Medo de lidar com dinheiro? Especialistas dão dicas para combater a 'fobia financeira'
Para planejadoras financeiras, é possível, aos poucos, mudar a percepção sobre o dinheiro
A "fobia financeira", apesar de não ser, em si, uma doença ou um transtorno, é um problema presente na vida de muitos brasileiros. Especialistas ouvidas pelo Terra explicam que essa dificuldade de lidar com o dinheiro, na verdade, tem raízes no comportamento individual.
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Como explica a professora de Finanças da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Myrian Lund, que também atua como planejadora financeira pessoal, essa questão tem sido estudada desde meados dos anos 1980 e ganhou ainda mais foco nos anos 2000, quando o psicólogo e economista Daniel Kahneman ganhou um Prêmio Nobel de Economia com pesquisas voltadas à economia comportamental.
"A economia sempre foi tratada como uma ciência matemática, onde os números não enganam. Só que existem aspectos comportamentais que passam pelas pessoas, mexem com comportamentos e acabam tendo reflexo na vida de todo mundo", afirma Myrian.
Ela conta que, em meio a esses comportamentos, existem as heurísticas – que são atalhos mentais que usamos em nossas vidas para tomar decisões. Elas surgem a partir de informações que recebemos, do que nos representa e de dados aos quais nos ancoramos, sejam eles verdadeiros ou não.
"Essas heurísticas fazem com que as pessoas tomem decisões e, à medida que essas decisões estão erradas e a pessoa continua tomando decisões em cima delas, acabam virando vieses, decisões enviesadas", complementa.
Ela cita o "viés do avestruz" como exemplo relacionado ao medo de lidar com dinheiro. O animal, que afunda a cabeça na terra, seria uma analogia às pessoas que gastam dinheiro demais no cartão mas, depois, não querem olhar os gastos.
"Nós não somos tão racionais, nós somos humanos. E como humanos, tomamos decisões erradas", afirma.
O que fazer para mudar?
Myrian Lund encara o medo de lidar com o dinheiro como um hábito. Para ela, como planejadora financeira, um dos caminhos para tratar a questão é tornar o planejamento também um hábito. Inclusive, planejamento esse que deve ser feito em uma planilha, não em "contabilidade mental", justamente para evitar que gastos menores, do dia a dia, se percam.
Sua dica é que quem tem dificuldade em organizar as finanças opte por construir um planejamento com visão anual. Assim, é possível entender os ganhos e gastos ao longo dos meses – e já contar com a previsão, por exemplo, de quando terá um 'extra' de férias ou 13º salário, por exemplo. Essa é uma forma de a pessoa ter um panorama geral e fazer escolhas mais conscientes e estratégicas, tendo a planilha como guia ao tomar decisões.
"Nós temos o poder de escolha. Mas para fazer realmente escolhas de qualidade, que estejam aderentes com a nossa vida, com nossos sonhos e objetivos, é necessário que a gente tenha essa visão maior. [...] É mostrar para as pessoas que não é difícil. 'Eu consigo sair de dívidas', 'Eu consigo refazer minha vida', mas isso se eu parar, analisar e ter uma visão estratégica da situação", recomenda Myrian Lund.
Questão para todos
Para Ana Leoni, especialista em comportamento financeiro e educadora financeira, a chamada "fobia financeira" atinge todos, em maior ou menor grau. E não é necessariamente relacionado à falta de dinheiro, mas ao fato de ter dificuldade de enfrentar as questões financeiras.
"As aflições financeiras dependem do tamanho do bolso. Então, quando a gente estratifica a sociedade brasileira, cada camada tem a sua aflição. Aquela mais baixa ali, da base da nossa pirâmide, é a aflição de fato de ter que gerir e viver com recursos tão escassos. Depois a gente tem o meião da pirâmide, que a aflição reside muito mais naquele medo de perder aquilo que foi conquistado. E quando a gente chega no topo da pirâmide, a aflição está muito mais ligada a perder o conforto, perder o status, principalmente da próxima geração, de os filhos não gozarem do mesmo conforto financeiro que os pais", explica Ana Leoni.
Mesmo assim, no geral, Ana avalia ser importante analisar o que está por trás desse medo de lidar com o dinheiro. Uma vez que o dinheiro simboliza coisas – como a recompensa de um trabalho bem sucedido, uma posição social, um estado de tranquilidade e até mesmo de segurança – a "fobia financeira" pode vir como uma insegurança em lidar com os diversos aspectos da vida.
"Quando você abre um extrato bancário, você abre uma fatura de cartão de crédito, você vai dar de cara com decisões que você tomou e que, muitas vezes, são decisões que no presente não foram tão benéficas para o seu futuro. Então você tem aquela sensação de arrependimento… 'Por que eu comprei isso e não guardei' ou 'Por que eu guardei e não vivi a vida que eu poderia viver?'", analisa a especialista.
Seguir com esse medo pode causar, principalmente, desequilíbrio financeiro.
"Muitas pessoas até têm renda, nem têm tantos gastos, mas por elas negligenciarem esse trato com o dinheiro, elas acabam tornando a vida financeira um caos. Às vezes, precisa de poucas coisas para se ajustar ali um orçamento e a pessoa encontrar o equilíbrio e depois a independência financeira", acredita.
Sua dica, portanto, é que o medo seja encarado com a ajuda de especialistas na área de finanças. Ela brinca: "Aquele bicho papão que a gente acha que está embaixo da cama, quando paramos pra ver, não é tão grande assim".
Em casos em que o desconforto segue uma questão, buscar ajuda especializada com um psicólogo é o ideal a ser feito, em um primeiro momento.
"A gente não perde o medo ou o receio de lidar com qualquer coisa do dia para a noite. É um processo e o primeiro passo é entender que tem essa fobia e que ela tem uma possibilidade de ser revertida com tempo, paciência e dedicação", finaliza.