'Evolução da economia digital passa por criptoativos e tokens', diz consultor de inovação financeira
Para o consultor e sócio da Spiralem Bruno Diniz, a criptoeconomia e o uso de blockchain estão no cerne do futuro das finanças
A digitalização de ativos através da tokenização e o uso do blockchain pelos agentes financeiros já são realidade no Brasil, afirma Bruno Diniz, cofundador da consultoria de inovação Spiralem. Ele aponta que o sistema financeiro com o papel de intermediário está passando por uma revolução com as criptomoedas e o uso de tokens.
"Essa mistura de sistema financeiro centralizado com descentralizado ainda vai dar muito o que falar", afirma ele, que também é escritor e professor no curso de fintechs da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e no MBA da Universidade de São Paulo (USP). "A tokenização de ativos e o desenvolvimento de moedas digitais por bancos centrais (as CBDCs) caminham para uma revolução na economia digital", afirma Diniz. Leia mais na entrevista a seguir:
Qual o próximo estágio da indústria financeira?
Um primeiro momento foi o da "fintechização", ou seja, a oferta de serviços financeiros por companhias de diferentes segmentos, como as varejistas. O passo seguinte é a combinação da economia tradicional com a criptoeconomia. Hoje, o mercado financeiro tradicional já consegue enxergar elementos de eficiência muito interessantes na tecnologia blockchain — que é o que está por trás disso tudo. Ativos tradicionais já estão sendo transformados e digitalizados para dentro dessa nova infraestrutura que é a criptoeconomia, que é a blockchain. Vamos ver isso ocorrer com mais frequência. Temos como fazer novas operações, como fracionar uma unidade imobiliária, que é a tokenização. Quando entrarmos de uma vez nessa realidade, os ativos terão novos atributos, como a programabilidade, já que estarão tokenizados.
Esse processo de tokenização já acontece pelo mundo?
Sim, temos visto alguns experimentos ao redor do mundo. Isso já ocorre nos Estados Unidos, onde grandes bancos já estão tokenizando ativos, inclusive títulos de dívida. O JP Morgan, o Goldman Sachs e as próprias bolsas de valores americanas são algumas dessas intuições que estão acompanhando esse movimento. Também temos outros países, como Singapura e os Emirados Árabes, que também estão com bastante apetite em cima dessa transformação.
Na sua visão, os bancos tradicionais estão preparados para a criptoeconomia?
Os bancos já estão se movimentando e criando braços para atuar nessa prestação de serviço - no jargão financeiro chamamos de BaaS, do inglês Banking as a Service. Há vários bancos de tamanho médio nessa área. E na parte cripto, as instituições estão trabalhando na parte de tokenização: o Itaú tem o Digital Assets e o Banco do Brasil anunciou um investimento na BityFy, que é uma fintech que provê infraestrutura para operações com blockchain. Dessa parte específica, vejo que no Brasil alguns bancos talvez estejam mais atrás do que outros em como lidar com a questão dos serviços financeiros embedados.
Os países também estão atentos à criptoeconomia e desenvolvendo suas próprias moedas digitais. Quais as transformações que podemos esperar desse processo?
Eu vejo como o movimento evolutivo natural. Inclusive, boa parte do dinheiro que circula na economia já é eletrônico. Mas quando juntamos com a tecnologia cripto, conseguimos dar uma funcionalidade e uma programabilidade mais profunda. Quando observamos as CBDCs, há componentes de centralização, uma vez que são emitidas por bancos centrais, mas o grande ponto é que estamos diante de uma nova forma de conduzir a política monetária, uma vez que as moedas terão propriedades de criptoativos — o que dá margem para novas possibilidades, como, por exemplo, as operações em finanças descentralizadas, que vão reduzir custos e agilizar transações. Porém, existe a preocupação de alguns especialistas de um controle excessivo de diferentes aspectos da vida financeira por parte do Estado. E há ainda quem alegue que, no caso do projeto do Real Digital, a CBDC brasileira, não é necessária, já que temos o Pix, fácil e rápido. Mas se o Pix já é algo bem montado e bem sucedido, o Real Digital é mais uma camada de inteligência.
E as operadoras de cartão de crédito nesse cenário, como ficam, levando em conta que hoje já concorrem com o Pix?
A indústria de cartões tem esse desafio a mais para enfrentar, com o Real Digital e as CBDCs de forma geral, visto que temos ali uma eficiência maior em formas de transações financeiras e custos mais baixos. No Brasil, o Pix bate de frente com as ofertas da indústria de cartões, que é bastante intermediada e tem vários players. Por outro lado, vejo que essas grandes empresas, considerando as maiores bandeiras, como Visa e Mastercard, criando divisões que atuam não só no sentido de aliar CBDCs com finanças tradicionais, mas também com as práticas cripto. Elas têm uma postura agnóstica em relação à forma de pagamento. Eles querem continuar sendo fornecedores de pagamento, entendendo que o contexto pode mudar e que as alternativas podem se ampliar.
Como o senhor vê a crise de credibilidade no cenário cripto após a corretora de criptomoedas FTX, que era a segunda maior do mundo, ter pedido falência?
A gente está falando de uma corretora, onde as pessoas depositavam o dinheiro, faziam seus trades, tinham uma carteira dentro da FTX. Então, o dinheiro não está em sua posse. As pessoas mais defensoras das criptomoedas dizem para você colocar seu dinheiro numa carteira própria. Dizem "Not your keys, not your coin" (se não são suas chaves, não são suas moedas). No caso da FTX, a corretora usava esses recursos, dos próprios clientes, para um outro braço do grupo, que é o Alameda, que fazia operações super alavancadas. Estamos vendo essa indústria que nasceu descentralizada tomando rumos centralizados, pois sem o controle devido, há uma chance grande de dar errado. Acho que a resposta é: os fundamentos dessa cultura descentralizada que foi trazida pelo Bitcoin ficam, mas várias camadas centralizadas podem entrar em questionamento. (Reportagem de Pedro Pligher e Zeca Ferreira)
Expediente
Reportagem I Alunos da 12ª turma do Curso Estadão de Jornalismo Econômico: Adrielle Farias, Alex Braga, Ana Clara Praxedes, Ana Luiza Serrão, Ana Ritti, Beatriz Capirazi, Carolina Maingué Pires, Davi Valadares, Erick Souza, Fernanda Paixão, Gabriel Tassi, Guilherme Naldis, Jean Mendes, Jennifer Neves, Lara Castelo, Letícia Araújo, Luiz Araújo, Maria Clara Andrade, Maria Lígia Barros, Paulo Renato Nepomuceno, Pedro Pligher, Rebecca Crepaldi, Renata Leite e Zeca Ferreira Edição e coordenação I Carla Miranda e Luana Pavani