Fala de Lula aumenta pressão sobre PEC do BC e joga governistas contra Roberto Campos Neto
Aliados do governo agem contra aprovação de proposta de autonomia financeira e orçamentária no Senado, enquanto críticos defendem medida como remédio ao 'populismo'
BRASÍLIA - As falas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre o Banco Central nesta terça-feira, 18, jogaram holofotes sobre a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) no Senado que institui autonomia orçamentária e financeira para a instituição e abriram caminho para governistas aumentarem a pressão contra a mudança e as críticas ao presidente do BC, Roberto Campos Neto, defensor da autonomia.
Lula afirmou que Campos Neto não demonstra "nenhuma capacidade de autonomia", tem lado político e trabalha para prejudicar o Brasil. O petista comparou o presidente do Banco Central ao senador Sérgio Moro (União-PR), ex-juiz da Lava Jato. Durante audiência na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado nesta terça-feira, 18, defensores da proposta citaram as falas de Lula como uma comprovação de que a autonomia é necessária. Governistas, por outro lado, reforçaram as críticas à PEC e a Roberto Campos Neto.
"O que estamos vendo hoje é uma tentativa de transferência dos maus resultados hoje da política econômica para o presidente do Banco Central às vésperas de uma reunião do Copom", disse Moro, citando a fala de Lula e o acusando de "populismo". "Se alguém duvida disso, hoje o presidente da República deu mostras desse populismo e o escancarou na nossa frente, no dia em que nós fazemos uma audiência pública para debater a PEC do Banco Central."
A PEC coloca na Constituição a autonomia técnica, operacional, administrativa, orçamentária e financeira do banco. O órgão deixaria de ser uma autarquia subordinada ao governo federal e passaria a ser uma instituição de natureza especial, organizada como empresa pública que exerce atividade estatal. Na prática, o BC passaria a cuidar do seu próprio orçamento. O texto impõe um limite de gastos para o órgão e garante estabilidade para os servidores. O governo age contra a aprovação do texto.
"Eu não sei se a independência do Banco Central, com todo o respeito, se compatibiliza com os posicionamentos do atual presidente do banco quando ele vai vestido de pijaminha votar na eleição, a indicar em que candidato ele estava votando, quando ele vai participar de uma reunião no governo de São Paulo e se colocar como provável futuro ministro de um futuro candidato a presidente da República", disse o senador Renan Calheiros (MDB-AL), aliado de Lula, durante a audiência.
O parlamentar se referiu à ida de Campos Neto votar vestido com camisa da Seleção Brasileira nas eleições de 2022 e à participação dele em jantar promovido pelo governador de São Paulo, Tarcísio Freitas, na semana passada. As falas do presidente da República acabaram mudando o rumo da reunião no Senado, que estava restrita a ouvir especialistas sobre os efeitos da proposta.
"O presidente Lula fez uma crítica ao presidente do Banco Central e isso não interfere na autonomia. Interfere na autonomia sim, e no próprio mercado de câmbio, declarações que o presidente do Banco Central sistematicamente tem feito com relação ao equilíbrio fiscal do Brasil", afirmou Calheiros.
O líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), citou que, no primeiro governo, Lula indicou Henrique Meirelles para presidir o banco e que houve total autonomia para o trabalho da instituição, sem que houvesse autonomia formal para a instituição no período.
"Não me parece que essa pessoa (Lula) estava disposta a fazer populismo", afirmou Wagner. "Participar de ato político é próprio do presidente da República; não me parece que é próprio do presidente do Banco Central. Se a autonomia é para isso, ela está sendo mal utilizada."
Durante a audiência, o ex-presidente do BC Henrique Meirelles defendeu a aprovação da PEC. De acordo com ele, a autonomia financeira e orçamentária garante a manutenção da instituição e a confiança dos agentes econômicos. "A autonomia tem um ganhos para o País, diminui o prêmio de risco para o País - o que significa, na prática, a (redução da) taxa de juros, não só para os empréstimos, mas para o Tesouro no carregamento da dívida pública", disse Meirelles.
O ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda Marcos Lisboa também defendeu a PEC. Para ele, isso permitiria que o BC continuasse avançando na agenda de inovação. "A arquitetura tecnológica do Banco Central fica prejudicada com a falta de autonomia de recursos e isso fragiliza o sistema. Isso coloca em risco os meios de pagamento que cuidam da vida das pessoas", disse Lisboa
O economista e ex-diretor do Banco Central André Lara Resende, no entanto, se manifestou de forma contrária à PEC. Ele afirmou que, com a autonomia, o BC não passaria a cuidar só do seu orçamento administrativo, mas também da remuneração dos depósitos que são colocados no sistema bancário e que rendem juros, sem tutela do Executivo. O orçamento do BC, que hoje é de R$ 5 bilhões por ano, poderia chegar a R$ 45 bilhões, de acordo com ele.
A PEC estabelece que o relacionamento financeiro entre o Banco Central e a União, que envolve essa questão, será limitado por outra lei. "Quanto mais alta for a Selic, maior a remuneração do seu orçamento. O Banco Central terá um instrumento perverso", disse o economista.