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Governo recebe parcela de R$ 8,8 bi do lucro da Petrobras nesta segunda

Especialistas avaliam que, em vez de atacar a estatal, o governo, que é o maior acionista da empresa, poderia bancar políticas sociais com o uso de dividendos

19 jun 2022 - 05h10
(atualizado às 07h36)
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Petrobras
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Foto: Reprodução/ Reuters

Apesar das críticas ao lucro da Petrobras já feitas pelo presidente da República, Jair Bolsonaro, o governo federal está entre os maiores beneficiários dos resultados financeiros da petroleira. Nesta segunda-feira, 20, a União receberá mais uma parcela, de R$ 8,8 bilhões, do lucro da estatal. A cifra faz parte de um total, já anunciado este ano, de R$ 32 bilhões em dividendos que serão pagos até julho ao governo, maior acionista da companhia.

Entre 2019 e 2021, a União já tinha embolsado em dividendos outros R$ 34,4 bilhões, a valores atualizados, segundo levantamento de Einar Rivero, da TC/Economática. Quando se somam, ao lucro destinado à União, os impostos e os royalties, a Petrobras injetou nos cofres federais R$ 447 bilhões de 2019, início do governo Bolsonaro, a março deste ano, conforme dados dos relatórios fiscais da companhia, revelados pelo Estadão em maio.Considerando Estados e municípios, o montante chega a R$ 675 bilhões. Só o montante pago à União corresponde a aproximadamente cinco vezes o orçamento do Auxílio Brasil previsto para este ano, em torno de R$ 89 bilhões.

Desde o início do ano, para rebater as críticas de Bolsonaro e de líderes do Congresso Nacional, a Petrobras vem ressaltando que seus ganhos retornam para a sociedade. A empresa informou que, em 2021, recolheu R$ 203 bilhões em tributos próprios e retidos, maior valor anual já pago pela companhia, um aumento de 70% em relação a 2020. No primeiro trimestre de 2022, pagou mais R$ 70 bilhões aos cofres públicos entre lucro, tributos e participações governamentais, "praticamente o dobro do valor recolhido no mesmo período de 2021".

Problema ou solução?

Diante dos números, economistas de formação mais liberal ou ortodoxa costumam defender o uso da receita a mais, para o governo, com o lucro da estatal como fonte para financiar políticas que mitiguem os efeitos do encarecimento dos combustíveis, especialmente sobre os mais pobres. Nessa lógica, segurar os preços, deixando a conta no caixa da estatal, é ineficiente, pois afeta todas as empresas do setor e todos os consumidores saem beneficiados, dos mais pobres aos mais ricos. Por isso, seria mais eficiente direcionar os recursos, via Tesouro, só para os mais pobres, sem afetar o mercado.

Para o consultor Raul Velloso, as críticas dos políticos, incluindo Bolsonaro, têm a ver com os efeitos dos preços elevados sobre o comportamento dos eleitores. "O melhor seria fazer algo via recurso público. O dinheiro (do lucro) vem para o dono, o principal acionista é o governo, e ele usa isso, de alguma forma, para resolver esse problema dos eleitores", disse Velloso, citando um adicional do Auxílio Brasil para os mais pobres como medida para mitigar, por exemplo, a inflação do botijão de gás. "As mães pobres que não conseguem cozinhar não podemos ter dúvida que precisam ser ajudadas. O lucro vem para isso", completou.

É consenso praticamente mundial a necessidade de lançar mão de políticas para mitigar os efeitos da inflação de combustíveis, choque turbinado pela invasão da Ucrânia pela Rússia, ocorrida quando os desequilíbrios causados pela pandemia ainda não haviam se dissipado. O Reino Unido adotou um imposto extraordinário sobre o lucro das petroleiras. O presidente dos EUA, Joe Biden, também pressiona as petroleiras.

Crítica a Biden

"Não culpe as petroleiras por seus elevados lucros. Não se trata de preços escorchantes, é apenas como os mercados funcionam. Mas não há nada de errado em taxar esses lucros excepcionais", escreveu o francês Olivier Blanchard, ex-economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI), em sua conta no Twitter na sexta-feira, mesmo dia em que Biden culpou, em entrevista à Associated Press, o avanço dos preços de gasolina pelo pessimismo econômico nos EUA. Também foi o mesmo dia em que a Petrobras anunciou reajuste nos preços do diesel e da gasolina.

Na visão mais ortodoxa, as medidas financiadas com recursos públicos, aumentados pelo pagamento de dividendos de petroleiras estatais ou de impostos extraordinários sobre o lucro dessas companhias, são melhores do que o controle dos preços cobrados pelas empresas. Para Eduardo Costa Pinto, pesquisador do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo (Ineep), vinculado à Federação Única dos Petroleiros (FUP), a escolha não é simples.

Professor do Instituto de Economia da UFRJ, ele disse que a Petrobras poderia definir uma nova política de preços, com critérios técnicos de mercado, desatrelada dos custos internacionais. Nas contas do especialista, se a Petrobras tivesse praticado preços 20% mais baixos em 2021, o lucro líquido da estatal cairia dos R$ 106,6 bilhões registrados para R$ 46,8 bilhões, já considerando o quanto a companhia perderia ao se responsabilizar por toda a importação de combustíveis do mercado nacional. O lucro cairia, mas a empresa ainda ofereceria retorno para os acionistas.

"A política atual não se baseia em preços de mercado, mas, sim, em preços máximos", afirmou Pinto, completando que isso é resultado da combinação da política de paridade internacional com a posição monopolista no mercado nacional.

Para o professor da UFRJ, a discussão deveria partir da reflexão sobre o que fazer com o aumento da renda do petróleo, diante da evolução da produção da camada pré-sal.

A Petrobras reduziu sua dívida, está investindo apenas nos projetos mais rentáveis, enquanto a receita com o petróleo extraído do pré-sal é crescente, a um custo de produção cada vez menor. O Brasil se tornou exportador líquido de petróleo e a renda do setor se beneficia quando os preços internacionais sobem. Cálculos de Pinto, com base no atual plano quinquenal da Petrobras, sugerem que esse aumento da renda do petróleo se traduzirá em lucro líquido de R$ 400 bilhões nos próximos cinco anos. "A discussão é: como vamos usar a renda petrolífera?", questionou Pinto.

Estadão
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