Governo perde R$ 100 bi de receita e aumenta despesas em 40%
Relatório da Instituição Fiscal Independente do Senado, com dados do 1º semestre, aponta que a dívida pública atingiu 85,5% do PIB em junho
BRASÍLIA - O governo já perdeu quase R$ 100 bilhões de receitas no primeiro semestre, calcula a Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado Federal. Em relatório fiscal divulgado nesta segunda-feira, 17, a IFI aponta que a perda de receita líquida no primeiro semestre correspondeu a 2,5 pontos porcentuais do Produto Interno Bruto (PIB), o equivalente a R$ 97,5 bilhões.
No mesmo período, as despesas cresceram 40,2% com a aprovação de R$ 511,3 bilhões em créditos extraordinários para o enfrentamento da covid-19, o que levou a um aumento da dívida pública de 9,7 pontos porcentuais do PIB entre dezembro de 2019 e junho de 2020. A dívida atingiu 85,5% do PIB em junho. A despesa primária total em 2020 deverá chegar em quase R$ 2 trilhões, o equivalente a 28,4% do PIB ( R$ 1,965 trilhões).
"A herança para o após crise será difícil de manejar", alerta o diretor-executivo da IFI, Felipe Salto. Para ele, se o País crescer apenas 2,5% em 2021 estrará numa efetiva encruzilhada fiscal. "É fundamental ter um norte para o após crise e evitar projetos mirabolantes nestes tempos incertos", afirmou.
Nos últimos dias, cresceu no governo a pressão para ampliar gastos públicos, principalmente em obras, para combater os efeitos econômicos da pandemia. Com isso, uma ala do governo, denominada de "desenvolvimentista", busca formas de driblar o teto de gastos, regra constitucional que impede que as despesas cresçam em ritmo superior à inflação.
Segundo Salto, o aumento do gasto primário (cálculo que leva em conta as receitas menos despesas, desconsiderando o gasto com os juros da dívida) já era esperado, porque a crise impôs a necessidade de maior presença do Estado. "Não tinha outro jeito. Mas o que fazer depois a tempestade? Virá a bonança ou teremos outra tempestade, de cunho fiscal?"
O diretor da IFI ressalta que não se trata apenas de uma questão de regras fiscais, mas de uma discussão "a sério" do planejamento econômico e fiscal. "O Estado brasileiro perdeu essa capacidade e precisa resgatá-la", ressalta.
O relatório deste mês mostra que as piores projeções vão se confirmando para o ano e admite que é possível que as medidas excepcionais adotadas em 2020 sejam postergadas para 2021, no caso de uma segunda onda de disseminação do coronavírus, como está ocorrendo em outros países.
A expectativa da IFI é que a dívida bruta chegue a 96,1% do PIB. Para Salto, operar com dívida tão alta não é uma tarefa fácil e algo inédito para o País, num cenário em que o juro baixo pode mudar com o aumento de gastos públicos.
A IFI alerta que as recentes discussões sobre sua eventual flexibilização do teto de gastos devem levar em conta que o principal nó fiscal brasileiro segue sendo a alta do gasto obrigatório. No relatório, a IFI chama atenção para o fato de que as reduções na Selic não resolvem o problema estrutural de desequilíbrio entre despesas primárias e receitas. O problema ficará mais evidenciado passada a fase mais aguda da pandemia do novo coronavírus.
A institição destaca que a manutenção da Selic em patamar baixo - a taxa está em 2% ano ano - vai demandar um esforço ainda maior para garantir a consolidação fiscal no setor público. Pelos números da IFI, o segundo trimestre deste ano deve registrar queda de 8,8% no PIB. Para o ano, a expectativa é de recuo de 6,5%. O dados oficias do PIB referentes ao segundo trimestre serão divulgados em setembro pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Para a IFI, essa piora fiscal não constitui um risco em si. A preocupação maior reside na incerteza quanto ao pós-crise. Por isso, destaca a instituição do Senado, a relevância de o governo dar sinalizações claras em relação ao compromisso com o retorno a um modelo de ajuste fiscal que permita restabelecer as condições mínimas de sustentabilidade da dívida pública. O cenário da IFI foi mantido de risco alto de rompimento do teto em 2021.