Empreender com amigos exige cuidados para preservar relação
Abrir um negócio com uma pessoa querida pode ser ótimo, mas é preciso saber separar trabalho e amizade
A história é conhecida por muitos pequenos empresários: dois amigos se juntam para abrir um negócio, a coisa vai bem no começo, mas, depois de algum tempo, divergências levam a uma ruptura e às vezes o desentendimento vai parar na justiça, como aconteceu com os ex-amigos e ex-sócios Eduardo Saverin e Mark Zuckerberg, fundadores do Facebook. Por isso, na hora de empreender com amigos é preciso tomar alguns cuidados, alerta Paulo Alvarenga, consultor e sócio-diretor da Crescimentum, empresa especializada em desenvolvimento de líderes corporativos.
Para evitar que o trabalhe acabe com a relação – e com o próprio negócio – Alvarenga diz que é preciso, antes de mais nada, conhecer muito bem o amigo (e sócio) e saber separar amizade e relacionamento profissional. Conversar bastante e saber fazer concessões são outros pontos importantes. E quando os problemas surgirem é fundamental tomar decisões transparentes e baseadas nos valores que uniram a amizade e a sociedade. “A amizade pode ser abalada se um dos lados, nos momentos de crise, não estiver disposto a ser flexível e enxergar as coisas pela ótica do outro”, afirma Alvarenga.
A relação tem de ser como um casamento, e, para o sucesso deste “matrimônio”, é preciso discutir a relação sempre, diz Alvarenga, que sabe muito bem do que está falando: ele mesmo é sócio do amigo Arthur Diniz na Crescimentum. “Já tive algumas discussões calorosas e conflito de ideias e ações com meus sócios e, no mesmo dia, tínhamos um jantar em família, onde tudo ocorreu de forma normal. Isso mostra que aprendemos a separar muito bem negócios e amizade”, conta.
Os sócios devem cultivar sempre a admiração e respeito mútuos, afinal, este foi o motivo dos amigos se tornarem sócios. Além disso, líderes que conseguem demonstrar que trabalham em sintonia são capazes de deixar o negócio mais rentável e a amizade mais sólida. “Os sócios devem evitar conflitos de opiniões e discussões perante seus liderados, pois em situações em que não há alinhamento, a equipe pode perceber essa ‘fragilidade’ e manipular situações e resultados pela falta de entendimento de seus líderes”, aconselha Alvarenga.
Divisão de tarefas
Além das medidas citadas por Alvarenga, uma iniciativa que ajuda muito a preservar a amizade é definir claramente as tarefas de cada sócio. Foi o que fizeram o administrador de empresas José Augusto Bueno Chiarelli e o jornalista Adriano Camargo. Amigos há mais de 15 anos, os dois estão prestes a abrir uma franquia da sorveteria Los Paleteros em São Paulo e, antes mesmo de inaugurar o negócio, decidiram colocar em um contrato as tarefas que caberão a cada um no futuro empreendimento.
A preocupação é compreensível. Suas esposas são amigas de infância e os dois se conheceram quando começaram a namorar com elas. “O Augusto é padrinho do meu filho”, conta Camargo. Ele se diz animado com a possibilidade de trabalhar com uma pessoa querida e em quem confia. Chiarelli, por sua vez, é só elogios ao amigo. “Porém, colocamos tudo em contrato para não aparecer nenhum questionamento”, completa. Camargo conta que a ideia de montar um negócio surgiu como uma brincadeira, ao saberem que uma sorveteria fazia sucesso no sul, apesar do frio. Mas depois de uma ampla pesquisa viram que valeria a pena apostar no projeto.
A estratégia adotada por Chiarelli e Camargo é uma das receitas para preservar a relação entre os sócios, como mostra a experiência do publicitário Daniel Altavista, do médico Stevin Zung e do empresário Rodolfo Balestero Pranaitis. Colecionadores de bonecos de personagens de filmes e animação, os três se conheceram há sete anos e, dois anos depois, decidiram abrir juntos a loja Limited Edition, que comercializa produtos da cultura geek em São Paulo. O negócio não afetou a amizade, e isso se deve, em boa medida, à divisão de tarefas. “O Rodolfo cuida da loja e da parte comercial. O Stevin cuida da parte de importação”, conta Altavista, que é o responsável pela área de marketing.
Além de definir claramente as atribuições de cada um, os três também adotam uma das principais recomendações de Paulo Alvarenga, da Crescimentum: conversar bastante e saber fazer concessões. “Às vezes, a gente diverge de um ou outro pensamento, mas nunca atrapalhou a amizade”, conta Altavista. Pranaitis diz que mesmo quando saem para comer uma pizza eles falam da loja, o que Altavista considera normal, já que o negócio surgiu por causa do hobby comum dos três. “Já éramos colecionadores desses produtos e um amigo em comum nos apresentou. Ficamos amigos e, com o tempo, vimos que poderíamos fazer a loja”, conta Pranaitis.