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'Governo deveria insistir na capitalização da Previdência'

Professor da UFRJ defende adoção de um modelo que combine o sistema atual, de repartição, com a capitalização, o que garantiria uma aposentadoria mínima para os mais pobres

18 set 2019 - 10h11
(atualizado às 11h44)
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RIO - A versão da reforma da Previdência aprovada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal e vai seguir para o plenário da Casa está dentro do esperado e já é "um grande avanço", mas a equipe econômica deveria insistir na proposta de mudar o sistema previdenciário para incluir o modelo da capitalização, na avaliação do professor de finanças Carlos Heitor Campani, do Instituto Coppead de Administração, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Em julho ele publicou estudo comparativo entre países que adotam a capitalização, feito a pedido da equipe econômica do governo.

O especialista defende um modelo "multipilar", que combine o sistema atual, de repartição, com a capitalização. Nessa combinação, a repartição continuaria para garantir uma aposentadoria mínima para os mais pobres, segundo o professor.

A seguir, os principais trechos da entrevista com Campani.

Qual a sua avaliação sobre a versão atual da reforma da Previdência?

A Câmara e o Senado fizeram seu trabalho. O que foi cortado eram coisas que poderiam ser cortadas, não eram o cerne. Essa versão da reforma era esperada, então, é positiva. Porém, duas coisas muito importantes ficaram de fora: a capitalização e a inserção dos Estados e municípios. É fundamental que Estados e municípios entrem na reforma.

Por que vale a pena insistir em introduzir o sistema de capitalização?

O sistema de capitalização tem muitas características bastante positivas. É um sistema meritocrático, que, se bem colocado, vai atrair o mercado informal, que é um problema muito grave no Brasil. Tem muitos trabalhadores no mercado informal que poderiam estar no sistema, mas estão à margem, porque o atual sistema é perverso.

Por que houve resistência ao sistema de capitalização?

Tem a parte justa, que é a resistência das pessoas que querem discutir mais, entender mais. Argumentaram que foi algo muito rápido. Algumas coisas aqui e ali não ficaram claras, até por parte do governo. Também tem aquela resistência que é só para ter resistência. É importante ressaltar que a proposta do governo é de inserir a capitalização somente para novos entrantes. Então, para mim e para você, não vai ter capitalização. A discussão é para os novos entrantes no mercado de trabalho a partir de um ano a ser definido. A transformação vai ser paulatina, não vai ser drástica. Até lá, temos tempo para acostumar a sociedade brasileira e fazer um sistema interessante. Não podemos demonizar o sistema de repartição, que tem seu valor, porque consegue transferir renda da parte rica da sociedade para a parte mais pobre, e a capitalização não pode ser colocada como o paraíso. Ela tem seus problemas. Temos que aprender com os erros de outros países.

O Chile é frequentemente citado como exemplo de sistema de capitalização que resultou em aposentadorias muito baixas para os mais pobres. Que lição vem de lá?

Temos, sim, o que aprender. O Chile cometeu alguns equívocos, mas não podemos deixar que esses equívocos transformem uma coisa boa em algo ruim. O Chile colocou o sistema de capitalização em 1980, eles foram vanguarda. A prova de que o Chile fez bem feito é que eles têm renda per capita maior do que a nossa.

Quais os principais erros do sistema do Chile?

São dois problemas. O primeiro é não garantir, via sistema de repartição, um patamar mínimo (de aposentadoria). O segundo erro é deixar as pessoas, principalmente as mais pobres, à deriva do mercado financeiro. As oscilações não podem ser passadas para as pessoas de renda mais baixa. A administração (dos recursos aportados obrigatoriamente na capitalização) fica com o setor privado, mas esse não é o problema. O problema foi que há recursos aportados em investimentos do mercado financeiro.

Não há regras de investimento?

Exatamente. Aqui, teríamos que ter uma engenharia, de forma que, até um ou dois salários mínimos, a renda não ficasse atrelada ao mercado.

Então o melhor modelo é uma mistura de repartição com capitalização? Como é isso?

No sistema multipilar, de acordo com aumento do salário, a pessoa tem acesso a mais pilares de aposentadoria. O pilar '0' é como o BPC (Benefício de Prestação Continuada, que paga uma aposentadoria para idosos de baixa renda e deficientes físicos), que todo mundo pode ter, tenha trabalhado ou não, tenha contribuído com o INSS ou não. O pilar 1 é para aqueles que contribuíram para o INSS, no modelo da repartição. Os pobres se beneficiam porque vão ter uma aposentadoria (mínima) superior aos que contribuíram. O pilar 2 seria o de capitalização obrigatória. Quem ganha mais do que não sei quantos salários mínimos, em vez de colocar o dinheiro no INSS, vai colocar em sua conta de capitalização. Isso dá mais um salariozinho para o trabalhador. O terceiro pilar, que já existe no Brasil, é a previdência privada, que é opcional.

Onde entra a contribuição das empresas no sistema multipilar?

Hoje, as empresas dão para o INSS 20% (sobre a folha de salários). É um imposto. E quem paga, no fim das contas, é o trabalhador, porque a empresa coloca na conta quanto o trabalhador custa (no total). Esses 20% são altos. Antigamente, lá no início, eram 5%. Hoje a contribuição é de 20% porque tem déficit. (No sistema de capitalização) Não é o ponto fundamental, porque, no fim das contas, quem está pagando é o empregado.

Por que há custo de transição para o sistema de capitalização?

O custo de transição já está aí. Se o governo não faz nada, vai ter déficit atrás de déficit. É um custo de transição eterno. Se eu viro a chave totalmente para a capitalização, passando todos os trabalhadores, o que vai acontecer é que esse fluxo de caixa de déficits eternos será trazido para o curto prazo, em cinco ou dez anos, até que não haja mais aposentados no sistema de repartição. É pegar um passivo de longuíssimo prazo (dividido em déficits anuais) e trazer para o curto prazo. Fazer a transição totalmente para a capitalização não é o ideal, porque o custo é alto e porque eu acredito na repartição, na questão de o rico pagar mais do que o pobre. Indo para o que o governo propõe, com capitalização apenas para novos entrantes, a redução do prazo para pagamento do passivo fica bastante atenuada, porque todos nós que estamos trabalhando vamos continuar contribuindo com o INSS.

Estadão
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