Haddad: não se cobram economistas sobre barbeiragem de previsões erradas para o dólar
Ministro afirmou confiar que o BC olhará para dados e, 'com inteligência', levará para a meta o IPCA, o índice oficial da inflação
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, defendeu que o Banco Central considere os fundamentos econômicos ao definir os juros, criticou projeções econômicas equivocadas e destacou medidas fiscais do governo. Ele também ressaltou a relação positiva entre os Poderes e alinhamento do PT para 2026 com Lula como candidato.
BRASÍLIA - O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse nesta quinta-feira, 20, em entrevista à Globonews, que o Banco Central (BC), para definir o juro, tem de olhar também para os "fundamentos" da economia, e que são melhores do que os considerados pelos economistas que ao fim de 2024 fizeram, segundo ele, uma "barbeiragem" nas estimativas sobre o dólar.
O ministro criticou algumas projeções de economistas, como quando estimaram que o dólar ultrapassaria a barreira dos R$ 7 após o estresse no câmbio no final de 2024. A moeda americana fechou esta quinta-feira em R$ 5,6758, em alta de 0,49%
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"É curioso, e a vida é assim: ninguém cobra esses economistas sobre a barbeiragem da previsão. Mas, se o governo tivesse dito uma coisa dessas, para o lado contrário, ele ia estar sendo cobrado aqui", disse.
Ele acrescentou que "confia" que BC olhará para dados e, "com inteligência", levará para meta o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), o índice oficial da inflação.
"O BC tem de olhar para a expectativa, sim, o modelo do BC considera as expectativas para a tomada de decisão. Mas ele tem de olhar também para os fundamentos da economia, é uma combinação. Por isso que tem uma arte no Banco Central, não é uma ciência exata. O que eu confio que vai acontecer é que o Banco Central vai olhar para todas essas variáveis, sabe que tem um mandato a cumprir, sabe que tem de trazer a inflação para a meta e vai fazer isso da maneira mais inteligente possível", afirmou.
Durante a entrevista, ele voltou a repetir sobre como a transição de 2022 foi traumática, e também ponderou sobre o desafio de o governo conviver por dois anos com um presidente de Banco Central indicado em governo anterior.
'Pagamos todo o calote de precatórios do governo anterior'
Haddad disse também que houve um grande impulso fiscal em 2023 por conta dos precatórios. "O impulso fiscal se deveu particularmente ao fato de que nós pagamos todo o calote de precatórios do governo anterior. Foram quase R$ 100 bilhões", disse.
Ele também mencionou a compensação das perdas do ICMS paga para os Estados após a redução das alíquotas modais feita por meio de lei federal em 2022. "Houve em 2023 um impulso fiscal. Isso não aconteceu em 2024?, reiterou o ministro, reforçando que o governo é diligente em relação à questão fiscal.
Haddad definiu o presidente do BC, Gabriel Galípolo — indicado pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva — como uma "pessoa séria e tecnicamente preparada" e que "tem compromisso com a coerência" para levar a inflação à meta.
'O Congresso teve a coragem de botar o dedo na ferida'
O ministro da Fazenda voltou a defender o apoio do Congresso às pautas econômicas nos primeiros dois anos de governo. Ele também defendeu as medidas que o governo adotou e disse que é complexo ajustar as contas porque é um processo que envolve muitos interesses.
"Eu sou o primeiro a ressalvar o Congresso em relação a várias questões. Sou o primeiro a reconhecer o esforço que foi feito nesses dois anos para provar medidas que muitos empresários que eram beneficiados com privilégios deixaram de ser. E o Congresso teve a coragem de botar o dedo na ferida e ajudar o governo. Mas o pacote de medidas de contenção de gastos no ano passado, que todo mundo imaginava que o Congresso fosse aprofundar, não aconteceu isso. O Congresso recuou de muita coisa", ponderou, dizendo que isso faz parte do processo democrático.
Na visão de Haddad, é pouco produtivo criticar outro Poder. "Executivo, Legislativo e Judiciário estão trabalhando melhor do que já trabalharam, não tem dúvida. Está no ponto ótimo? Não, porque ainda tem trabalho para fazer. Não dá para negar o esforço que está sendo feito pelos três Poderes, e não dá para negar também que às vezes um desses poderes, às vezes se contém diante das tarefas que precisam ser realizadas. Isso é da vida democrática, não vai ser o ministro da Fazenda com uma caneta na mão que vai determinar o que vai acontecer no País, ele tem que negociar", disse.
O ministro defendeu que as medidas adotadas pelo governo estão na direção correta e produzem bons resultados e disse que o País estará em um lugar melhor após a implementação de todas as medidas, que vão na direção de fechamento de brechas e correção de distorção. "Eu acho natural o mercado financeiro querer mais, acho natural os trabalhadores reivindicarem seus direitos, acho natural um presidente eleito querer dar boas notícias, acho tudo isso normal", disse.
Relação entre Casa Civil e Fazenda é mais tensionada, com missões diferentes
Não há, segundo Haddad, clima de animosidade entre os integrantes do governo, mas que há "divergências e tensões que envolvem a natureza das funções de cada um".
"Eu conheço a Gleisi (Hoffmann, ministra das Relações Institucionais) há muito tempo, eu tenho uma relação com a Gleisi de muitos anos. O Rui (Costa, ministro da Casa Civil), eu conheço há menos tempo, então você vai naquele processo de aproximação gradual. E Casa Civil e Fazenda, independentemente dos personagens, tem uma questão, porque são missões um pouco diferentes. Então essa relação é um pouco mais tensionada pela natureza do que cada um pretende entregar", disse.
Haddad afirmou que ele e Costa tiveram a compreensão desses papéis ainda no primeiro ano do governo, quando sentaram e conversaram longamente sobre como seria a relação, considerando a perspectiva distinta dos dois ministérios é diferente. "Eu penso que de lá para cá ela só tem melhorado", disse.
Questionado sobre ter sido alvo de críticas feitas por outros políticos ao presidente Lula num período em que ele estava viajando, Haddad respondeu que ele não estava e nunca houve confirmação disso. "Não pensa você que eu também não tenho as minhas críticas, eu também faço críticas (sobre outras pessoas), às vezes, para o presidente da República. Eu falo, assim não dá, tem aquela coisa natural de governo, fala, assim não dá para trabalhar, porque o cara foi dar essa entrevista, atrapalhou o meu trabalho, o outro e vice-versa", disse.
Haddad afirmou que, na política, é preciso saber lidar com divergências. "A política é uma coisa que você está 100% exposto, o tempo todo exposto, com tarefas hercúleas pela frente e um ambiente de trabalho, de coordenação política que não é simples, porque é uma heterogeneidade ainda maior do que a que existe no PT, que já é grande", disse.
Etapa de definir quem será o candidato do PT em 2026 já está vencida; é Lula
Segundo o ministro da Fazenda, a etapa de definir quem será o candidato do PT em 2026 já está vencida, porque será Lula.
"Podia até haver dúvida, até o presidente estimulou um certo debate em torno disso. Hoje há uma coesão em torno do nome do presidente Lula e nós vamos seguir trabalhando juntos para o PT, que tem um instinto de sobrevivência muito grande, sabe das tarefas que tem pela frente, dos desafios", disse.
Tendo em vista o cenário de ascensão da extrema-direita, Haddad ponderou que o PT segue se reinventando, mas ainda defendendo as bandeiras progressistas que são a essência da existência da sigla. "Eu não vejo nenhum problema do presidente Lula nos coordenar a todos em proveito de um projeto defensável e competitivo em 2026?, disse.
Em relação à sua atuação como ministro da Fazenda, Haddad disse que ele tem uma formação distinta a de outras pessoas que ocuparam a mesma posição que ele. "Eu tenho outra formação, eu não vou ser o ministro da Fazenda, que vai fazer rigorosamente o que todos os meus antecessores fizeram", disse.
Haddad disse que a Argentina enfrenta uma situação muito diferente da do Brasil e que não faz sentido aplicar aqui o mesmo receituário do presidente do país vizinho, Javier Milei. "Aplicar o mesmo remédio de Milei no Brasil é um equívoco. É uma situação completamente diferente", disse.
O ministro destacou que a inflação anual do País é praticamente a de um mês na Argentina, que também passa por problemas externos, não tem reserva cambial e já sinalizou a possibilidade de dolarizar a economia. "Nós estamos em outra pegada, nós estamos em outro ambiente.
O presidente Lula nos primeiros mandatos tomou providências para resolver o problema externo brasileiro", lembrou, citando o pagamento da dívida externa e a acumulação de reservas num patamar de mais de US$ 300 bilhões.
Para Haddad, com medidas como estas, Lula teria deixado o País protegido contra turbulências externas. "Em 2008, nós passamos super bem por aquela situação internacional, muito desafiadora. Continuamos bem. O Brasil tem como se proteger, inclusive de ataques de qualquer natureza, e vai continuar fortalecendo as suas relações multilaterais", afirmou.
