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Governo precisa definir tamanho do rombo nas contas logo, dizem economistas

Em seminário online organizado pelo Ibre/FGV e 'Estadão', Nelson Barbosa, Samuel Pessôa e Manoel Pires discutiram caminhos para o crescimento sustentável

29 out 2021 - 17h46
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RIO - Tradicionais opositores no debate sobre política econômica, Nelson Barbosa, ministro da Fazenda no segundo governo Dilma Rousseff (PT), e Samuel Pessôa, sócio da gestora de recursos Julius Baer Family Office, concordam que o governo federal e o Congresso Nacional precisam chegar logo a um acordo que dê previsibilidade para o tamanho do desequilíbrio nas contas do governo em 2022 e nos anos seguintes. O melhor seria definir rapidamente o tamanho do rombo nas contas, segundo os especialistas, ambos pesquisadores associados do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV).

Desde a semana passada, quando avançaram as discussões para flexibilizar o teto de gastos (regra fiscal que limita o crescimento das despesas públicas à inflação), as incertezas sobre o tamanho do déficit nas contas públicas vêm atrapalhando a economia. Logo no primeiro momento, as cotações do dólar saltaram, enquanto as das ações de empresas negociadas na Bolsa tombaram. Os juros de mercado também subiram, e o Banco Central (BC) reagiu acelerando o ritmo de alta da taxa básica Selic (agora em 7,75%, após a elevação de 1,5 ponto porcentual decidida na última quarta-feira, 27).

Como resultado, economistas correram para revisar suas projeções para o crescimento econômico e para a inflação. Já se fala em retração na economia em 2022, com piora no mercado de trabalho, e inflação ainda pressionada. A equipe de economistas do banco Itaú revisou a estimativa para o Produto Interno Bruto (PIB) de 2022 para uma retração de 0,5%.

"Melhor seria definir nesta semana qual o gasto adicional de 2022 e colocar isso numa PEC (proposta de emenda constitucional) ou num crédito extraordinário, se os órgãos de controle permitirem", afirmou Barbosa, durante o seminário online "Caminhos para um Crescimento Sustentável", organizado Ibre/FGV, em parceria com o Estadão.

O debate foi marcado por críticas à forma como o governo federal está ajustando as contas públicas para fazer caber no Orçamento de 2021 e 2022 o Auxílio Brasil, nome do programa previsto para suceder o Bolsa Família, com um valor de benefício médio mais elevado do que o que é pago atualmente na principal política de transferência de renda federal. Barbosa lembrou que o fato de o governo propor o valor mais elevado no Auxílio Brasil com duração apenas até o fim de 2022 também criou problemas para o equilíbrio das contas públicas de 2023 em diante. Também fará com que o tema vire ponto de debate nas eleições de 2022, aumentando as chances o valor mais alto se tornar permanente.

Por isso, Barbosa defende alguma nova medida fiscal, a ser aprovada em 2022, antes das eleições, para dar alguma sinalização para 2023. A ideia seria, antes das eleições, formar um "grupo de trabalho no Congresso" para definir uma nova regra fiscal, "com alguma flexibilidade", para valer para 2023.

Pessôa concordou. Para o pesquisador seria importante que o Congresso, "com transparência", decidisse o que vai de fato ser feito de gasto público acima do teto. "Nesse quadro, gastar mais com emendas de relator e com o fundo eleitoral é um escândalo", afirmou Pessôa, referindo-se a outros gastos que deverão ser elevados no contexto da aprovação da proposta de emenda à Constituição (PEC) dos precatórios, forma escolhida pelo governo federal para resolver a piora na crise fiscal, que está em discussão no Congresso.

Assim como Barbosa, Pessôa defendeu a importância de uma sinalização de 2023 em diante. Para o pesquisador, qualquer elevação de gasto nesses próximos anos deveria vir com alguma medida que sinalizasse para a melhora do resultado entre despesas e receitas públicas no médio prazo.

Sem uma solução para o atual agravamento da crise fiscal, Pessôa prevê que a inflação seguira mais elevada. "Se o tema não for encaminhado pelo Congresso, a inflação vai subir. O risco fiscal já está afetando o câmbio e a inflação", afirmou o pesquisador.

Também participante do seminário online, o coordenador do Observatório Fiscal do Ibre/FGV, Manoel Pires, chamou a atenção para uma "crise de confiança" causada pela proposta de flexibilizar o teto de gastos. O economista, que integrou a equipe do Ministério da Fazenda no governo Dilma Rousseff, dá razão ao ministro da Economia, Paulo Guedes, quando diz que os dados fiscais estão, de fato, melhorando. Também crê que, no fim das contas, o mais provável é que a "política" encontre um "meio termo" entre a reação do mercado financeiro à incerteza fiscal e a necessidade de ampliar gastos públicos, especialmente com foco na transferência de renda.

O problema é que a forma como a discussão foi encaminhada pelo Executivo importa. "O governo está há anos dizendo que vai cumprir o teto e agora não vai", afirmou Pires, lembrando que a proposta do governo para flexibilizar o teto de gastos levou uma "grande dúvida" aos agentes econômicos, especialmente no mercado financeiro, que passaram a ter dúvidas sobre qual será o tamanho do rombo nas contas públicas. Com isso, a "âncora fiscal" oferecida pela regra do teto está "muito prejudicada". "A lição é que não dá para fazer uma discussão bagunçada. Quem propor alteração no teto sem propor alguma solução no lugar vai apanhar bastante", afirmou.

A jornalista Adriana Fernandes mediou o debate entre Samuel Pessôa, Manoel Pires e Nelson Barbosa.
A jornalista Adriana Fernandes mediou o debate entre Samuel Pessôa, Manoel Pires e Nelson Barbosa.
Foto: Reprodução/Youtube / Estadão

Apesar do cenário de crise no curto prazo, Barbosa e Pessôa também concordaram num tom mais otimista em relação às perspectivas de crescimento após serem enfrentados os riscos mais imediatos de desequilíbrio nas contas do governo. O ex-ministro saiu na frente no otimismo. Barbosa acha possível a economia brasileira manter ritmo de crescimento de 3% ao ano, superada essa crise, desde que resolva a ameaça de restrição na geração de energia por causa da crise hídrica - os níveis dos reservatórios das usinas hidrelétricas, principal fonte de eletricidade do País, estão nas mínimas históricas - e na disponibilidade de combustíveis - cujos preços dispararam, por causa das cotações do petróleo e do dólar elevado.

Para Barbosa, é possível crescer ao ritmo de 3% ao ano porque há muita ociosidade na economia brasileira e há muita demanda por investimentos, inclusive por causa da introdução de novas tecnologias, associadas à energia renovável e à digitalização. De primeira, Pêssoa considerou a avaliação excessivamente otimista. O pesquisador lembrou que a força de trabalho brasileira cresce a ritmo excessivamente lento nos últimos anos, o que exigiria um avanço acelerado da produtividade - uma dificuldade enfrentada pelo País.

Só que Barbosa ponderou que, após tantos anos de desemprego elevado, a força de trabalho poderia ser expandida apenas pelo emprego de desocupados e pela volta ao mercado de trabalhadores que desistiram de procurar uma vaga. Pessôa acabou concordando: "É verdade, é um efeito de médio prazo. Uma politica econômica muito bem desenhada pode conseguir um crescimento mais acelerado por cinco ou sete anos. Se aprovarmos reformas, acho que dá".

Estadão
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