Leilão de aeroportos: embate entre governo federal e o Rio ameaça nova rodada
Prefeitura do Rio quer limitar, no processo de concessão, alcance de voos a partir do Santos Dumont, para que o aeroporto de Galeão não seja prejudicado
BRASÍLIA - A sétima e última rodada de concessões de aeroportos federais para a iniciativa privada, programada para ocorrer no primeiro semestre de 2022, promete ser uma das mais quentes em termos de disputa - e também em polêmica. O leilão deve contar com as "joias da coroa" do programa, os terminais de Congonhas (SP) e Santos Dumont (RJ). Mas já provoca um embate entre o governo federal e o Rio de Janeiro, que teme a fragilização ainda maior do Aeroporto Internacional do Galeão (RJ) a partir do modelo de privatização previsto para o Santos Dumont. Judicializar o leilão é uma das alternativas consideradas pela prefeitura do Rio.
As discussões têm arrancado declarações incisivas de ambos os lados, também com o envolvimento direto do prefeito da capital fluminense, Eduardo Paes (PSD). "Haverá mobilização política muito forte. A cidade do Rio e o Estado exigem respeito na forma como o governo federal vem tratando essa questão", afirmou Paes durante sessão de debates promovida pelo Senado na sexta-feira, 22.
Ideia rejeitada dentro do Ministério da Infraestrutura, a prefeitura do Rio quer que o Santos Dumont, localizado no centro da capital, seja concedido à iniciativa privada com restrições. A defesa é para que o aeroporto só opere voos diretos a terminais que estejam num raio de 500 km, liberando, como exceção, o aeroporto de Brasília. Dessa forma, aeroportos da região Nordeste, Norte e Sul ficariam de fora da regra de perímetro, o que, na visão da prefeitura, estimularia as empresas aéreas a transferirem seus voos para o Galeão, que fica na Ilha do Governador. Essa regulação poderia ser flexibilizada caso haja um aumento no número de passageiros dentro do mercado.
Ao Estadão/Broadcast, o secretário de Desenvolvimento Econômico, Inovação e Simplificação da cidade do Rio, Chicão Bulhões, afirmou que, se a modelagem da concessão não for alterada pelo governo, "sem dúvida" a prefeitura entrará na Justiça para contestar o formato atual.
"É um problema que já existe hoje e será aprofundado se a concessão do Santos Dumont for feita nesses moldes", afirmou Bulhões sobre a participação do Galeão na malha aérea. Para o governo, no entanto, os problemas do aeroporto internacional não são causados pelo Santos Dumont, e sim pela conjuntura econômica do Rio e os problemas de acesso ao Galeão.
Desafios financeiros
Antes mesmo da pandemia, a situação do terminal já acendia uma luz amarela. Leiloada em 2013 no governo Dilma, a concessão do Galeão é criticada pela forma como foi encaminhada. Na avaliação do Ministério da Infraestrutura, existem desafios financeiros na operação, depois de o terminal ser arrematado por R$ 19 bilhões, com ágio de quase 300%.
Segundo a prefeitura do Rio, um equilíbrio estável de competição entre os dois aeroportos demandaria um mínimo de 30 milhões de passageiros por ano no sistema. Em 2019, no entanto, Galeão e Santos Dumont movimentaram 24 milhões de passageiros - 14 milhões e 10 milhões, respectivamente. "Enquanto não atingimos o patamar mínimo, precisamos de um sistema de regulação onde as duas não concessões não se prejudiquem", disse Bulhões.
O governo vê a saída defendida pelo Rio como problemática por retirar do passageiro a liberdade de escolha entre os dois terminais. "A experiência mostra que a melhor solução para o passageiro e para a companhia aérea é a liberdade de escolha, a competição. Essa restrição é muito complicada dentro de um País democrático, com uma Constituição liberal no ponto de vista econômico. Não podemos obrigar a companhia e o passageiro a voarem pelo Galeão e não pelo Santos Dumont", disse o secretário Nacional de Aviação Civil do Ministério da Infraestrutura, Ronei Glanzmann.
Bulhões afirmou que a prefeitura não quer "entrar na decisão" do passageiro. "Entendemos que os passageiros sempre vão escolher o que é melhor para eles", disse o secretário. Ele reconhece, por sua vez, que se o Santos Dumont tiver restrições de rotas, para o passageiro conseguir um voo direto ao destino que ultrapasse o raio de 500 km, ele terá obrigatoriamente de optar pelo Galeão. "Se ele quiser um voo direto, sim, mas sabemos que têm voos com opção de escala", disse Bulhões.
Sobre os riscos de judicialização, Glanzmann disse esperar que a discussão não chegue a esse ponto. "Estamos exatamente no debate, com a audiência pública. Esperamos que isso não judicialize. Estamos muito convictos dos nossos argumentos", afirmou o secretário de Aviação.
Procurada, a concessionária RIOgaleão afirmou que vem atuando há sete anos pelo desenvolvimento do setor aéreo do Rio de Janeiro e que, como concessionária de serviço público, prefere não se manifestar a respeito do processo da sétima rodada de concessão de aeroportos.
Última rodada
Pelos planos do governo, o Santos Dumont será leiloado no próximo ano junto de outros 15 terminais, que compõem a última rodada de concessões aeroportuárias. Ao todo, serão R$ 8,8 bilhões em investimentos durante os 30 anos da concessão. Quem arrematar o aeroporto o Santos Dumont também precisará administrar os terminais de Jacarepaguá (RJ), de Montes Claros (MG), Uberlândia (MG) e Uberaba (MG). Os outros dois blocos são comandados por Congonhas (SP) e o aeroporto de Belém (PA).
O lance mínimo inicial total para os blocos soma R$ 897,7 milhões. Esse valor de outorga, no entanto, tem potencial de subir com a disputa entre os investidores para arrematar os aeroportos. De acordo com a Anac, somados, os três contratos têm valor estimado de R$ 22,3 bilhões. A consulta pública sobre a 7ª rodada ficará aberta até 8 de novembro.