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Governo pode anular parte do leilão de arroz da Conab caso empresas não comprovem capacidade

Quatro companhias arrematadoras dos lotes são desconhecidas no setor de grãos e três delas não possuem atuação comprovada com a operação de importação e distribuição

10 jun 2024 - 19h02
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BRASÍLIA - O governo federal avalia a possibilidade de anulação de lotes arrematados no leilão de compra pública de arroz importado e beneficiado, realizado pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) na quinta-feira, 6. A medida é estudada caso as empresas vencedoras dos lotes não comprovem capacidade técnica e financeira de adquirir e entregar o cereal, o que precisa ser feito até quinta-feira, 13, segundo relatos de integrantes do governo ao Estadão/Broadcast. Outra alternativa em análise é a impugnação de algum arrematante e chamamento do segundo colocado se o vencedor não comprovar as condições exigidas no leilão público.

No leilão em questão, a Conab adquiriu 263,37 mil toneladas de arroz importado e beneficiado. Os lotes arrematados pela companhia tiveram preço mínimo de R$ 4,9899 por quilo e máximo de R$ 5 por quilo, com média de R$ 4,9982 por quilo. A operação custou R$ 1,316 bilhão ao Executivo. O arroz será distribuído em regiões metropolitanas de 21 Estados e do Distrito Federal com preço tabelado de R$ 20 por pacote de 5 kg e logomarca do governo federal na embalagem.

As medidas, avalizadas pelo edital do certame público, vêm sendo estudadas pelo Executivo em meio aos questionamentos públicos sobre a capacidade, a qualificação e a conduta ilibada das empresas vencedoras do leilão. As quatro companhias arrematadoras dos lotes são desconhecidas no setor de grãos e três delas não possuem atuação comprovada com a operação de importação e distribuição de grãos.

As ações são discutidas entre o Ministério da Agricultura, Ministério do Desenvolvimento Agrário, Advocacia-Geral da União (AGU) e Controladoria Geral da União (CGU) em reuniões emergenciais no Palácio do Planalto nesta segunda-feira, 10.

Importação de arroz pelo governo federal tornou-se uma queda de braço entre setor produtivo e governo federal
Importação de arroz pelo governo federal tornou-se uma queda de braço entre setor produtivo e governo federal
Foto: Taba Benedicto/Estadão / Estadão

Uma fabricante de sorvetes, uma mercearia de bairro especializada em queijo e uma locadora de veículos estão entre as vencedoras do leilão promovido pelo governo. Das quatro empresas vencedoras do leilão, apenas uma, a Zafira Trading, atua no ramo. A empresa trabalha no comércio exterior desde 2010 e ganhou o direito de vender 73,8 mil toneladas de arroz, por R$ 368,9 milhões — o montante corresponde a 28% do total negociado no leilão.

Já a maior fatia, equivalente a 56% do total, foi arrematada por uma mercearia de bairro de Macapá (AP) pela razão social de Wisley A. de Sousa Ltda. A empresa, cujo nome fantasia é "Queijo Minas", ganhou o direito de vender 147,3 mil toneladas de arroz para a Conab, pelo valor de R$ 736,2 milhões. Outras 19.740 toneladas foram arrematadas pela Icefruit, processadora de polpa de frutas, cuja sede fica em Tatuí (SP), por R$ 98,7 milhões. Já a ASR Locação de Veículos e Máquinas, do Distrito Federal, arrematou o direito de venda de 22,5 mil toneladas, por R$ 112,5 milhões.

Diante dos questionamentos crescentes e acusações de irregularidades no leilão, no sábado, a Conab convocou as Bolsas de Mercadorias e Cereais a apresentarem comprovações de capacidade técnica e financeira das empresas que representaram e que venceram o leilão público. Em nota, a empresa pública reconheceu que surgiram dúvidas e repercussões a partir da divulgação do resultado do certame público.

"A Conab operacionaliza os leilões via bolsas de mercadorias que se inscrevem para representam as empresas importadoras. Apenas no final do leilão que conhecemos as empresas vencedoras", afirmou o diretor presidente da Conab, Edegar Pretto, em vídeo.

"Após a divulgação das empresas vencedoras, suscitaram dúvidas sobre as reais condições técnicas e financeiras de as empresas honrarem seus compromissos, por isso, determinei a convocação das bolsas para nos apresentarem as condições de as empresas honrarem o leilão realizado. Nenhum centavo do dinheiro público será gasto sem que o arroz esteja embalado nos armazéns da Conab e tenha passado pelo rigor sanitário que o Brasil tem", disse Pretto no vídeo.

A Conab enviou, na tarde desta segunda-feira, um ofício às bolsas de mercadorias pedindo detalhes da estratégia de operacionalização de cada companhia e da capacidade das empresas em participar do leilão.

Outro ponto que causou estranheza tanto no setor produtivo quanto em empresários com experiência no tema foi o fato de apenas duas bolsas de mercadorias — a Bolsa de Mercadorias de Mato Grosso (BMT), que negociou 116 mil toneladas das 263,3 mil toneladas do leilão, e a Bolsa de Cereais e Mercadorias de Londrina (BCML), que participou com 147,3 mil toneladas, terem intermediado a venda dos lotes vencedores. A BMT foi criada no ano passado e é presidida por Robson Luiz de Almeida França, ex-assessor do então deputado federal e ex-ministro da Agricultura, Neri Geller.

O diretor executivo de Operações e Abastecimento da Conab, Thiago José dos Santos, disse ao Estadão/Broadcast que as bolsas possuem prazo para responder às questões de operacionalização até a próxima quinta-feira, cinco dias úteis após a conclusão do certame público. Até a data, as empresas devem também depositar a garantia da operação ao governo, equivalente ao 5% do valor nominal arrematado.

"Neste momento, a Conab não se comunica com as empresas, mas sim com as bolsas intermediárias que as representam. Se a empresa não pagar o valor de 5% do valor do lote arrematado em até cinco dias úteis, é aplicada sobre ela uma multa de 10% e o impedimento de participar dos leilões por dois anos", esclareceu Santos.

Segundo o diretor, a garantia só é devolvida pela União às empresas vencedoras do leilão quando o arroz já estiver armazenado na Conab. De acordo com ele, há também responsabilidade civil e criminal sobre as bolsas credenciadas caso haja irregularidades nas documentações das empresas envolvidas.

A importação de arroz pelo governo federal tornou-se uma queda de braço entre setor produtivo e governo federal. O Ministério da Agricultura e a Conab alegam que a medida visa frear o aumento especulativo dos preços do cereal no País, após as perdas registradas nas lavouras gaúchas como medida para enfrentar as consequências econômicas das enchentes do Rio Grande do Sul.

Estima-se que o Estado tenha perdido cerca de 600 mil toneladas de arroz, considerando o cereal afetado nas lavouras e nos silos e armazéns inundados. O governo federal autorizou a Conab a adquirir até 1 milhão de toneladas do grão importado em leilões escalonados e com despesas orçadas em R$ 7,2 bilhões.

Entidades do agronegócio argumentam que não há risco de desabastecimento, nem necessidade de recorrer às compras públicas para reequilibrar o mercado. O setor move uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) contra a importação de 1 milhão de toneladas de arroz pelo Executivo, que está sob análise do ministro André Mendonça.

Parlamentares do setor alegam que há fraude no leilão. O partido Novo questionou o leilão em ação junto ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e ao Tribunal de Contas da União (TCU). A senadora Tereza Cristina (PP-MS), ex-ministra da Agricultura e coordenadora política da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) no Senado, também pediu ao TCU que fiscalizasse o leilão milionário realizado pela Conab.

Questionado sobre o leilão, o Ministério da Agricultura não se manifestou até o momento.

O que dizem as empresas

Maior arrematadora dos lotes com 147,3 mil toneladas, a Wisley A de Sousa Ltda., afirmou em nota à imprensa que "grupos com interesses contrariados" tentam afetar a imagem da empresa de Macapá (AP) e "deturpar a realidade num momento em que é essencial o País encontrar formas de assegurar o abastecimento de arroz para a população".

A companhia disse que vai fornecer o produto dentro do cronograma estabelecido pela Conab, "cumprindo rigorosamente as normas de controle e qualidade" e que vai acelerar a importação do cereal em momento crítico de aumento de preços ao consumidor final. A companhia esclareceu ainda que possui 17 anos de experiência no comércio atacadista de alimentos e faturamento acima de R$ 60 milhões em 2023.

"A empresa assumiu este compromisso ciente de que a importação é necessária para reduzir o preço final ao consumidor de um produto essencial na alimentação dos brasileiros", disse na nota.

A Icefruit Comércio e Indústria Ltda., também em nota à imprensa, destacou que atua há 22 anos no comércio de alimentos e que é uma das líderes no mercado de frutas, vegetais e congelados no Brasil.

"Reafirmamos o nosso compromisso com a idoneidade e a transparência em todas as nossas operações, incluindo a recente participação no leilão de arroz realizado pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab)." Durante os trâmites do leilão de arroz realizado pela Conab, na última semana, a Icefruit assegurou a compra do produto importado dentro de todas as exigências estabelecidas pela Companhia Nacional de Abastecimento.

"A venda do produto ao consumidor brasileiro será realizada com os melhores preços e garantias de qualidade, refletindo nosso compromisso e capacidade de execução. E este compromisso evidencia a seriedade com que tratamos nossas responsabilidades contratuais e sociais", disse a empresa na nota. A empresa afirma que fabrica mais de 3,6 mil toneladas de produtos na sede de Tatuí (SP) e que exporta para Estados Unidos, Europa e Ásia, "além de importar produtos de diversas regiões do mundo" e entrar no mercado de sorvetes.

Até o momento desta publicação, a Zafira Trading e a ASR Locação de Veículos e Máquinas não responderam aos pedidos de comentário feitos pela reportagem.

Estadão
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