Haribo nega acusação de trabalho escravo no Brasil
Fabricante de doces alemã foi acusada de usar cera de carnaúba produzida sob condições ilegais no Nordeste brasileiro. Após auditoria, ela diz que acusação é "monstruosamente exagerada", mas emissora ARD mantém denúncia.A fabricante de balas alemã Haribo afirmou, com base nos resultados de uma auditoria externa, que as denúncias de trabalho análogo à escravidão em sua rede de fornecedores de cera de carnaúba no Nordeste brasileiro não procedem.
Famosa pela produção dos gummibärchen (balas de goma em formato de ursinhos), a Haribo foi acusada, em documentário exibido em outubro de 2017 pela emissora alemã ARD, de comprar cera de carnaúba de fazendas cujas condições de trabalho e alojamento seriam precárias. A cera é utilizada para dar brilho às balas de goma e evitar que elas grudem entre si.
Em comunicado, a fabricante afirmou que "a acusação de trabalho escravo levantada no programa ARD-Markencheck se mostrou, após o resultado de nossas investigações, inconsistente e monstruosamente exagerada".
As auditorias foram conduzidas pela empresa Flocert, que, segundo a Haribo, vistoriou a produção de seus fornecedores diretos, de dois fornecedores indiretos e de algumas fazendas de cera de carnaúba.
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Em relação às acusações de trabalho análogo à escravidão, a empresa afirmou que "não foi encontrado ninguém que estivesse trabalhando - ou que estivesse ligado de alguma forma a algum empregador - contra a sua vontade, estando submetido a práticas exploratórias como o endividamento sistemático". A auditoria encontrou, no entanto, um menor de idade trabalhando numa das fazendas, o que é ilegal.
Já quanto às condições de trabalho, de acordo com a Haribo, "em todas as fazendas auditadas no Nordeste brasileiro, a força de trabalho é composta de trabalhadores livres, em sua maioria de regiões do entorno. Para eles, a colheita da carnaúba, por ser sazonal, é uma renda extra bem-vinda. As provisões no local são boas, os equipamentos de proteção individual são adequados, os horários de trabalho são adequados e bem administrados e pagos de acordo com o cargo e a produtividade."
Ainda de acordo com a empresa, "o único problema identificado pelos auditores foi que, como alguns trabalhadores são pagos de acordo com a produção, em alguns casos o salário mínimo previsto pela lei não é seguido". Diante disso, a empresa afirmou que irá "pressionar para que os pagamentos sejam adequados e para que em todos os casos os padrões mínimos previstos pela lei sejam respeitados."
Perguntas sem resposta
Questionada pela DW Brasil quanto aos critérios utilizados para definir o que seriam equipamentos de proteção individual adequados, provisões de trabalho boas e horários de trabalho adequados e bem administrados, a Haribo não respondeu. A empresa se limitou a dizer que, "neste momento, não serão disponibilizados outros detalhes, além do que já foi informado".
A empresa também não detalhou quais fornecedores e quantas fazendas de extração de pó de carnaúba foram vistoriados, nem se todas as fazendas da sua rede de fornecimento teriam sido auditadas. As plantações de carnaúba no Brasil se concentram nos estados do Ceará, Piauí e Rio Grande do Norte. O comunicado da empresa não especifica se as auditorias foram feitas em todos os três estados.
ARD mantém denúncias
Também procurada pela DW Brasil, a ARD respondeu que o posicionamento da Haribo não enfraquece as acusações do documentário. "Nossa investigação mostrou de forma impressionante os problemas existentes na rede de fornecimento da cera de carnaúba e da gelatina. A própria Haribo parece ver que algo precisa ser alterado, visto que a empresa comunicou que, no futuro, controlará melhor seus fornecedores".
Acusada pela Haribo de mostrar, em seu documentário, "imagens de fazendas sem divulgar o local e data exatos das gravações, mesmo após pedido explícito da Haribo", a emissora respondeu que a tarefa do jornalismo independente é "revelar irregularidades e não se unir a empresas como parceiros investigativos".
A DW Brasil quis saber da ARD como a equipe que realizou o documentário concluiu que os produtores mostrados no filme de fato pertencem à rede de fornecimento da Haribo. A emissora respondeu que o trabalho de jornalismo investigativo foi mostrado no próprio documentário e que "maiores detalhes não podem ser dados, até mesmo por questão de sigilo de fonte [jornalística]."
Avanço na regulamentação
Segundo o procurador Leonardo Holanda, do Ministério Público do Trabalho do Ceará, a indústria não quer assumir a responsabilidade de controlar o trabalho no campo, durante a atividade de extrativismo. "Aí você tem o atravessador no campo que compra [a cera de carnaúba] dos menores e vende para a indústria. Essa rede infelizmente não tem avançado, não há um controle total do que é feito no campo", disse.
Ainda assim, ele afirmou que, nos últimos anos, as condições de trabalho nas fazendas de cera de carnaúba estão melhorando. "Havia um total descumprimento da legislação nesse setor. Se você pudesse voltar no tempo, aos anos de 2014 e 2013, encontraria a informalidade total, a forma de prestação de serviços bem precária. Quando a fiscalização começou a atuar, e nesses últimos cinco anos isso foi feito de maneira bem mais intensa, o setor viu a necessidade de se adequar."
De acordo com ele, as situações de trabalho análogo à escravidão nas fazendas de cera de carnaúba se originam principalmente da precariedade da prestação de serviços e da prática de alojar os trabalhadores. "Isso praticamente findou, porque eles viram que não têm como dar condições adequadas de alojamento e não podem alojar de qualquer jeito. Então temos hoje um setor que vem se organizando, e a gente vem constatando isso."
Quanto à presença de menores de idade no setor, ele é enfático: "Nessa atividade não tem como admitir trabalho infantil porque é uma atividade muito difícil e que não comporta trabalhador menor de 18 anos. Então, se está trabalhando, está irregular". Já em relação ao pagamento, o procurador afirmou que, em geral, os rendimentos estão acima do salário mínimo.
Apesar dos avanços, Holanda ressaltou que a situação ainda não é ideal. "Tem uma zona cinzenta de pessoas que trabalham em situações ruins, mas isso não configura trabalho escravo", afirmou.
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