Luta por subsídios é esporte nacional; leia artigo
Desoneração da folha de pagamentos e reforma tributária são casos do tipo; neste jogo, o Brasil sempre perde
O Senado aprovou recentemente a prorrogação por mais quatro anos da desoneração da folha de pagamentos para 17 setores da Economia. O benefício começou em 2011 com a Lei n.º 12.546, que previa seu término para dezembro de 2014. Agora, o subsídio foi estendido para 2027. Os beneficiados alegam razões meritórias, evidentemente. São os setores que mais empregam? Não exatamente. Em artigo publicado no Radar Ipea (Os setores que mais (des)empregam no Brasil), o pesquisador Marcos Hecksher argumenta que outros setores empregam mais e que os apaniguados reduziram postos de trabalho na última década, ao contrário de vários outros, que não contaram com o benefício. Já antes, em estudo de 2018, outros economistas do mesmo Ipea já haviam concluído pela "ausência de efeitos da política (de desoneração) sobre o volume de emprego" (Impacto da Desoneração da Folha de Pagamento sobre o Emprego: Novas Evidências, de F. Garcia, A. Sachsida e A. Carvalho). Difícil encontrar justificativas econômicas para o mimo, que surgiu há 12 anos para ser temporário. Podemos contar com nova prorrogação daqui a quatro anos.
Algo similar ocorre com a proposta de reforma tributária, exposta hoje ao apetite vulturino de setores organizados que se apresentam como merecedores de alíquotas mais baixas do novo Imposto sobre Valor Agregado (IVA). Até agora, 207 emendas foram acolhidas pelo relator do projeto no Senado, que não exclui a possibilidade de que novas exceções sejam adicionadas. No Orçamento de 2024, a renúncia tributária supera R$ 520 bilhões, 15% a mais do que o estimado para 2023. O Ministério do Planejamento calculou que os subsídios tributários alcançaram 4,65% do PIB em 2022, o nível mais alto da série histórica. Os três maiores benefícios (Simples Nacional, setor agrícola e rendimentos isentos e não tributáveis no IRPF) representaram 43% do total. O setor automotivo foi galardoado com R$ 8,8 bilhões no ano passado, mais que os R$ 6,2 bilhões que tinha recebido em 2021. O nível de emprego passou de 101,2 mil em dezembro de 2020 para 101,9 mil em dezembro de 2022, aumento de 0,66%. Merreca. Quem pode pressiona; quem se esforça leva. Os outros pagam a conta. O contrato social que engendramos é pernicioso às finanças públicas, até porque o próprio sistema político vigente depende da troca de favores, do que resulta a subordinação de um fragílimo projeto nacional às conveniências de grupos organizados. Lutar por subsídios se transformou em um esporte nacional. Como em qualquer disputa, há sempre ganhadores e perdedores. No jogo que inventamos, no entanto, o Brasil sempre perde.
Luís Eduardo Assis, Economista, autor de 'O Poder das Ideias Erradas' (Ed. Almedina), foi diretor de Política Monetária do Banco Central e professor de Economia da PUC-SP e FGV-SP