Criador das Casas Bahia foi o primeiro a apostar na classe C
Samuel Klein criou o maior império do varejo brasileiro ao apostar na grande máxima do comércio popular: vender a quem precisa
Muito antes de consultorias sofisticadas transformarem a classe C na última palavra em termos de varejo e do Magazine Luiza despontar como o símbolo do poder de consumo da “nova classe média”, um imigrante polonês que sobreviveu ao Holocausto já havia descoberto as vantagens de vender para as classes populares: “A riqueza do pobre é o nome”, dizia ele. Seu nome era Samuel Klein, e com a sabedoria do comerciante que confia no freguês, independentemente de sua origem social, ele criou o maior império do varejo brasileiro: as Casas Bahia.
Judeu nascido em 1923 no vilarejo de Zaklikof, a 80 km da cidade de Lublin, na Polônia, Samuel teve que aprender a se virar desde muito cedo – e da pior forma possível. Aos 19 anos ele foi preso e mandado, junto com o pai, para o campo de concentração de Maidanek, em seu país natal.
Segundo suas próprias palavras, ele só sobreviveu porque era jovem e forte, e por isso foi mandado para um campo de trabalhos forçados, onde realizava serviços de carpintaria. Em 1944, Samuel conseguiu escapar do campo de concentração e fugiu para a Alemanha, onde começou a carreira de comerciante, vendendo cigarro e vodka para as tropas aliadas que ocuparam o país após a queda do nazismo.
Um polonês entre baianos
Na Alemanha, Samuel casou-se com sua esposa Ana e teve o primeiro filho, Michael. Diante de uma Europa destruída pela guerra, em 1951 a família decidiu tentar a sorte na América do Sul. Foram inicialmente para a Bolívia, mas chegaram ao país em plena revolução de 1952. Cansados de confrontos, os Klein partiram para o Brasil, finalmente se estabelecendo na cidade de São Caetano do Sul, no ABC Paulista.
O imigrante polonês certamente se sentiu em casa em meio à multidão dos migrantes nordestinos que no começo dos anos 1950 chegavam à Grande São Paulo para trabalhar nas indústrias da região. Estes foram os primeiros clientes de Samuel, que comprou uma charrete e começou a vender roupas de cama, mesa e banho para os migrantes – principalmente baianos – que viviam na região. Empreendedor nato, Samuel logo juntou dinheiro e, em 1957, abriu sua própria loja, que batizou em homenagem aos seus primeiros clientes: Casa Bahia.
No negócio próprio, Samuel continuou a adotar uma prática que fez sua fama como mascate junto à clientela: a venda a prestação. Como os moradores da região eram basicamente trabalhadores pobres, que não tinham dinheiro para comprar as mercadorias à vista, Samuel descobriu, mais de quatro décadas antes do governo Lula, o segredo da economia popular de massas no Brasil: oferecer crédito para a classe C – conceito que sequer existia naquela época.
Foi assim que a pequena loja em São Caetano do Sul começou a crescer, atraindo cada vez mais clientes e diversificando a oferta de mercadorias. Se Klein começou vendendo roupa de cama, mesa e banho, logo começou a oferecer também móveis, colchões, eletrodomésticos e uma infinidade de outros itens para o lar.
No começo da década de 1960, São Caetano do Sul ficou pequena para Klein e, em 1964, o empresário começou a expansão do negócio abrindo filiais em São Paulo e na Baixada Santista. A fórmula do sucesso permaneceu a mesma: vender a quem precisa. “Pela minha experiência, posso dizer que quanto mais pobre uma pessoa, mais honesta ela é”, afirmou Samuel Klein em 2001.
Foi assim, apostando sempre no comércio popular, que ele criou seu império do varejo, que hoje conta com 650 lojas espalhadas por 18 estados do Brasil. Considerado um gestor centralizador, Klein permaneceu à frente do negócio por meio século, e mesmo depois de transferir a gestão do negócio para os filhos Michael e Saul continuou dando expediente na empresa até 2012, mesmo depois da fusão com o Ponto Frio, em 2010.
Samuel Klein morreu em 20 de novembro de 2014, aos 91 anos. Com apenas o curso primário completo, o empreendedor nato conseguiu o que muitos executivos que colecionam MBAs não foram capazes de fazer: criar a marca de varejo mais valiosa do Brasil de acordo com o ranking das Marcas Brasileiras Mais Valiosas, elaborado pela consultoria Interbrand.