Faltam fornecedores para alta gastronomia, diz especialista
O Brasil tem dois restaurantes entre os 50 melhores do mundo, e nove entre os 50 da América Latina. Somos, inegavelmente, um centro de alta gastronomia mundial. Ainda assim, falta algo muito básico por aqui: produtos de qualidade. “Em crescimento, o mercado se ressente de bons fornecedores, faltam matérias-primas que atendam às exigências e aos padrões do preparo de refeições de alta gastronomia”, diagnostica o professor de tecnologia em gastronomia do Senac, Klaus Vidrik.
Uma das marcas da nossa culinária é buscar cada vez mais ingredientes regionais, o que tem acentuado o gargalo do fornecimento. “Em muitos casos, os insumos vêm de pequenos produtores, e esses muitas vezes não conseguem manter o padrão de entrega que pode ser exigido por um restaurante de alta gastronomia”, continua Vidrik.
O que é um problema, no entanto, pode se transformar em oportunidade. “Alguns chefs já estão buscando pequenos fornecedores para desenvolverem produtos exclusivos, como temperos e folhas”, afirma Vera Araújo, professora do curso de gastronomia da Universidade Anhembi Morumbi. Mas, como lembra Vidrik, “quem deseja entrar nesse ramo deve buscar conquistar sua idoneidade no mercado, mostrando qualidade, preço e prazos condizentes com a realidade atual”.
Outra medida que pode ajudar a abrir as portas do ramo de fornecimento para alta gastronomia é criar algo totalmente novo, desconhecido dos chefs brasileiros. “Há alguns anos, um grupo trouxe para o Brasil o avocado, que não é abacate, e fez várias ações pontuais para divulgar o produto entre os gastrônomos do país”, exemplifica Vera.
Este é o caso do agricultor Francisco Ruzene, de Pindamonhangaba. Sua família se especializou na produção do muito comum arroz agulhinha, que frequenta diariamente o prato dos brasileiros, mas, em 2006, uma parceria com o Instituto Agronômico de Campinas (IAC) mudou o rumo dessa história. “O IAC lançou um projeto para produzir arrozes especiais no Vale do Paraíba, região que se destacava pelo uso intensivo de máquinas e pela proximidade com polos gastronômicos, como São Paulo e Campos do Jordão”, explica Ruzene, que, após a parceria, tornou-se produtor do então desconhecido arroz preto.
Ruzene tinha o produto, mas não o comprador, e ainda enfrentou a descrença de colegas de agricultura: “Tinha gente que achava que era praga”. Com sacos de arroz debaixo dos braços, o agricultor procurou tanto chefs quanto empórios especializados. “De cada dez pessoas que experimentaram, nove gostaram”, diz Ruzene. A sorte é que uma das pessoas que gostaram foi justamente o chef Alex Atala, dono do restaurante D.O.M., em São Paulo, que frequenta há alguns anos a lista dos melhores do mundo. “Ele experimentou, gostou e ajudou a divulgar”, conta o agricultor.
A parceria deu tão certo que Ruzene desenvolveu um tipo de miniarroz vendido pela Retratos do Gosto, iniciativa de Atala que busca incentivar produtores de matérias-primas diferenciadas para a gastronomia. Além disso, o agricultor criou um centro para pesquisar novos tipos de arroz e lançou outros produtos pela sua marca, que hoje não frequenta apenas panelas estreladas, mas também pode ser encontrada em diversos mercados.