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Itaipu: antes do Paraguai, Brasil já discutiu com a Argentina

10 mai 2009 - 10h09
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Fabiana Leal

Direto de Porto Alegre

Desde antes de sua construção, a usina hidrelétrica de Itaipu gerou discussões do Brasil com seus vizinhos. Se 2009 tem sido marcado pela negociação com o Paraguai em torno do valor da energia paga pelo Brasil ao parceiro, os pontos de vista opostos datam da década de 1960, quando o regime militar começava a tirar do papel a então maior hidrelétrica do mundo.

O Brasil começou a discutir a construção de uma hidrelétrica no lado brasileiro do rio Paraná na segunda metade da década de 1960. Segundo a professora Ivone Teresinha Carletto Lima, autora da tese Itaipu: as faces de um megaprojeto de desenvolvimento, de 2006, a idéia era desviar parte das águas do rio, para levá-las até Porto Mendes, no município de Marechal Cândido Rondon, no Paraná. A hidrelétrica seria totalmente brasileira. De acordo com a professora, ela foi projetada para ter o mesmo potencial de Itaipu e poderia produzir mais, mas o Paraguai entrou na questão e alegou que a área que estava acima das sete quedas não era brasileira, mas paraguaia.

Isso gerou uma grande disputa, pois nenhum dos países cedia. O Paraguai queria que Brasil considerasse a área das sete quedas como de litígio, ou seja, disputada entre os dois países. Mas o Brasil não admitiu essa possibilidade e considerou a área de propriedade da Nação. Por fim, para acabar com as discórdias, os dois países, que tinham regime militar na época, assinaram em 1966 a Ata do Iguaçu, em que o Brasil concordou que se fosse construída uma hidrelétrica no rio Paraná e que fosse feita em condomínio com o Paraguai.

Em 1973, foi feito o Tratado de Itaipu. A construção começou no início de 1975 e até 1985 estava praticamente pronta. Em 1982 (entre outubro e novembro) foi feito o alagamento. Abriram as comportas para alagar e represar o curso do Paraná e poder construir as turbinas no leito do rio. Também foi feito um canal de desvio. Em 1989, a hidrelétrica começou a produzir energia.

Argentina
Na época, a Argentina não aceitava a obra de Itaipu, porque queria construir uma usina com o Paraguai, também no rio Paraná. Mas até hoje não executou a almejada Usina de Corpus. Segundo a professora Ivone, após começar a construção de Itaipu, os argentinos questionaram os níveis da barragem e do rio Paraná, que, segundo eles, prejudicaria a construção de Corpus.

Buenos Aires alagada

O professor de Direito Christian Caubet, da Universidade de Brasília (UnB) e autor da tese A barragem de Itaipu e o Direito Internacional Fluvial, lembra que a Argentina argumentava que teria um prejuízo imenso com a construção de Itaipu. Ele recorda de uma conversa que teve com um general argentino, um dos arautos da geopolítica, que disse que, se Itaipu cedesse, os 40 km³ de água iriam descer até Buenos Aires e apagariam tudo do mapa.

"Ele me disse: ''O Brasil nem precisa de guerra porque vão afogar a gente''. Eu falei a ele: ''no dia seguinte, antes de explodir a barragem, o Brasil perderia a guerra, pois o País estaria completamente paralisado, porque teria perdido toda a energia. Como faríamos para girar as fábricas? Sem luz, a Argentina vai ganhar a guerra, porque o Brasil não poderia nem fabricar armas", diz.

A obra
João Raicyk, que trabalhou na construção de Itaipu de 1979 a 1983 como auxiliar de laboratório no setor de geologia, e hoje é funcionário da Copel, e mora em Medianeira (PR), 48 km de Foz do Iguaçu (PR), participou ativamente do início da obra. Viu quando foi feito o canal de desvio do rio Paraná e quando começou a construção da barragem. Ele participou da perfuração e análise das rochas. Segundo Raicyk, 42 mil pessoas chegaram a trabalhar na obra no período mais intenso da construção. "A obra não parou, ela durava 24 horas. Nós trabalhávamos 12 horas e descansávamos outras 12."

Segundo ele, durante os quatro anos que ficou na obra de Itaipu, viu dois acidentes fatais - em um dos casos o operário caiu de cerca de 40 m de altura e a tela de proteção furou. O outro acidente ocorreu na parte de concretagem, quando foi descarregado acidentalmente concreto sobre uma pessoa.

Raicyk diz que foi um "orgulho" atuar na obra. "Primeiro, porque foi um dos primeiros trabalhos de carteira assinada. E um dos que fiquei mais tempo. É um orgulho muito grande eu ter dado a minha contribuição. E também ganhei alguns frutos - meu filho nasceu na obra", diz o auxiliar de laboratório no setor de geologia. Recém casado na época, a mulher de Raicyk era professora de uma escola dentro da área de moradia dos funcionários. "A estrutura era muito boa", afirma ele.

Os funcionários falavam duas línguas na obra - espanhol e português. Raicyk diz que não havia problema de comunicação entre os funcionários dos dois países.

"Houve uma comunicação muito boa. Na área de fronteira, o ''portunhol'' funcionava bem. Também havia uma amizade muito grande entre brasileiros e paraguaios. A única diferença é que eles ganhavam baseados no dólar e a gente não. Na época, o dólar chegou a 16 por 1 (US$ 1 custava 16 Cruzeiros). Tinha vezes que o salário deles dava quase 10 vezes o nosso. Isso era uma diferenciação muito grande", afirma.

Apesar dessa diferença, Raicyk diz que todos ganhavam muito bem. "Não tinha nada de negócio em banco. O pagamento era em dinheiro vivo. A inflação comeu bastante. Na cidade de Foz (do Iguaçu) começou uma exploração muito grande. De um mês para o outro quase dobrava os preços de comida e de aluguel." O consórcio responsável pela obra oferecia moradia, mas não havia suficiente para todos os trabalhadores. Raicyk era um dos que precisava pagar aluguel.

Preço da energia
Desde agosto, quando chegou ao poder, o presidente paraguaio Fernando Lugo reivindica uma revisão do Tratado de Itaipu, que regula as operações da represa construída com capital brasileiro. Segundo Lugo, o tratado contém cláusulas que prejudicam os interesses do Paraguai e que devem ser modificadas.

O preço do Kilowatt de energia foi acertado no tratado. Na época, o Paraguai não tinha como participar da obra, cabendo ao Brasil toda a construção. Para o Paraguai entrar com a metade do capital, o dinheiro foi emprestado pelo Banco do Brasil. No tratado, ficou estabelecido que o vizinho pagaria a dívida ao Brasil em 50 anos, até 2023. O tratado previa que quem não usasse 50% da energia venderia para o outro país, preferencialmente, a um preço fixo.

Segundo Ivone, o Brasil utiliza toda a parte brasileira e mais 45% da energia paraguaia. "O Paraguai só usa 5% da energia, porque ele não precisa de mais. Tem outras hidrelétricas menores para se manter no país. O objetivo do Brasil, na época da construção, era fornecer energia para o principal parque industrial brasileiro, que era a região Sudeste."

Fonte: Invertia Invertia
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