Furto fez nascer um dos maiores alambiques do Brasil
Ladrão entrou em loja, levou vários itens, mas deixou as garrafas de cachaça, o que animou o dono a investir no setor e abrir a fábrica que deu origem ao Grupo Salinas
Uma das cachaças mais famosas do Brasil existe, em boa parte, por causa de um ladrão. O Grupo Salinas é hoje capaz de produzir cerca de 6 mil litros de pinga por dia, mas no início da década de 1980 não passava de uma loja de artigos artesanais em Belo Horizonte, a Butique da Roça.
Na loja, o empresário Heleno Medrado vendia produtos que trazia de Salinas (MG), como doces e aguardentes. Tudo ia bem até que a loja foi furtada. O ladrão levou vários itens – mas deixou as garrafas de caninha. “Foi aí que meu pai resolveu se dedicar exclusivamente à venda da cachaça”, conta Thiago Medrado, filho de Heleno, diretor comercial e um dos sócios do Grupo Salinas.
Dois anos depois, o produto caiu no gosto dos consumidores da capital mineira, e Heleno passou a ser conhecido como “o homem de Salinas”. A fama o fez reativar, em 1986, o alambique do avô e a reabri-lo com o nome do município que hoje é sinônimo de cachaça no Brasil.
Salinas está localizado no norte de Minas, a cerca de 100 quilômetros da Bahia e 640 de Belo Horizonte. É pouco populoso (41 mil habitantes), mas seu mercado de aguardente tem números de gente grande: são mais de cem alambiques e quarenta marcas na região. “Tem muita fábrica informal, que é o principal problema do mercado de cachaça no Brasil”, afirma Thiago.
Junto com a esposa, Heleno retomou as atividades da fábrica seguindo o know-how transmitido pelo avô. Foi no ambiente da fábrica que os três filhos do casal se criaram e continuam até hoje, quase 30 anos depois. “Lembro de estar sempre na fábrica, na engarrafadora, junto com os meus irmãos, desde os 6 anos. De trabalho mesmo foi desde os 16 anos. Quando tinha 18 anos vim para a área comercial, meu irmão ficou na produção e minha irmã trabalha no marketing.” O pai continua na produção e na degustação.
O sucesso da bebida, segundo Thiago, deve-se à dedicação total da família e ao clima seco e quente da região. “A fazenda não tem outras frentes, vive 100% por conta de cachaça. Por isso é que deu certo. A gente vê muitas pessoas que montam uma fábrica paralela, como hobby. Aqui não é assim.”
A mão de obra é toda da região; o corte é essencialmente manual. O clima ajuda: é ideal para fazer uma cana bem doce, a matéria mais apropriada para a produção de cachaça.
O grupo conta com duas fábricas, de onde saem sete tipos de aguardente. Thiago acredita que o caminho para popularizar ainda mais o produto – o terceiro mais consumido no mundo – é investir em versões gourmet. “A diferença é a embalagem, a quantidade e o tempo de envelhecimento, que é maior.”
A Salinas vai apostar nesse nicho. A produção será baseada nas edições limitadas que a empresa lança a cada dois anos. Esse tipo de bebida é mais cara porque descansa em um tonel de 700 litros, em comparação aos usuais de 10 mil a 12 mil litros. Existe ainda a dificuldade de manter o padrão de qualidade, já que um tonel pequeno “colore muito a bebida”. A solução é misturar cachaças de vários tonéis. “A gente faz um blend, pega um pouco em um tonel velho e novo e mistura. Todos os produtos são feitos assim, porque cada tonel está localizado em um lugar e a bebida reage de um jeito. Tem um tonel que está mais ao sol, outro que está em um lugar mais úmido, mais frio...”
Este ano, o produto mais clássico da fazenda, a cachaça Salina Tradicional, envelhecida em tonel de bálsamo, levou a medalha de ouro no Concurso Mundial de Bruxelas Spirits Selection, em Florianópolis.