Governo quer controlar verbas do PAC; Congresso vê 'exageros' e resiste a perder poder
Trecho do Projeto de Lei Orçamentária Anual prevê que o governo possa remanejar R$ 61,3 bilhões dentro do programa
Brasília, 25/10/2023 - Com o retorno oficial do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) à proposta orçamentária, governo e Congresso voltarão a discutir o nível de liberdade que o Executivo terá para remanejar recursos dentro do programa em 2024. A disputa é reeditada sob novos contornos. Cerca de 16 anos após o lançamento inaugural do programa, o Legislativo tem muito mais poder sobre a fatia de despesas discricionárias, justamente a parcela que nutre o PAC com investimentos públicos. Com a flexibilidade do Executivo para gastar cada vez mais comprimida, a equipe econômica sugeriu no Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2024 que não haja nenhuma limitação para o governo remanejar R$ 61,3 bilhões dentro do PAC, ou seja, a ideia é que o governo possa modificar a alocação de verbas do programa sem precisar do aval de deputados e senadores.
Ao Estadão/Broadcast, a Casa Civil, que coordena o programa, defendeu a proposta e afirmou que, para o PAC cumprir seus objetivos, é "fundamental" que o poder público tenha mecanismos para garantir os níveis de investimento planejados. "É neste contexto que se insere a necessidade de que o remanejamento de recursos dentro do Novo PAC possa se dar da forma mais ágil possível", afirmou.
Técnicos do Orçamento ouvidos pela reportagem apontam que dificilmente os parlamentares deixarão o texto seguir dessa forma - provavelmente será sugerido um porcentual de limite. Embora o Orçamento Federal fique na casa de trilhões, a fatia em jogo está entre as maiores parcelas de que o governo dispõe para livre alocação no próximo ano. Especialistas avaliam, inclusive, que o Executivo enviou a peça orçamentária com uma "gordura" já antevendo que o Congresso tentará avançar para ter um controle maior sobre a parcela de investimentos.
A proposta orçamentária de 2024 encaminhada pelo governo prevê R$ 225,9 bilhões em gastos discricionários. Desse total, o Executivo tem alguns descontos: R$ 37,6 bilhões para emendas parlamentares, ou seja, já sob poder do Congresso; R$ 13,9 bilhões dos outros Poderes, como Judiciário; e R$ 27,8 bilhões para saúde e R$ 25,4 bilhões para a educação - nestas cifras, o governo tem capacidade de escolher em que gastar, como hospitais e escolas, por exemplo.
Portanto, fora o valor das discricionárias do PAC (R$ 61,3 bilhões), sobram R$ 59,7 bilhões para o governo alocar nas pastas, com critérios próprios - dos quais R$ 10,5 bilhões estão condicionados à correção pela inflação ao fim do ano, número que ainda não pode ser cravado. Os dados foram detalhados ao Broadcast pelo Ministério do Planejamento a pedido da reportagem.
Já as despesas do PAC, o governo segregou no PLOA com um indicador de discricionárias específico (RP3). Nota técnica das consultorias de orçamento do Senado e Câmara chama atenção para o fato de que, para esse indicador, a equipe econômica sugeriu que o Poder Executivo possa fazer remanejamentos entre os subtítulos (a despesa detalhada) a partir de decretos em 100% dos valores. Na prática, portanto, o governo poderia realocar todos os recursos do programa sem submeter à apreciação do Legislativo.
"Com a recriação do PAC, tem-se boa parcela dos investimentos do Poder Executivo sujeita a remanejamento livre dentro do programa, além da flexibilidade de fontes ampliada ao final do exercício", apontam as consultorias no texto que dá subsídio para o Congresso discutir a proposta orçamentária.
Técnicos pontuaram ao Estadão/Broadcast que, embora a discussão sobre os recursos do PAC já tenha ocorrido no passado - o primeiro foi lançado em 2007 -, o contexto atual torna a disputa mais quente, e deve obrigar o relator do PLOA 2024, deputado Luiz Carlos Motta (PL-SP), a se debruçar no tema. O assunto já é, inclusive, discutido pela equipe do parlamentar. De acordo com relatos ouvidos pela reportagem, há um entendimento de que a proposta está "exagerada" e que o relator deve sugerir mudanças para limitar o poder do governo sobre essas despesas.
A queda de braço sobre o controle do Orçamento está embutida também em outros aspectos do PLOA. Há regras que foram incluídas em parte das despesas discricionárias geral (RP2) que ampliam a liberdade do governo para abrir créditos suplementares de algumas pastas sem intermediação com o Congresso. De acordo com o PLOA de 2024, se houver fonte suficiente, algumas despesas de órgãos executores poderão ter suplementação de até 30% do subtítulo por ato próprio. O PLOA de 2023, por outro lado, estabelecia que esse porcentual seria de até 20% (e até 30% para o remanejamento de subtítulos do mesmo programa e no mesmo órgão).
Além disso, conforme mostrou o Estadão/Broadcast, técnicos de orçamento do Legislativo avaliam que o texto permite ao governo alterar por meio de decreto o mix de despesas condicionadas à inflação fechada até o fim de 2023.
A discussão é abastecida num contexto em que o Executivo veio perdendo ano a ano sua fatia de poder sobre as despesas discricionárias. E, enquanto o governo tenta retomar algum tipo de domínio sobre o Orçamento, o Congresso tem cada vez mais apetite sobre a parcela de gastos livres. Como exemplo, em 2017, as emendas parlamentares tiveram R$ 9,6 bilhões em transferências voluntárias - montante que chegou a R$ 23 bilhões no ano passado, e está na casa dos R$ 30 bilhões neste ano, de acordo com dados do Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento (SIOP). As transferências voluntárias não incluem, por exemplo, emendas de aplicação direta ou fundo a fundo (saúde e assistência).
Além disso, a tentativa de aumentar ainda mais o poder do Congresso sobre as contas públicas tem ganhado força este ano no âmbito da discussão do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2024, relatado pelo deputado Danilo Forte (União-CE). O parlamentar já afirmou, em entrevista ao Broadcast, que é uma tendência que o Orçamento se torne cada vez mais impositivo (obrigatório) tanto do ponto de vista de emendas quanto do ponto de vista programático. Os congressistas têm discutido, nos bastidores, meios para aumentar a influência sobre a alocação dos recursos.
O Ministério do Planejamento também foi procurado sobre a proposta feita em torno dos recursos do PAC, mas recomendou que a reportagem procurasse a Casa Civil, "tendo em vista que o Novo PAC e questões atinentes a ele estão centralizadas" na pasta.