Governo adota cautela e aguarda tarifa para entender espaço de negociação sobre aço
Integrantes do Executivo brasileiro e especialistas ainda tentam entender qual será a abertura do governo americano para negociar com o Brasil e como fica o sistema de cotas em vigor
BRASÍLIA - O governo Lula aguarda com espírito de cautela a decisão oficial de Donald Trump de impor tarifas de 25% sobre o aço e o alumínio importados pelos norte-americanos. Além de não saber como a medida será efetivamente implementada pelos Estados Unidos, integrantes do Executivo brasileiro e especialistas ainda tentam entender qual será a abertura do governo americano para negociar com o Brasil. É preciso ainda compreender como a nova taxação vai conversar com o sistema de cotas em vigor.
Em 2018, durante o governo Temer, a diplomacia brasileira conseguiu um acordo com os norte-americanos e evitou a sobretaxa sobre o aço exportado em troca de um sistema de cotas para venda aos EUA.
Esse tratado vale até hoje e entrou em vigor em junho daquele ano. Para o aço semiacabado, a cota foi definida em 3,5 milhões de toneladas ao ano, e, para o produto acabado (aços longos, planos, inoxidáveis e tubos), de 543 mil toneladas.
Agora, o governo brasileiro precisará entender o destino desse acordo diante do novo anúncio de Trump. O Brasil ainda está relativamente no escuro porque o republicano até o momento não detalhou como vai implementar a medida.
Segundo pessoas a par das operações de comércio entre os dois países, também não é possível saber se haverá uma brecha para o Brasil negociar com EUA, caso as tarifas sejam anunciadas. De acordo com interlocutores, o governo Lula já avaliava o risco de possíveis tarifas, mas decisões serão tomadas apenas em caso concreto.
Orientação do Planalto é pela discrição
Essa falta de informações guiou a resposta imediata de representantes brasileiros nesta segunda-feira, 10. A orientação do Planalto aos auxiliares de Lula foi de discrição sobre o assunto. As declarações dos ministros da Fazenda, Fernando Haddad, da Indústria, Geraldo Alckmin, foram na mesma linha: a de aguardar a medida concreta dos americanos. Alckmin ainda relembrou da definição de cotas em 2018, ao mencionar que há disposição do governo brasileiro em colaborar.
Especialistas que monitoram o tema e acompanharam o andar das negociações durante o primeiro mandato de Trump fazem a mesma avaliação sobre a necessidade de cautela e discrição pelo governo brasileiro. Para eles, não está claro qual será o espaço de negociação no caso do aço em razão do sistema em vigor. Se, por exemplo, poderia haver uma gradação tarifária dentro do espaço das cotas.
Além disso, pairam dúvidas sobre a disposição da gestão americana em negociar um cenário menos restritivo para o Brasil. Embora Trump tenha fechado acordos recentes com o México, Canadá e a Colômbia, que o fizeram recuar em medidas anunciadas, no caso da China ainda não houve negociação e a guerra comercial está escalando.
Após o Brasil evitar a sobretaxa do aço em 2018, outros países que vendem o produto para os Estados Unidos conseguiram, com o passar do tempo, incorporar o mesmo sistema de cotas para vender aos americanos. De início outras nações também adotaram o mesmo tipo de acordo, como a Argentina e a Coreia do Sul.
Como funcionaram as cotas no governo Biden
No geral, hoje os grandes exportadores de aço para os Estados Unidos vendem no formato de cotas.
Ao longo do governo Biden, o sistema também passou por algumas flexibilizações, como o estabelecimento de exceções para a cota de exportação no caso de itens da siderurgia não fabricados nos Estados Unidos.
Em seu desenho original, o limite do que o Brasil pode vender aos Estados Unidos é considerado duro. O próprio modelo, "hard quote", não admite nenhuma exportação fora da quantidade determinada pela cota.
No caso do alumínio, em 2018, a tarifa de 10% anunciada por Trump acabou se tornando realidade. Segundo uma fonte que acompanhou as negociações à época, o setor de alumínio entendeu que seria melhor trabalhar com uma sobretaxa do que com um sistema de cotas ? entendimento diferente do segmento de siderurgia. Mesmo com a saída negociada, as exportações de aço para os Estados Unidos registraram queda na comparação com 2017.
Um outro ponto para ficar atento, avaliam fontes do setor, é a justificativa que Trump usará para impor as novas tarifas. Em 2018, a alegação de segurança nacional foi acionada após um processo de investigação pelas autoridades americanas.
Agora, tudo indica que o republicano tentará usar como fundamento legal a emergência econômica, o que permite uma ação mais imediata pelo governo americano. Mas a solidez desse argumento ainda será testada, inclusive nas Cortes de Justiça dos EUA, as quais importadores e empresas americanas poderão apelar se forem prejudicados pelo tarifaço.
