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ESPECIAL-Rachaduras em Maceió expõem riscos bilionários para Braskem e drama de milhares

2 mar 2020 - 10h01
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De repente, um tremor violento derrubou José Rinaldo Januario no chão de sua cozinha em uma tarde de sábado dois anos atrás, algo muito estranho uma vez que a cidade de Maceió não tem histórico de atividade sísmica frequente.

Prédio com rachaduras ligadas à mineração da Braskem em Maceió.
27/01/2020
REUTERS/Amanda Perobelli
Prédio com rachaduras ligadas à mineração da Braskem em Maceió. 27/01/2020 REUTERS/Amanda Perobelli
Foto: Reuters

Depois de cerca de sete segundos, quando os tremores terminaram, o dono de bar e seu filho de 21 anos correram para a rua, temendo que a casa em que estavam poderia desabar.

"Foi como se um vulcão explodisse", disse Januario, 47.

Rachaduras em sua casa, que ele por muito tempo achava que eram de problemas na construção, acabaram se abrindo meses depois do tremor de março de 2018. Sua família foi forçada a abandonar a casa no ano passado, parte de um êxodo de milhares de pessoas que estão sendo retiradas de vários bairros de Maceió que registraram afundamentos de solo e abertura de crateras.

Em maio do ano passado, levantamento do Serviço Geológico do Brasil identificou um culpado pelo fenômeno: atividades de mineração da gigante petroquímica Braskem, controlada por Odebrecht e Petrobras. O estudo concluiu que a atividade de extração de sal-gema de minas operadas pela companhia acabou comprometendo a integridade estrutural do solo que sustentava mais de 9 mil casas.

A crise no segundo Estado mais pobre do país representa um sério risco financeiro para a Braskem e seus controladores. A Braskem afirma que o levantamento do serviço geológico brasileiro tem falhas metodológicas e contratou seus próprios estudos para identificar as causas do fenômeno no solo de Maceió.

Em janeiro, a companhia anunciou um acordo com Ministério Público Federal (MPF), Ministério Público de Alagoas (MPE Alagoas) e a Defensoria Pública da União (DPU) e de Alagoas (DPE Alagoas), orçado em 2,7 bilhões de reais, para compensar as vítimas em Maceió e fechar os poços de extração de sal que opera na cidade.

O acordo prevê pagamentos de 1,7 bilhão de reais em indenizações a 17 mil moradores de Maceió que estão dentro da área de risco mapeada pela Defesa Civil. A empresa, porém, não admitiu responsabilidade pelo fenômeno que atinge a capital alagoana. As ações da Braskem subiram após o acordo, com expectativas de investidores de que o acerto poderia encerrar incertezas bilionárias em torno da petroquímica.

Entretanto, sete promotores estaduais e federais envolvidos no caso afirmaram à Reuters que a cifra de 1,7 bilhão de reais, uma estimativa do custo das indenizações feita pela Braskem, é um pagamento inicial mínimo e que a companhia poderá ter de desembolsar mais.

"Isso é o mínimo, não o teto", disse Ricardo Melro, chefe da Defensoria Pública de Alagoas. Ele afirmou que acredita que a Braskem pode ter de pagar cerca de 2,3 bilhões de reais em indenizações, um terço acima da estimativa da empresa.

Em resposta a questionamentos da Reuters, a Braskem afirmou que tem confiança em sua estimativa. A empresa tem um extra de 2 bilhões de reais disponíveis para o evento considerado improvável pela companhia de que os custos superem a previsão, informou.

A procuradora do MPF de Alagoas, Niedja Kaspary, porém, disse que a Braskem também pode ser cobrada por indenização a outros 23 mil moradores de Maceió, como resultado de um processo federal lançado contra a empresa em agosto, que cobra 6,7 bilhões de reais da empresa.

Diferentemente das 17 mil pessoas abrangidas no acordo de janeiro, esses outros 23 mil moradores não são considerados como estando em perigo imediato, mas autoridades alertaram que suas casas podem ficar comprometidas nos próximos anos.

"Elas estão sofrendo prejuízos porque suas casas desvalorizaram. Elas estão com medo (de desabamentos)", disse Kaspary à Reuters. "Isso dá a elas direito à indenização."

Todos os promotores consultados afirmaram que a Braskem provavelmente terá que pagar um valor significativo em relação aos 23 mil moradores adicionais, com Melro estimando a cifra além da previsão inicial da empresa em perto de 2 bilhões de reais.

Uma decisão ou um acordo não é esperado para os próximos meses, afirmam os promotores, enquanto o processo de apelação pode levar anos.

A Braskem não provisionou formalmente nenhum valor relacionado aos custos potenciais relacionados aos custos de indenização, já que o resultado dos procedimentos judiciais continua sendo "muito incerto", afirmou um representante da companhia.

Representantes da Petrobras, que tem 36% da Braskem, e da Odebrecht, que possui 38% da empresa, não comentaram o assunto.

FRUSTRAÇÃO

Em Maceió, a frustração dos moradores é evidente. Alguns dizem que as indenizações são insuficientes.

"Tantas pessoas moravam aqui há tanto tempo... Elas moram aqui há anos e elas têm histórias de vida aqui", disse Silvania Machado, 67.

Apesar de autoridades terem dito para ela sair da casa e a Braskem ter oferecido 81.500 reais pela casa, ela não pretende abandonar o local em que vive há 35 anos.

Desde a década de 1970, empresas que passaram a ser controladas pela Braskem e a própria petroquímica em anos mais recentes cavaram mais de 30 poços de extração de sal em Maceió, muitos próximos da lagoa Mundaú, um destino popular entre pescadores e marisqueiros de Maceió.

O sal extraído dos poços era bombeado para uma fábrica da Braskem instalada perto de Maceió, onde é transformado em produtos baseados em cloro e em produtos finais como PVC.

Acima do solo, as operações de mineração são imperceptíveis, com pouco mais que um grande tubo de metal sobre cada poço.

Porém, lentamente, segundo as autoridades, as minas deixaram uma camada oca no terreno há cerca de 1 quilômetro da superfície. Conforme o solo se acomodou, as autoridades afirmam que as rachaduras surgiram em edifícios de quatro bairros --Mutange, Bom Parto, Pinheiro e Bebedouro-- que abrigam de tudo, desde edifícios caros de apartamentos a comunidades carentes em morros.

Januario, o dono de bar do início desta reportagem, está entre muitos moradoras cujas casas passaram a exibir rachaduras nos tetos e paredes há vários anos.

As fissuras começaram pequenas e podiam ser consertadas facilmente, mas isso mudou com o tremor de 2018, que aconteceu um mês depois de uma forte chuva ter atingido a cidade, disseram moradores à Reuters.

As rachaduras, antes pequenas, começaram a crescer depois do tremor e obrigando as autoridades locais e federais a investigarem o que estava produzindo o fenômeno.

Ana Laura Sivieri, diretora de marketing e comunicações da Braskem, afirmou à Reuters que podem haver potencialmente outras causas para o tremor de 2018, como danos causados pelo excesso de chuvas, tipo de solo da região ou uma falha geológica.

"Além destas outras causas, a Braskem é a única responsabilizada pelo Serviço Geológico como sendo uma das principais causas. A Braskem tem dúvidas sobre isso", afirmou Sivieri.

"QUEREMOS FICAR"

A Braskem, que encerrou todas as operações de extração de sal-gema em Maceió, afirmou que não demitiu nenhum trabalhador da fábrica onde a produção foi interrompida. As operações empregam centenas de pessoas e são responsáveis por 3% do PIB de Alagoas.

Durante uma visita da Reuters à fábrica, dezenas de trabalhadores puderam ser vistos realizando tarefas de manutenção e limpeza. A Braskem está estudando a importação de sal para permitir a retomada da produção no local.

Com bilhões de reais em jogo, muitos acionistas da Braskem estão observando a situação em Maceió atentamente. Em dezembro, Fernando Musa, ex-presidente da petroquímica, deixou a companhia, em parte porque a Petrobras não ficou satisfeita com o modo como a Braskem lidou com os problemas na capital alagoana, segundo uma fonte com conhecimento direto do assunto.

Musa não pôde ser contatado para comentar o assunto e representantes da Petrobras e da Braskem não se manifestaram sobre a saída do ex-presidente da empresa.

A Braskem afirma que vai executar o plano de indenizações das vítimas com celeridade e contratou dezenas de profissionais, incluindo agentes imobiliários e psicólogos, para ajudar os afetados pelo afundamento do solo.

Para moradores como Januario, o fardo de ser obrigado a abandonar sua própria casa é difícil de superar. A família mora agora há 35 quilômetros de onde estava sua antiga residência, em uma região próxima de um aeroporto.

Ele teve deixar para trás seu bar e passou a trabalhar para uma empresa de transporte. Seus filhos deixaram a escola e sua esposa e sua mãe foram diagnosticadas com ansiedade e depressão.

"Queremos ficar em nosso bairro", disse Januario. "Isso não tem preço."

(Com reportagem adicional de Marta Nogueira, no Rio de Janeiro, e Paula Arend Laier, em São Paulo)

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