Mesmo com ensino técnico, pedreira não consegue emprego
Mulheres são 63% das matriculadas no Pronatec e, segundo instituições, avançam em profissões 'masculinas'
Ana Aline da Silva, 25 anos, diz que "não gosta de moleza". Por isso, quando terminou o ensino médio, resolveu que, em vez de ir para a universidade, "muito téorica", ia fazer um curso técnico de construção civil. Queria ser pedreira.
"É uma área muito concorrida no mercado de trabalho, não é só para homem", diz, antes mesmo de ser questionada sobre a fama de profissão "masculina".
Mas, após fazer um curso do Senai em Santa Izabel do Pará, ela não conseguiu emprego na área. Quando procurou empresas de construção, riram dela e disseram que ser pedreiro não era coisa para mulher.
"Disseram: lugar de mulher é na cozinha, canteiro de obras é muito pesado. Eu respondi que era capacitada e mesmo assim não me aceitaram", contou à BBC Brasil.
Depois disso, no ano passado, Aline fez um curso de auxiliar administrativo pelo Programa Nacional de Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), o programa de cursos profissionalizantes financiado pelo governo.
Ela diz que o que queria mesmo era trabalhar na construção civil. E aproveitou o curso do Senai para, junto com as irmãs, construir uma casa de alvenaria para a mãe, substituindo a antiga, de madeira.
Para onde vão as mulheres
Assim como Aline, cada vez mais mulheres estão tentando se inserir no mercado de trabalho por meio do ensino profissionalizante.
No Pronatec, por exemplo, 63% das participantes são mulheres. Mas não se sabe ao certo se elas estão, como Aline, se aventurando em áreas que vinham sendo tradicionalmente ocupadas por homens.
O Ministério da Educação não informou em quais cursos estão essas mulheres - mas acredita-se que muitas estejam fazendo, por exemplo, cursos de recepcionista e manicure e pedicure, que costumam estar entre os mais procurados pelo programa.
Apesar disso, instituições de formação profissional ouvidas pela reportagem afirmam que cada vez mais mulheres entram em cursos antes restritos aos homens.
No Senai do Pará, Estado de Aline, por exemplo, desde 2003 as matrículas de mulheres subiram de 12% do total para 29%. No curso de Construção, as mulheres eram 1% dos inscritos e agora já são 24%, quase um quarto do total. No de Marcenaria, passaram de 6% para 13%.
As mulheres continuam sendo maioria absoluta em cursos tradicionais, na área de costura industrial.
O fato de as mulheres serem maioria no Pronatec é compatível com a tendência brasileira de prevalência das mulheres entre os grupos mais escolarizados da população. Elas são maioria também no ensino superior, por exemplo.
Porém, segundo o IBGE, o salários dos homens, em média, continua sendo maior que o das mulheres.
'Empoderamento'
Para o governo federal, a formação de mulheres em cursos profissionalizantes é uma forma de "empoderamento" da mulher.
Simone Schäffer, da Secretaria de Políticas para Mulheres, diz que, nos cursos do Pronatec voltados para participantes do Brasil Sem Miséria, o índice de mulheres é de 68%.
As beneficiárias, que já haviam ganhado um protagonismo quando viraram as titulares do benefício do Bolsa Família (92% dos cartões estão em nomes de mulheres), ganham mais independência com a possibilidade de sair do programa de transferência de renda por meio do ensino técnico.
Segundo Schäffer, são mulheres de baixa renda, a maioria negras, que antes acabavam no mercado informal e em profissões que exigem menos qualificação, como a de domésticas, e agora estão entrando no mercado de trabalho formal.
"As mulheres estão tendo essa oportunidade muito em função de um aumento de políticas públicas como creche, que possibilita que consigam mais tempo para se qualificar. Como são voltados para área não tradicionalmente femininas, como construção civil, mecânica, tecnológica, isso abre mais espaço pra elas no mercado de trabalho", afirma.
Divisão sexual do trabalho
A pesquisadora Arlene Ricoldi, da Fundação Carlos Chagas, concorda que há um avanço no ingresso de mulheres no mercado de trabalho, mas diz que "a divisão sexual do trabalho é muito difícil de romper".
"Se um setor era majoritariamente masculino, e se torna majoritariamente feminino, certamente ocorreu uma desvalorização e queda de salários, o que fez os homens abandoná-lo. Isso aconteceu, historicamente, com o setor de tecelagem", afirma.
Arlene diz que avanços tecnológicos podem permitir que mulheres atuem em funções menos pesadas da construção civil, como azulejista, por exemplo, mas que os salários costumam ser menores. Afirma também que as mulheres muitas vezes trabalham em setores ou profissões majoritariamente masculinos, mas em funções femininas ou posições subalternas.
"Os espaços são abertos, mas a hierarquia da divisão sexual do trabalho se reconstrói do interior das profissões, das empresas e dos setores econômicos; afinal é um ordenamento social que está acima do cotidiano, e que estrutura as relações sociais."
A mudança passaria, segundo ela, pela formulação de políticas para facilitar a conciliação entre trabalho e família e por políticas de ação afirmativa.