Hype-gen: os novos negócios pautados na engenharia genética
Popularização das técnicas de biologia molecular multiplicou negócios baseados em manipulação genética
Até pouco tempo atrás, coisa de 20 ou 30 anos no máximo, a engenharia genética se limitava a estudar os genes para entender como eles se expressavam nas funções do organismo. Nos anos 2000, um empreendimento ambicioso mudou essa trajetória.
Depois de 13 anos de pesquisa para mapear o sequenciamento de DNA da espécie humana, vinha ao mundo o Projeto Genoma Humano, com 92% dos nossos genes mapeados (o projeto foi concluído 100% agora em 2022).
A partir daí, a genética virou hype!
Uma nova gama de possibilidades surgiu e, hoje, áreas como engenharia genética, biotecnologia, biologia molecular e até manipulação genética são tidas como sinônimo de futuro, seja no campo das descobertas científicas que impactam a qualidade de vida, seja na elaboração de soluções criativas e novos negócios.
“A genética é uma área na qual a academia e os negócios se unem em projetos colaborativos. Tanto que muitas startups que hoje usam recursos da biotecnologia foram fundadas por pesquisadores ligados a instituições de ensino”, comenta Liya Regina Mikami, doutora em genética e docente da Faculdade Evangélica Mackenzie do Paraná (FEMPAR).
“A pesquisa acadêmica e as startups não são competidoras entre si; elas se complementam. Para as instituições de ensino, o resultado mais importante é a publicação em uma revista científica de prestígio. Já para as empresas, o objetivo principal é a criação da solução em si”, completa Mikami.
A relação é benéfica, segundo ela, especialmente em um país como o Brasil, onde ainda faltam pesquisas sobre a aplicabilidade comercial de toda a ciência de base que está sendo descoberta: “As startups conseguem usar a ciência na prática e empregar o que é revelado nas instituições de ensino, sempre com foco em mais qualidade de vida para a sociedade. Isso acontece, principalmente, na medicina e na agricultura”.
A vida antes e depois do CRISPR
Toda inovação baseada em genética tem sido possível graças à melhoria das técnicas de biologia molecular, que permitiram aos cientistas e às empresas trabalharem diretamente com o DNA.
“Antes mesmo de conhecermos todo o material genético humano, os cientistas das décadas de 1970 e 1980 desenvolveram as técnicas usadas até hoje”, conta Liya.
Mas a CRISPR deu nova proporção ao trabalho. A sigla significa Repetições Palindrômicas Curtas Agrupadas e Regularmente Interespaçadas – oi?! –, mas fica menos misteriosa se você imaginar a técnica como uma tesoura que corta partes do DNA, somada a uma cola que reagrupa outra parte pré-selecionada.
“A CRISPR eliminou várias etapas do processo de criação de um organismo geneticamente modificado (OGM) e, assim, barateou o preço final da solução”, conta Liya.
A edição do DNA feita com a CRISPR, portanto, abriu uma nova era para a engenharia genética
E a ética, como fica?
Além da tecnologia, a análise ética passou, então, a ser questão-chave nas pesquisas científicas e nas soluções comerciais criadas a partir de manipulação genética.
No Brasil, todo trabalho acadêmico que envolva humanos ou animais precisa ser aprovado pelo Comitê de Ética institucional e, dependendo do tema ou da população escolhida para o estudo, a Comissão Nacional de Ética (Conep) é acionada.
“Esses comitês recebem relatórios mensais das evoluções dos projetos e ficam atentos se há qualquer menção econômica sendo destacada. Isso porque os projetos feitos nas instituições de ensino não devem visar nenhum fim comercial, apenas o conhecimento científico”, explica a geneticista.
Já para pesquisadores que se dividem entre a pesquisa acadêmica e empresas/startups, não há um órgão que fiscalize a ética de suas atividades. A responsabilidade pelo que está sendo desenvolvido fica a cargo do discernimento do próprio pesquisador e de seu comprometimento ético.
“É por isso que todo cientista precisa avaliar os riscos e os benefícios de seus projetos. Os benefícios sempre devem ser superiores aos riscos envolvidos”, resume Liya.
Áreas de destaque
Na medicina, não são poucas as empresas que investem em tratamentos baseados no estudo da genética dos pacientes. Mas, de uns anos para cá, chamam a atenção as iniciativas que partem do princípio da prevenção. Ou seja, a partir da análise dos genes, elas se propõem a encontrar os alimentos e hábitos de vida mais adequados para evitar que uma doença se instale.
“A análise do perfil genético para identificar dieta e atividades mais recomendadas para aquela pessoa específica é uma área muito explorada hoje. O mesmo vale para a análise de medicamentos que serão melhor ou pior metabolizados, com base no DNA. A genética está viabilizando uma medicina preventiva e personalizada”, acredita Liya.
Já na agricultura, destaca-se a análise genética das bactérias do solo que vivem em simbiose com as raízes das plantas, para melhorar a qualidade desse solo. “Outro ponto é o investimento em OGM [organismos geneticamente modificados] para o cultivo de alimentos maiores e menos perecíveis, que possam ser consumidos por mais tempo”, conta a geneticista.
Vale mencionar, também, iniciativas para a criação de animais geneticamente modificados que dependam menos de uso de hormônios de crescimento e que fiquem menos tempo no criadouro até serem abatidos.
Na mira dos bilionários
Embora a exploração comercial da genética possa trazer benefícios para a população em geral, é notável também a vaidade de alguns empreendedores que buscam alcançar inovações, diríamos, sobre-humanas.
Jeff Bezos, por exemplo, criou a Alto Labs, iniciativa que quer impedir o envelhecimento celular e, assim, manter os seres humanos sempre jovens. A ideia poderia ser boa, a não ser pelo fato de que o envelhecimento celular é um mecanismo de proteção do organismo, como explica Liya: “A apoptose celular, que é a morte programada de células, é um mecanismo extremamente útil à vida. Porque, ao tornar uma célula imortal, aumenta-se também a chance de ela se tornar cancerígena.”
E quem escolheria parar de envelhecer se o custo fosse desenvolver um câncer? É por isso que algumas das promessas ainda precisam de muito estudo antes de funcionarem na prática.
(*) Renata Armas é redatora do Unbox.