‘Me senti um número’: Relatos das pessoas demitidas em massa
Pessoas que pasaram pelos "layoffs", demissões em massa de startups contam sobre sua experiência
Beatriz Silva conta que, além de bons benefícios que tinha na startup onde trabalhava, o principal motivo para gostar do emprego era a característica humana da empresa na gestão, a empatia com os funcionários. O que não se aplicou na última lembrança na companhia: “No momento do desligamento me senti um número, não era a forma como eu esperava”.
Junto com ela, 250 funcionários foram desligados.
Os layoffs, ou demissões em massa, estão afetando diversas startups, que já demitiram aproximadamente mil funcionários no Brasil. O movimento é global e afetou também as big techs, maiores empresas de tecnologia do mundo.
Beatriz trabalhou por quase quatro anos na Loggi, principalmente na área de treinamento, do final de 2019 até fevereiro de 2023. Ela foi surpreendida pela demissão dois dias antes das férias, com uma viagem que estava programada há muito tempo: “Vim para as minhas férias com o coração na mão, e acabou sendo uma viagem pra eu não enlouquecer, porque o momento foi bem doloroso. Mas eu não podia deixar o luto me levar, já estou procurando outras oportunidades”, relata.
Em agosto de 2022 a empresa já havia feito uma leva de demissões de 15% do quadro, o que deixou os funcionários apreensivos. De acordo com Beatriz, nas “all hands meeting”, reuniões de todos os funcionários, se tornou comum haver questionamentos sobre o tema, mas representantes da empresa teriam dito que até abril isso não aconteceria. Por isso o choque ao ser demitida em fevereiro.
Apesar de tudo, Beatriz diz que, em certa medida, entende o ocorrido: “Eu tinha uma gestora incrível, mas na demissão não tinha o que falar, por melhor que fosse”. O que mais afetou a “ex-logger” foi não entender por que foi afetada pelo corte: “A gente se pergunta onde errou, por que aconteceu isso com a gente”.
A tese que ela tem é de que foram demitidas pessoas com mais tempo de casa, mas é apenas uma teoria para tapar o buraco deixado pela falta de explicações da empresa: “Não explicaram nenhum critério”.
Beatriz não precisou cumprir nenhum período de aviso prévio: “A partir do momento que foi comunicado o desligamento, em segundos foi interrompido o acesso do Gmail e do Slack, se tivesse coisas pessoais no e-mail não havia chance de resgatar”.
Tentando entender o “problema”
Outra pessoa que passou por uma demissão em massa foi a analista de atendimento Paula Neiva, que esteve na Conta Simples de outubro de 2021 até novembro de 2022. No momento de sua demissão, Paula não imaginava se tratar de uma demissão em massa, por isso conta que “passou o dia mal, pensando em qual seria o problema”.
A reunião de desligamento, como para outras pessoas entrevistadas pela reportagem, foi rápida e sem muitas explicações. Apenas no dia seguinte ela descobriu, pelo LinkedIn, ser uma demissão em massa.
O “layoff” da Conta Simples aconteceu depois de vários outros ocorridos em startups, mas a startup havia tranquilizado os funcionários: “A empresa chamou todo mundo pra conversar e disseram ‘fiquem tranquilos, a Conta Simples tem uma saúde financeira maravilhosa, caixa para dois anos’”, contou.
Em agosto de 2022, a empresa anunciou a compra de outra empresa (a Hackr Ads), e então Paula se sentiu mais segura: “Pensei, se adquiriram outra empresa é porque a saúde financeira realmente está maravilhosa”, disse. Mas três meses depois os funcionários da Conta Simples entraram para as estatísticas de layoffs: “Foi um choque pra todo mundo”.
Antes de trabalhar na Conta Simples, Paula já havia trabalhado em outra startup, a 99. Ela conta que gostava do trabalho, mas saiu da empresa por enfrentar problemas com a gestão e alta carga de trabalho, entre outras questões: “Quando eu estava trabalhando mais do que eu podia e recebendo pouco por aquilo comecei a me questionar se esse era o melhor pra mim”.
Ela relata porque demorou para pensar em sair dessa situação: “Existe uma pegada muito triste de endomarketing dentro das startups que infelizmente faz a gente cair em algumas armadilhas”. Paula relaciona o clima dentro das startups ao de uma religião: “Eu fui pega por isso e percebi quando eu saí”, conclui.
Sobre sua experiência, Paula conclui: “Quando uma startup está no momento de crescimento é legal de estar lá, mas depois de um tempo fica insustentável”, se referindo ao modelo de negócios das startups de “queimar dinheiro”, receber aporte e não gerar lucro: “Depois de um certo tempo, aí a empresa tem que se provar, e é nessa hora que começam os desafios. Então no começo é muito legal, porque você pode crescer junto. Se você sair antes, ótimo, se não você vai sofrer junto com a empresa”.