Índice global vê Brasil como exemplo na redução da fome, mas adverte que crise pode reverter sucesso
O Índice Global da Fome 2016 divulgado nesta terça-feira pelo Instituto Internacional de Investigação sobre Políticas Alimentares (IFPRI, na sigla em inglês) coloca o Brasil como "exemplo" no combate ao problema. O relatório cita os programas de proteção social aplicados nos últimos anos como modelos para outros países. A organização, porém, alerta que a crise econômica e política podem representar uma ameaça à evolução brasileira no combate à fome.
"A expansão efetiva de programas de proteção social e de intervenção na nutrição levou a uma dramática queda na pobreza, fome e desnutrição no Brasil", afirma o relatório, publicado nesta terça-feira, em Bruxelas.
Atualmente, 1,6% da população brasileira passa fome e o índice de mortalidade entre os menores de cinco anos é também de 1,6% - o que resulta em um índice inferior a 5 pontos, de acordo com os critérios do IFPRI. Em 2001 a fome afetava 12,3% dos brasileiros e 3,2% das crianças morriam antes de completar cinco anos, segundo dados da organização.
Para os pesquisadores, "esse tipo de experiência de estratégias baseadas na proteção social no Brasil ou na agricultura familiar na China nos oferece modelos que podem ser adaptados e reproduzidos por outros países".
Os especialistas advertem, no entanto, que a atual crise poderiam prejudicar os resultados do programa brasileiro.
"Com a crise econômica e política que o Brasil enfrenta atualmente, os programas públicos podem não ser mantidos e a tendência positiva na redução da pobreza e da desnutrição poderia se reverter", afirmou Andrea Sonntag, uma das autoras do relatório, em entrevista à BBC Brasil.
Top 16
O Brasil figura entre os 16 países que dividem a melhor posição no Índice Global da Fome 2016, junto com Argentina, Chile, Costa Rica e Cuba.
Todos têm índices inferiores a 5 pontos, comparado a uma média global de 21.3 pontos.
O índice é calculado com base nos níveis de desnutrição geral e infantil e na taxa de mortalidade infantil de cada país entre 2011 e 2016.
Foram analisadas as situações de 118 países em desenvolvimento.
Entre os latino-americanos, o Brasil foi o país que mais avançou na redução da fome, passando de um índice de 16.1 em 1992 a 11.8 no ano 2000, e 5.4 em 2008.
A Argentina tinha um índice de 5.8 em 1992, Chile de 6.2, Costa Rica de 7.6 e Cuba de 8.7. Todos os quatro países já haviam alcançado índices iguais ou inferiores a 5 pontos em 2008, algo que o Brasil só conseguiu agora.
Fome no mundo
No nível global, o índice aponta para uma redução de 29% na fome desde 2000, mas ressalta que 795 milhões de pessoas ainda sofrem com o problema - o equivalente a 13,1% da população mundial.
As principais vítimas são as crianças: cerca de 28% dos menores de cinco anos não têm altura adequada para suas idades e 8,4% não têm peso adequado.
Por outra parte, a mortalidade infantil caiu de 8,2% em 2000 para 4,7% em 2015.
O estudo considera como 'sério' ou 'alarmante' o nível de fome em 50 países, a maioria deles no sul da região africana do Saara e no sul da Ásia.
Os piores índices foram registrados na República Central Africana e no Chad, resultado de anos de conflitos violentos, movimentos internos de refugiados e desastres climáticos, que tiveram impactos negativos sobre a produção local de alimentos.
No entanto, os pesquisadores chamam atenção para uma situação 'seriamente preocupante" na Síria, Sudão, Eritreia, Somália, Congo e outros cinco países, que não aparecem no Índice Global por falta de dados concretos.
"Com base em informação disponível de organizações internacionais especializadas em fome e malnutrição, esses dez países são identificados como fonte de importante preocupação", afirma o relatório.
O IFPRI lembra que a ONU já acusou os grupos armados ativos na Síria de utilizar a inanição como arma de guerra. Além disso, os seis anos de conflito armado no país levaram milhares de sírios ao exílio.
América Latina
Entre os países latino-americanos, o nível de fome varia entre "baixo", como é o caso do Brasil, e moderado, como em Equador, Bolívia e Paraguai.
As únicas exceções na região são Haiti e Guatemala. No primeiro, a situação é considerada "alarmante", com 53,4% da população sem alimentos suficientes. O segundo apresenta um quadro "sério", com 15,6% de mal-nutridos.
A extensão do período analisado (de 2011 a 2016) não permite refletir com precisão a realidade atual na Venezuela, onde a população enfrenta falta generalizada de alimentos.
Segundo os pesquisadores, as causas da fome no mundo são "complexas e intrinsecamente ligadas à pobreza, desigualdade, violência, conflito, doenças e mudança climática".
Para solucionar o problema, eles consideram necessário "parar os conflitos armados e minimizar os efeitos do aquecimento global, mas também promover sistemas agrícolas em pequena escala, com prioridade para cultivos para alimentação e não para a produção de energia".