Governo pretende agilizar acordos comerciais internacionais
O tempo médio de espera até um acordo começar a valer é hoje de quatro anos; tema tem apoio do deputado federal Eduardo Bolsonaro, que está à frente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara
O governo de Jair Bolsonaro avalia editar um decreto com novas regras para a tramitação de acordos internacionais no País. O objetivo é reduzir o tempo que um tratado leva para entrar em vigor após ser assinado. Hoje, em média, são quatro anos e meio de espera até um acordo começar a valer.
O tema está sendo analisado pelo ministro da Secretaria-geral, Jorge Oliveira, e conta com o apoio de deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente Bolsonaro, que está à frente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara e tenta articular sua nomeação como embaixador do Brasil nos Estados Unidos.
O deputado foi procurado por representantes da indústria e diz ter se sensibilizado com o tema. Teve então reuniões no Palácio do Planalto com Oliveira para tratar da mudança nas regras e encaminhou uma sugestão de minuta. "Acredito que, antes do final do ano, tenhamos um novo decreto com relação a essa matéria", afirmou Eduardo ao Estado.
A medida é aguardada com expectativa pela indústria, que há anos defende a negociação de acordos comerciais com outros países e pede maior abertura da economia brasileira.
Em junho, o Estado mostrou que havia uma "fila" de 35 acordos econômicos já negociados e em tramitação nos escaninhos de Brasília, segundo lista compilada pela secretaria executiva da Câmara de Comércio Exterior (Camex). Mas levantamento inédito feito pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) indica que o problema é muito maior.
A instituição mapeou todos os acordos internacionais assinados por presidentes brasileiros desde a redemocratização - entre econômicos, políticos, culturais, científicos, de educação. Concluiu que, dos 1.220 acordos assinados de março de 1985 a junho deste ano, 445 nunca entraram em vigor.
Segundo o levantamento, cada presidente só consegue implementar, em média, 16% dos tratados que negocia. O restante passa para o próximo mandatário, formando esse "estoque" de centenas de acordos.
O governo com melhor desempenho foi o de Fernando Henrique Cardoso, que, em seu primeiro mandato, promulgou 41% dos acordos por ele firmados. O tucano é seguido por Fernando Collor de Mello, José Sarney, Luiz Inácio Lula da Silva e Itamar Franco. Na lanterna, estão Dilma Rousseff e Michel Temer. Com menos tempo de mandato, Bolsonaro é o último colocado.
As etapas de um acordo comercial
A análise mostra que o Executivo tem contribuído mais do que o Legislativo para essa morosidade. Após ser negociado e assinado pelo presidente, três etapas tem de ser cumpridas para que o acerto comece a valer.
Primeiro, os ministérios enviam manifestações ao Palácio do Planalto que, após analisá-las, envia o texto do tratado ao Congresso. Essa fase dura, em média, um ano e um mês, de acordo com o monitoramento da CNI.
Em seguida, o acordo passa por comissões no Congresso e tem de ser votado pelos parlamentares. Essa etapa costuma levar um ano e 11 meses. A partir daí, o texto tem de ser promulgado. O problema é que ele demora nessa última fase mais um ano e oito meses em média.
O aumento do estoque de acordos a cada novo mandato mostra que o problema é antigo. Ele foi agravado, porém, pela edição de um decreto no governo Michel Temer. Feito para estabelecer normas para encaminhamento de atos à Presidência, o regramento acabou aumentando a burocracia na tramitação de acordos internacionais no País.
"O decreto fez com que, após assinado, um acordo tenha de passar por todos os ministérios pertinentes para que um parecer seja emitido. Só que, antes de assinar um acordo internacional, todos os ministros envolvidos já dão seu parecer. Então, é um retrabalho e uma burocracia totalmente desnecessária", diz Eduardo Bolsonaro.
Por essa razão, uma das possibilidades em análise pelo Planalto é criar um rito exclusivo para a tramitação dos tratados internacionais, pelo qual, ao retornar do Congresso, o texto só precise ser reanalisado pela Casa Civil da Presidência da República - e não mais por diversas pastas da Esplanada. "Seria uma decisão acertada e daria celeridade aos acordos", segundo o deputado.
O tema ganhou relevância após a administração Jair Bolsonaro concluir duas importantes negociações comerciais neste ano: o acordo entre Mercosul e União Europeia e entre o bloco sul-americano e os países do Efta (Suíça, Noruega, Islândia e Liechtenstein).
O governo também já anunciou desejo de abrir outras frentes de negociação, em especial com os Estados Unidos. A boa entrada com Donald Trump e pessoas próximas é usada por Bolsonaro como credenciais de Eduardo para assumir a Embaixada em Washington.
Há ainda tratados na "fila" considerados importantes pela indústria e que, na avaliação do governo, podem ajudar na recuperação da economia do País, caso do acordo de livre-comércio entre Brasil e Chile, assinado em novembro de 2018, e o protocolo de compras públicas do Mercosul, firmado em dezembro de 2017.
Para a CNI, além da mudança na legislação, dando mais agilidade ao processo de ratificação, é preciso que o Executivo faça uma análise criteriosa desses 445 acordos e selecione aqueles cuja promulgação é prioritária.
Segundo Carlos Abijaodi, diretor de desenvolvimento industrial da CNI, o estoque elevado indica, por um lado, "uma burocracia embutida dentro do poder Executivo" e, de outro, a falta de foco de governos passados, que assinaram acordos pouco relevantes para o setor privado.
"Se o governo Jair Bolsonaro conseguir reduzir à metade essa fila, já ganharemos muito", diz Abijaodi. "Precisamos que que esses acordos entrem em vigor para que as pessoas e as empresas possam se beneficiar dos objetivos sobre os quais ele foi construído", afirma.