Lupi diz que fila do INSS é 'desafio' e avalia propor mudanças em reforma da Previdência
Presidente do PDT, ele vai se licenciar do cargo para assumir o ministério no governo Lula
BRASÍLIA - O futuro ministro da Previdência Social, Carlos Lupi, declarou em entrevista ao Estadão que tem como "desafio" reduzir a fila de mais de 1 milhão de requerimentos de pedidos de benefício ao Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS). Ele disse também que avalia propor mudanças na reforma da Previdência proposta pelo governo de Jair Bolsonaro (PL) e aprovada pelo Congresso em 2019.
O futuro ministro, que sempre foi contrário às mudanças nas regras para se aposentar, citou dois pontos: criticou a idade mínima de 62 anos para aposentadoria de mulheres e sinalizou que vai tentar adotar um "critério regional" para conceder o benefício.
Na época da discussão da reforma da Previdência, especialistas mostraram que a fixação de uma idade mínima para todas as aposentadorias no Brasil contribuía para reduzir a desigualdade regional na concessão de benefícios, já que as regras anteriores permitiam que trabalhadores das Regiões Sul e Sudeste se aposentassem antes por tempo de contribuição e usufruíssem do benefício por mais tempo.
Ele também falou sobre medidas para facilitar a contribuição ao INSS de trabalhadores que não têm carteira assinada, como entregadores de aplicativos.
Sobre as negociações políticas para assumir a pasta, Lupi disse que passou por um processo de quase dois meses em que teve que convencer o PDT, partido do qual ele é presidente nacional, a aceitar comandar a pasta durante o futuro governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). De acordo com o dirigente partidário, Lula ofereceu o cargo poucos dias depois de ganhar a eleição presidencial.
O dirigente afirmou que vai se afastar do comando do partido. A pedido do ex-presidenciável do PDT Ciro Gomes, o deputado André Figueiredo (PDT-CE) entra no lugar de Lupi. Figueiredo é o líder da sigla na Câmara e vai acumular as duas funções. Sobre Ciro, apesar das duras críticas que o ex-governador do Ceará fez a Lula, Lupi disse que ele não será oposição ao novo governo.
Leia a entrevista:
Quais serão suas prioridades como ministro?
Estou pedindo para o jurídico estudar para ver se a gente consegue fazer convênios com os Estados e municípios, para ajudarem em mutirão, para evitar fila (do INSS). Porque Estado e município já tem pessoal, mas às vezes falta um chefe, porque tem poucos quadros do INSS, uma pessoa do INSS para chefiar, uma parte burocrática na prefeitura, Estado, onde a gente conseguir. Isso é uma ideia que eu tive e que já fiz em outros momentos como ministro do Trabalho. Essa questão é a principal, é a mais quente. (Outra tarefa é) Separar o que é aposentadoria, o que é pensão, o que é BPC, Benefício da Prestação Continuada (pago a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda). São três realidades diferentes. Tem que entrar no Benefício da Prestação Continuada para ver que tipo de acidente de trabalho precisa receber aquele auxílio doença, tem que ver a possibilidade com Estado e município de fazer os hospitais públicos, tem sempre alguém do ministério acompanhando. São coisas que ainda estão em estudo, estou pensando porque minha tarefa é acabar com a fila.
já decidiu quem vai compor a equipe? Dataprev, INSS?
Ainda não porque ainda não tenho estrutura nomeada, só no dia 1º que o presidente vai assinar. O vice-presidente Alckmin vai me mandar o que foi feito dos estudos e aí depois a gente começa a ver. Eu sei que tanto o INSS, quanto o Dapaprev são exclusivos de funcionários. Com raras exceções tem um chefe aqui, um presidente acolá. Tem concurso parado, tem que chamar gente de concurso, faz muitos anos que não foram chamados. O que não falta é trabalho. É o maior desafio da minha vida que vou enfrentar.
O senhor avalia mudar algo da reforma da Previdência aprovada em 2019?
Eu vou criar uma comissão tripartite dentro do gabinete do ministro para estudar isso. Eu não posso ter nenhuma decisão precipitada. Minha ideia é criar uma comissão tripartite para analisar isso, com representantes da sociedade civil, representantes de gente de classe patronal, de empregado. Criar uma comissão para dar um prazo e estudar isso.
Quais mudanças podem ser feitas?
Não sei porque ainda não estudei. Não posso me antecipar. Tem algumas coisas que eu acho absurdas, mas tenho que estudar para ver como viabiliza.
O que acha absurdo?
Essa questão da mulher. Por que 60 para mulher (a idade mínima aprovada como regra geral foi de 62 anos para mulheres)? A realidade da mulher do Nordeste é uma coisa, da mulher do Sul é outra. São coisas importantes. Outra coisa importante, temos que fazer com que as pessoas contribuam. Em serviço informal você tem que criar um sistema mais fácil para contribuir com a Previdência. Hoje Uber trabalha em casa e ninguém contribui para a Previdência. É dinheiro que se deixa de arrecadar. Em vez de pensar que Previdência é prejuízo, tem que pensar que é investimento e como melhorar a arrecadação. Isso eu já estou com minha cabeça aqui em erupção pensando.
O PDT inicialmente queria o ministério do Trabalho. O senhor teve que convencer o partido a aceitar a Previdência? Como foi esse processo?
Desde o começo o Lula tinha feito esse indicativo, tinha falado com a Gleisi (presidente do PT). É que nós mesmos ficamos ali com a questão da bancada e acabou afunilando. Logo depois da posse, ele me falou. Tem mais de 20 dias que ele tinha falado que gostaria da gente na Previdência. A gente que ficou um pouco na dúvida. Eu não fiquei em dúvida, mas a bancada do PDT ficou. Eles queriam muito um ministério de prestação de conta, que pudesse mexer com a sociedade. Eu falei o seguinte: "Meu irmão, a Previdência tem benefício para 35 milhões de brasileiros. Se vocês acham que tratar de 35 milhões de brasileiros é pouco, então vou desistir da vida pública". Agora, tem que ser eficiente, tem que ser competente, tem que mostrar diferença, isso eu não sei serei. Mas que vou me esforçar, eu vou. Tem 35 milhões de beneficiados, bota uma média de quatro pessoas por família, você está atendendo quase dois terços da população brasileira direta ou indiretamente. É trabalhoso, é desafio, é complexo, mas eu adoro essas coisas.
Chegou a falar com Ciro Gomes sobre o ministério? Ele fez alguma crítica?
Falei com ele desde a primeira vez (que Lula falou sobre o ministério). Ele acha que a gente não tinha como se negar a estar ajudando o governo porque é um governo do nosso campo. E ele sempre achou que devia ser eu porque tenho relação, Lula gosta de mim, porque sou presidente do partido.
O PDT vai ser base?
Vamos ser base. Desde a vitória do Lula quando a gente apoiou no segundo turno a gente anunciou isso. Temos que salvar o Brasil. As diferenças nós separamos, mas temos que salvar o Brasil.
Acredita que há possibilidade de Ciro voltar a ser aliado de Lula ou é um caminho sem volta a escolha dele de se afastar do petista?
Se lembrar o que foi a campanha de 1989 com Brizola, ia achar que (Ciro e Lula em 2022) foi moderado. Era xingamento, o pau comia e depois os dois estavam juntos. Isso é da vida. Ciro tem o tempo dele, deixa decantar o tempo dele. Vai apontar só a diferença, mas oposição não vai ser.
O PT tem 11 ministros. Acha que é um espaço excessivo?
Eles ganharam o governo. Quem ganha o governo e não quer governar? Ganharam, então tem que pedir maioria deles mesmo. É óbvio, isso aí se fosse eu, faria o mesmo. Quando Brizola foi governador (do Rio) ele fez o mesmo. Quem ganha, quer governar.
Vai sair da presidência do PDT? Se sim, quem vai ser o novo presidente?
É obrigatório agora, já é uma regra obrigatória (sair do comando do partido quando assume ministério). É o André Figueiredo (próximo presidente do PDT), primeiro-vice é ele. São três (vices), ele, a Miguelina (Vecchio) e o Ciro. O Ciro já pediu para ser ele (Figueiredo) e vai ser ele. Vai acumular (com a liderança do partido na Câmara), não tem incompatibilidade, até facilita.