Fazenda usa prazo curto de desoneração da folha como estratégia de negociação; centrais anunciam ato
Setores rejeitam por ora proposta de redução gradual do benefício e tentam emplacar noventena; empresas e sindicatos se unem em manifestação na quinta-feira
BRASÍLIA - O Ministério da Fazenda joga com o calendário para conseguir fechar um acordo com os 17 setores que usufruem da desoneração da folha de pagamentos. Como o benefício foi suspenso por liminar do Supremo Tribunal Federal (STF), as empresas deverão voltar a recolher a contribuição patronal pela alíquota cheia já no próximo dia 20, data do pagamento. Ou seja, o prazo é curto, o que dá vantagem ao governo nessa nova mesa de negociação.
Empresas e parlamentares pressionam para que a Receita Federal institua uma noventena (um prazo de noventa dias) para a reoneração da folha. Os empresários querem levar um pedido formal ao ministro Fernando Haddad e se preparam para usar todos os meios de pressão.
Entre eles, a convocação de um ato nesta quinta-feira, 9, na Avenida Paulista, em São Paulo. Centrais sindicais, como UGT e CSB, também vão participar, bem como representantes dos segmentos de telecomunicações, tecnologia da informação, construção civil e comércio.
A equipe econômica, porém, é refratária à ideia por questões técnicas e jurídicas, como mostrou o Estadão. Técnicos da pasta apontam que o governo não pode abrir mão de receita pública sem amparo legal para tal e avaliam que uma lei nessa direção enfraquece a tese que vem defendendo e que embasou a decisão cautelar do STF.
Ao Supremo, o governo alegou que a prorrogação da desoneração da folha de pagamentos até 2027 foi aprovada no Congresso sem que fosse apontada fonte de financiamento, como determina a Lei de Responsabilidade Fiscal.
A flexibilização de prazo não interessa ao governo do ponto de vista da negociação. Com a data do dia 20 mantida, as companhias terão menos de duas semanas para construir um acordo de meio-termo.
Como frisou uma fonte da equipe econômica ouvida pelo Estadão, o governo tem uma liminar que "manda pagar" e as empresas estão pressionadas. Ou seja, é um estímulo para que as empresas "venham discutir conosco", disse um interlocutor.
Nos bastidores, a Fazenda alega que há quatro meses tenta dialogar com os empresários e construir uma solução via Congresso Nacional, sem envolver o Judiciário, para a redução gradual do benefício tributário. Mas diz que ficou "sem alternativa" quando parlamentares informaram que não acolheriam o pedido e que iriam aprovar o mesmo texto votado no ano passado e que provocou a reação da Fazenda.
No apagar das luzes de 2023, a Fazenda baixou uma Medida Provisória com a reoneração gradual das atividades a partir de abril, pondo fim até 2027 do benefício vigente desde 2011.
A decisão provocou a devolutiva da MP pelo Congresso e abriu uma crise - parlamentares alegam que a medida foi aprovada por ampla maioria e que o governo afrontava o Parlamento ao se opor à decisão.
As negociações recomeçaram com a proposta de um novo projeto de lei. Parlamentares avaliaram, então, que, se quisesse votos, o governo teria de ceder e se aproximar mais da proposta do Congresso. O projeto não avançou e o governo recorreu ao STF.
O ministro do Supremo Cristiano Zanin acatou a ação protocolada pelo governo e suspendeu a desoneração. O julgamento foi paralisado após pedido de vista do ministro Luiz Fux, que tem até 90 dias para devolver o processo. Até a suspensão, havia cinco votos favoráveis ao governo - ou seja, falta apenas um para formação de maioria.
Propostas em discussão
Representantes dos 17 setores se reuniram nesta segunda-feira, 6, em encontro virtual, para discutir estratégias em meio ao prazo apertado. Segundo interlocutores ouvidos pelo Estadão, duas propostas enviadas por membros do governo foram levadas ao encontro. Ambas, porém, foram consideradas insuficientes em uma primeira análise. A avaliação é de que ainda necessitam de maiores negociações.
Hoje, esses setores pagam alíquotas de 1% a 4,5% sobre a receita bruta, em vez da contribuição previdenciária patronal de 20% sobre a folha de salários.
Uma das propostas em debate cria uma reoneração gradual, em que a cobrança sobre a receita iria sendo reduzida com o passar dos anos, à medida em que a tributação da folha aumenta.
Pela tabela em discussão, a desoneração seria mantida em 2024. Já em 2025, seria uma combinação de 80% da alíquota sobre a receita e outros 5% sobre a tributação da folha. Em 2026, passaria a ser 60% da alíquota sobre a receita e 10% sobre a folha. E, em 2027, cairia a 40% sobre a receita e a taxação da folha chegaria a 15%.