Lições da pandemia
Só evoluiremos se soubermos aprender com a adversidade. E estamos aprendendo muito nesta pandemia. Aprendemos a exercitar a gratidão, como aquela enorme que devotamos aos que trabalham nos hospitais, arriscando suas vidas para salvar outras tantas; a prestar solidariedade àqueles que mais têm necessidades.
Outra lição nos impactou, quando já estávamos acostumados a olhar diariamente para coisas inaceitáveis, sem enxergar de fato sua real brutalidade: enfim nos demos conta de que não mais podemos tolerar a desigualdade perversa dentro da sociedade brasileira.
Não podemos mais aceitar passivamente que existam famílias em habitações precárias, em grandes ocupações urbanas totalmente desprovidas de saneamento básico e sem acesso a serviços essenciais.
Como isso se produziu, resultando num número vergonhoso e intolerável de sub-habitações?
Tomemos o exemplo da maior cidade do País, a capital de São Paulo. Até a década de 60 do século passado, o desenho urbano foi produzido pelos loteamentos projetados e implantados dentro da lei.
Os trabalhadores conseguiam adquirir um lote, pagando seu valor a prazo e neles edificavam suas casas. Outros, adquiriam casas ou apartamentos em raros edifícios multifamiliares, sem que ainda houvesse um sistema financeiro de habitação estruturado para o pagamento a longo prazo. Nos chamados bairros operários, havia mais casas próprias frente a casas alugadas, em situação inversa à dos bairros mais centrais.
Com o esgotamento de grandes glebas dentro do espaço urbano, não mais se aprovaram novos loteamentos, que desapareceram totalmente depois de 1971 (Plano Diretor) e 1972 (Lei de Uso e Ocupação do Solo Urbano), na gestão do prefeito Figueiredo Ferraz, cujo objetivo declarado era interromper o crescimento da cidade.
Concomitantemente, floresceram loteamentos clandestinos, ocupações desordenadas e até ocupações intencionalmente ordenadas, afrontando a legislação vigente sob as vistas do poder público, incapaz de exercer sua função de polícia e de exigência da obediência à lei.
Sem outra opção, os trabalhadores, que até então tinham a oportunidade de adquirir um lote oficialmente produzido ou de alugar uma casa também construída de acordo com a legislação, submeteram-se a viver com suas famílias em barracos desumanos.
É preciso entender que esta situação tem de ser enfrentada em todo o espaço nacional, onde a população urbana aumenta a cada ano. As cidades tem de crescer e se organizar para abrigar decentemente a habitação, o trabalho e a vida dos brasileiros.
Quando elevamos nossa voz em defesa da simplificação das aprovações para toda e qualquer atividade a ser exercida dentro da lei, com integral respeito ao meio ambiente e às exigências urbanísticas, é porque há licenças que levam anos para serem outorgadas.
Só quem tem espírito empreendedor e teimosamente se submete à lei sabe o quanto no Brasil é penoso e difícil obter uma licença, tendo de enfrentar o emaranhado burocrático e a resistência corporativa daqueles que se aproveitam desta situação, tanto para garantir nichos de "especialistas" ou de "facilitadores", quanto para praticar extorsão.
Outra notável lição foi tomar consciência de que o Estado, ao abrigar toda uma casta privilegiada, tornou-se um fim em si mesmo, deixando de atender adequadamente à multidão dos contribuintes que o mantém, tornando inexorável reconduzi-lo a seu papel verdadeiro de um ente a serviço da Nação.
Já vigora a Lei de Liberdade Econômica e se faz necessário aplicá-la, para soltar as amarras do empreendimento à espera de voltar a crescer solidamente.
Sairemos maiores e melhores desta quadra angustiante se soubermos vencer os obstáculos que impedem o trabalho consciente e diligente, levando assim toda nossa população à condição de dignidade humana que merece e à qual tem absoluto direito.
E serão esta tomada de consciência e as ações dela decorrentes a maior lição da pandemia.
*EX-PRESIDENTES E MEMBROS DO CONSELHO CONSULTIVO DO SECOVI-SP