Mapa do calote: os Estados com o maior número de pessoas com as contas no vermelho
Em cinco unidades da Federação, mais da metade da população adulta estava inadimplente em março, segundo dados da Serasa
Nunca houve tantos brasileiros adultos inadimplentes, especialmente aqueles que vivem em centros urbanos ligados à indústria e à prestação de serviços, que ainda sentem do baque provocado pela pandemia. Em março, na média do País, 43,43% da população com mais de 18 anos de idade tinha deixado de pagar dívidas. É a marca recorde da série iniciada em novembro de 2016 pela Serasa, empresa especializada em informações financeiras.
Também o resultado é pior comparado a março de 2020, quando a pandemia mal tinha começado. Naquele mês, a fatia dos inadimplentes na população adulta era de 41,20%.
O calote elevado emperra o crescimento da economia, tanto é que o tema foi alvo de promessas de campanha dos candidatos à Presidência da República. O lançamento do Desenrola, programa do governo federal de renegociação de dívidas das pessoas físicas, está atrasado, à espera de soluções para questões técnicas.
"Estados mais ligados ao setor de serviços, à indústria ou grandes centros urbanos estão em situação pior", afirma o economista da Serasa e responsável pelo levantamento, Luiz Rabi. Em março de 2020, o Rio de Janeiro ocupava a sexta posição no ranking dos mais inadimplentes e hoje está na liderança.
Além da falta de dinamismo da economia do Rio, sem um setor rural forte ou cadeia exportadora - exceto o petróleo em alguns municípios -, segundo análise de Rabi, o Estado depende muito dos serviços, especialmente do turismo, que parou na pandemia.
No caso do Amapá, vice-líder do calote, e do Amazonas, ele observa que o fator preponderante é o fato de serem muito pobres. Rabi lembra que o Amazonas tem a Zona Franca de Manaus (AM), mas, na sua avaliação, ela não gera tanta movimentação nas cadeias produtivas.
Já o Distrito Federal está a ligado ao enfraquecimento dos serviços.. No caso do Mato Grosso, apesar de ser um polo do agronegócio, a renda per capita é menor comparada à do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, também fortes na agropecuária, mas cuja parcela de inadimplentes entre os adultos não chega 40% em ambos Estados.
"A principal variável que afeta a inadimplência é a renda", afirma o economista. Foi exatamente a corrosão da renda pelo aumento da inflação, sobretudo dos preços de produtos e serviços ligados ao carro, que fez Renan Laurentino, de 35 anos, morador do bairro de Pechincha, Zona Oeste do Rio, ficar inadimplente.
Ele trabalhava como motorista de aplicativo e viu suas despesas com combustíveis e manutenção do veículo crescerem e as receitas das corridas irem diminuindo. "Comecei acumular despesas no cartão de crédito, peguei empréstimo no banco para quitar e aí começou a bola de neve", conta.
A dívida com o banco, que chegou a R$ 15 mil, Laurentino conseguiu quitar na semana passada porque voltou a trabalhar como carteira assinada em uma empresa de alarmes. Estudante de Fisioterapia, agora a sua pendência é com a faculdade, onde acumula dívida de R$ 8 mil. "Ainda não sentei para conversar com eles, mas pretendo voltar para a estudar em agosto e preciso estar com isso regularizado até lá."
Michael Burt, economista da LCA Consultores, lembra que desde o início da pandemia a inadimplência caiu para a mínima histórica porque houve uma grande renegociação de dívidas e a taxa básica de juros, a Selic, recuou para 2% ao ano. "Houve um alongamento da curva de dívida das famílias", afirma.
Mas o calote começou a subir a partir do final de 2021 em razão da disparada da inflação. A alta de preços prejudicou principalmente as camadas de menor renda, como a enfermeira cearense, que conversou com a reportagem sob a condição de anonimato.
Ela, que tem 28 anos, vive em Tauá, a 330 quilômetros de Fortaleza, no sertão do Ceará, o Estado que mais ampliou a fatia de inadimplentes na população durante a pandemia, deixou de pagar o financiamento estudantil desde novembro do ano passado. Empregada e com renda na faixa de R$ 2,5 mil, ela deve hoje cerca de R$ 6,5 mil e nunca tinha ido parar na lista do calote.
"O que me levou à inadimplência foi a carestia", diz a enfermeira. A saída para conseguir cobrir as despesas básicas, como a do supermercado que antes ela gastava R$ 400 por mês e hoje não sai por menos de R$ 700, foi deixar de pagar o financiamento estudantil. Por enquanto, ela não vê chance de quitá-lo. "Estou no limite."
Polo oposto
Enquanto o Rio de Janeiro está no topo da lista do calote, três Estados estão no polo oposto. Piauí com 36,67% da população adulta inadimplente, é o último do ranking, superando Santa Catarina (36,74%) e Maranhão (38,41%).
Rabi aponta que os benefícios sociais, tanto do governo federal como programas específicos dos Estados, como fator de peso para o bom desempenho da inadimplência. "Até o ano passado, Piauí e Maranhão eram Estados que porcentualmente mais recebiam os benefícios do Bolsa Família", afirma.
De acordo levantamento da LCA Consultores, a partir de dados do Ministério do Desenvolvimento Social, em fevereiro deste ano, o Piauí foi a unidade da federação que mais recebeu Bolsa Família com parcela da população, 19,4%. Maranhão também figura entre os mais beneficiados, com 17,5%.
Burt, da LCA, acredita que o melhor desempenho da inadimplência do Piauí e do Maranhão também esteja ligado às maiores facilidades na renegociação de dívidas. Embora não tenha feito estudo a respeito, ele concorda com Rabi e intuitivamente acha que o benefício social deve ter tido impacto na renda da população.
Já os motivos que levaram Santa Catarina a estar bem no foto da inadimplência são a combinação da forte cadeia exportadora ligada ao agronegócio de carnes e aves, com renda média alta e uma taxa de desemprego que chega a ser a metade da média nacional. "Santa Catarina é a Suíça brasileira", compara Rabi.
Tendência da inadimplência
Para o economista da LCA, 43% dos brasileiros adultos estarem hoje inadimplentes é "muita coisa". Isso porque, embora o endividamento tenha recuado nos últimos meses (30,8% em fevereiro, segundo o Banco Central), o patamar é elevado e comprometimento da renda das famílias com pagamento de juros está no pico da série do BC. "Tão cedo a inadimplência não deve se resolver", afirma.
A inadimplência da carteira livre de crédito para pessoa física (recursos livres) medida pelo Banco Central que em março estava em 6,2% dos créditos a receber deve ir a 6,8% em dezembro, segundo Burt. Ele vincula a melhora do calote ao controle da inflação e ao recuo dos juros para um patamar que estimule a atividade, o emprego e melhore a renda das famílias.
O CFO da Renner, Daniel dos Santos, disse na semana passada, na apresentação de resultados do primeiro trimestre, que o cenário de crédito continua desafiador. Na sua análise, a carteira de crédito da varejista deve continuar pressionada no segundo trimestre e com melhora no segundo semestre.
"Estamos chegando ao esgotamento da alta da inadimplência", diz Rabi, da Serasa. No entanto, isso não significa que haverá queda no índice. Para ele, o calote deve continuar subindo nos próximos meses, porém em ritmo mais lento. O economista acha que ainda é cedo para falar em reversão da inadimplência e acredita que demore cerca de dois trimestres para que o calote recue.