de mercado é visto como um homem trabalhando no pregão da Bolsa de Valores B3 do Brasil em São Paulo, Brasil, 25/07/2019 REUTERS/Amanda Perobelli
Foto: Reuters

O mercado financeiro reagiu muito mal esta semana às negociações no governo para bancar o Auxílio Brasil, que teria parte de seu valor fora do teto de gastos, regra fiscal que limita o avanço das despesas públicas à inflação. Para garantir R$ 400 mensais para 17 milhões de famílias até dezembro de 2022, o ministro da Economia, Paulo Guedes, chegou a falar em "licença para gastar" R$ 30 bilhões fora do teto. Na quinta-feira, 21, foi acertado um acordo para mudar a correção do teto, o que, com o novo limite para o pagamento de precatórios, vai liberar mais R$ 83,6 bilhões para o governo em ano eleitoral. Como reação, a Bolsa despencou 2,75% e o dólar avançou 1,92%, para R$ 5,6676.

Segundo economistas ouvidos pelo Estadão, as consequências de furar o teto de gastos são péssimas para a economia. "Basicamente porque gastos excessivos em geral implicam em inflação mais alta. Você tem um cenário de maior risco fiscal e isso gera uma preocupação de inflação futura, o que vai te custar taxas de juros mais elevadas e, portanto, menor crescimento", explica Flávio Serrano, economista-chefe da Greenbay Investimentos.

Ele afirma que o mercado vê as despesas fora do teto como algo ruim porque o movimento abre a porta para gastos públicos que ele chama de "negativos". "Há gastos positivos, se você pensar em gastos direcionados a investimentos, por exemplo, que poderiam ser transformados em crescimento futuro. Mas tem esses gastos negativos, que são os que visam algum objetivo mais político do que propriamente um objetivo econômico favorável", afirma.

O teto de gastos, segundo Serrano, foi criado justamente para evitar um crescimento desordenado das despesas e prevenir a piora do ambiente econômico. "Para o mercado, o teto de gastos é um arcabouço que protege o ambiente econômico de medidas populistas e, por isso, o rompimento é visto tão negativamente. Vemos que a Bolsa caiu e o dólar chegou perto de R$ 5,70. É claramente uma resposta negativa por parte dos agentes, sabendo que o governo está fragilizando um arcabouço que protege a população e a economia", afirma.

Ele chama a atenção para o acordo que prevê uma mudança na correção do teto: "É um truque para você não romper o teto teoricamente. Mas, de fato, o mais importante aqui é o direcionamento. A sinalização é: o governo vai gastar mais. É só para falar 'não rompemos o teto'".

Étore Sanchez, economista-chefe da Ativa Investimentos, destaca que o teto de gastos teria como propósito obrigar os governos a repensarem seus gastos, em melhorar a eficiência, diminuir o tamanho do Estado e promover reformas. "Em um momento em que você teve um tempo gigantesco para promover essas alterações, você chega para fechar o Orçamento de ano eleitoral e a alternativa que você encontra é um contorno à regra do teto, isso abre um precedente, a credibilidade da ferramenta cai por terra. E você eleva a possibilidade de o País não honrar com seus compromissos. O mercado está atento a isso", diz.

Outro aspecto apontado pelos especialistas é o fato de que há outras despesas que poderiam ser cortadas para que o Auxílio Brasil fosse encaixado dentro do Orçamento. "Todo esse ruído fiscal do Auxílio Brasil é porque ele não tem um plano de financiamento claro, transparente. E também porque evita-se falar de outras despesas que poderiam ser revisitadas. Tem uma lista, só para falar de algumas: subsídios, fundo eleitoral, emenda de parlamentar", afirma Juliana Damasceno, pesquisadora da área de Economia Aplicada do Ibre/FGV.

"A revisão dessas despesas seria muito mais benéfica. Mas a via que se escolhe é romper o teto porque o governo está evitando cortar a própria raiz, fazer uma reforma estrutural interna, da sua estrutura de gastos, que é justamente o grande problema das nossas finanças públicas. O mercado reconhece que o governo não tem a menor pretensão de resolver o problema. É preocupante que a gente aprova uma regra e não é capaz de respeitá-la. Isso desancora todas as expectativas, o que é péssimo para a economia, cria uma crise de confiança e os agentes precificam esse risco todo", diz Juliana.

Para ela, o teto de gastos tem inúmeras inconsistências técnicas e a mudança do cálculo é um dos temas que deveriam ser discutidos, mas não do modo como está sendo feito. "A grande questão é que esse debate precisa ser feito com bastante seriedade, de forma técnica, transparente. Precisa ter um pluralismo na discussão, tem que realmente ser feito com todo o cuidado, com calma, com toda essa transparência e rigor técnico", afirma. "E o risco maior é: e o próximo ano? Como vamos fazer? A gente vai estar com a mesma discussão para 2023. É uma solução de curto prazo que ainda vai dar muita polêmica."

Estadão
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