Indígena supera dificuldades com idioma e tecnologia para lidar com finanças da sua aldeia
Jovem do povo Khisêtjê, na região Xingu do Mato Grosso, aprendeu sobre o assunto assistindo vídeos no YouTube
Diretamente da terra indígena Wawi, na região do Xingu, no Mato Grosso, o indígena Kambrinti Suya lidera a organização das finanças do povo Khisêtjê. Apesar da dificuldade com o idioma, uma vez que o português não é a sua língua natal, e com a tecnologia distante da cultura da sua aldeia, o jovem de 34 anos tem se destacado na sua comunidade ao viabilizar o orçamento das atividades realizadas na região.
A trajetória profissional de Kambrinti teve início em 2008, quando ingressou na Associação Indígena Khisêtjê (AIK), inicialmente trabalhando com filmagem e edição de vídeos. A sua atenção se voltou para as finanças ao observar o trabalho do tesoureiro nas feiras de artesanato e produtos agrícolas promovidas pela organização. “Eu comecei a ajudar com os documentos fiscais, como nota fiscal, recibos, controle de gastos… isso despertou o meu interesse para a área", relata em conversa com o Terra.
Ainda atuando com o audiovisual, o jovem indígena mergulhou por conta própria na complexidade das finanças, aprendendo aos poucos a mexer em planilhas de Excel e a montar tabelas. Esse envolvimento o levou a ser indicado, em 2020, para o assumir papel de tesoureiro da associação. Hoje, ele é responsável pelo planejamento e controle dos recursos da AIK.
"Eu não conhecia isso antes, não é natural da nossa cultura. Era muito difícil porque eu tinha que aprender rápido, já que é preciso conhecer primeiro e, depois, praticar. Foi ainda mais desafiador para mim porque o português não é o nosso primeiro idioma", confessa Kambrinti, que tem a língua nativa Jê como principal.
Vídeos no YouTube
A barreira linguística e a falta de familiaridade com o uso de computadores não impediram Kambrinti de avançar. Ele conta que, ao menor sinal de dificuldade, não hesita em buscar orientação, inclusive por meio de vídeos no YouTube. "Ainda encontro dificuldades em relação às palavras técnicas e na concepção das fórmulas matemáticas para as planilhas; acabo tendo que estudar ainda mais", ressalta.
Mesmo com as dificuldades, Kambrinti reconhece a importância de seu trabalho para a comunidade. A Associação Indígena Khisêtjê, fundada em 2005, representa os 490 integrantes do Povo Kĩsêdjê, lutando pela defesa e garantia do território, patrimônio material, imaterial, ambiental e cultural.
Em 2019, a associação venceu o Prêmio Equatorial, promovido a cada dois anos pela Organização das Nações Unidas (ONU), em reconhecimento à solução sustentável desenvolvida pela comunidade indígena para a produção de óleo de pequi, conhecida como Hwi Mbê. Desde então, a produção tem crescido e os lucros gerados pela venda dos produtos são direcionados à AIK.
Comunidade indígena cresce com troca de conhecimentos
"Como a nossa organização fica na aldeia, é muito mais fácil de eu ajudar a minha família e comunidade. A nossa população tem crescido cada vez mais, e eu busco sempre conversar com as pessoas para compartilhar o conhecimento e trocar ideias. Assim, consigo acatar as suas decisões e ajudar com transparência e tranquilidade”, afirma Kambrinti.
Adaptar-se à tecnologia não indígena, como o uso de computadores e internet, foi difícil, mas o tesoureiro reconhece a importância dessas ferramentas para a comunicação e evolução do seu trabalho. As suas dicas financeiras refletem a sua abordagem pragmática: "Fazer planejamento, fazer orçamento, anotar no caderno, guardar comprovantes, guardar notas fiscais, e lançar dados na planilha.
Apesar de não ter cursado faculdade, Kambrinti participou de capacitações na área de administração. Ele deseja continuar aprendendo cada vez mais para continuar contribuindo com o desenvolvimento do povo Khisêtjê.