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Mulheres ganham espaço em negócios tipicamente masculinos

Empreendedoras enfrentam o machismo e se impõem como proprietárias de empresas de transporte, logística e construção civil

31 jul 2014 - 08h01
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A empresária Eliane Nóbrega decidiu abrir uma demolidora após decidir atuar no mesmo setor de seu marido, mas em um nicho diferente. Em quatro anos, o negócio teve um crescimento de 400%
A empresária Eliane Nóbrega decidiu abrir uma demolidora após decidir atuar no mesmo setor de seu marido, mas em um nicho diferente. Em quatro anos, o negócio teve um crescimento de 400%
Foto: Arquivo pessoal

Das cerca de seis milhões de micro e pequenas empresas existentes no país, 30 a 35% são lideradas por mulheres, segundo dados do Sebrae. Entre os novos negócios, 52% dos empreendedores com menos de três anos e meio de atividade são do sexo feminino.  A presença das empreendedoras no mercado já é tão significativa que algumas  desafiam o machismo e se aventuram em áreas antes completamente dominadas pelos homens, como transporte, logística e construção civil. 

Uma das pioneiras está no Porto de Santos. Márcia Rutigliano, dona da empresa de serviços marítimos Seabox, foi a primeira mulher a vistoriar contêineres no mais movimentado terminal portuário do Brasil. Professora de matemática e física, no final dos anos 70, ela aprendeu a função ao viajar nas férias para São Francisco, nos Estados Unidos. Quando voltou ao Brasil, só conseguiu trabalho nos turnos de finais de semana e de madrugada porque eram os horários que ninguém mais queria pegar. Por dois anos, continuou com o emprego de professora até conseguir se sustentar somente com a nova profissão. “Escutava que lugar de mulher era passando roupa. Andava de macacão de mecânico e boné para evitar comentários sobre como eu me vestia. Fui trabalhar em Buenos Aires e escutava a mesma coisa. Senti a resistência de alguns clientes. Os latino-americanos são muito machistas. Não tive problemas com europeus, nem americanos”, conta Márcia. 

A empresária e consultora de logística Paula Esteves teve o mesmo problema no século 21 ao administrar a transportadora que abriu junto com seus irmãos. “Ia trabalhar vestida de ‘menina’ até que me dei conta que deveria me colocar no mesmo patamar deles. Comecei a usar o uniforme da empresa e falar muito palavrão”, conta. Paula chegou a viajar de caminhão de madrugada e se sentar ao lado dos funcionários para mostrar que também sabia realizar as atividades destes. “A mulher é muito discriminada no meio de trabalho masculino. Temos de fazer duas vezes o que um homem faz para ganhar respeito”, analisa Paula. Alguns funcionários só se dirigiam aos seus irmãos e falavam com ela em tom irônico. Paula, no entanto, conquistou a confiança dos empregados ao tirar a empresa de uma crise. Hoje, ela é dona de uma franquia de estética, mas ainda trabalha como consultora do setor de logística. 

Outra que enfrentou o mesmo tipo de problema foi a empresária do ramo da construção civil Eliane Nóbrega, proprietária da Demolidora Nobre. “Quando eu ia fazer uma vistoria com o técnico, o cliente só falava com ele, como se eu não existisse. Eu tinha que tinha que me inserir na conversa”, lembra. Eliane conquistou o setor ao se especializar em obras de grande risco e complexas, como as de sinistro. Segundo ela, as mulheres que atuam nessas áreas precisam ter foco e ser fortes. “Pode até ser que tenha machismo, mas quando você se impõe e mostra que o trabalho é bem feito, ele acaba”, afirma.

E a perseverança das mulheres que atuam na construção civil parece estar dando resultados. De acordo com a Associação Brasileira de Franchising (ABF), este é um dos setores em que a participação feminina mais tem aumentado no mercado de franquias nos últimos anos. Só em 2013, a presença feminina no setor cresceu 13,4%. A engenheira civil Maiane Chachá é uma representante desse movimento. Acostumada ao ambiente de obras, a franqueada da rede Rei da Reforma, em Recife, é categórica: nunca sofreu preconceito por ser mulher. E acrescenta: 99% de seus funcionários que fazem o serviço de rejunte de piso são mulheres. “Hoje os clientes buscam mais mulheres pela organização”, analisa. Na opinião da engenheira, a área em que atua está desmistificando o preconceito contra as mulheres. 

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Aumento da escolaridade

A escritora Simone de Beauvoir, um dos ícones do movimento feminista, dizia que é por meio do trabalho que a mulher vem diminuindo a distância que a separava do homem: “Somente o trabalho poderá garantir-lhe uma independência concreta”. No Brasil, há um crescimento contínuo de empreendedoras e isso se reflete no ambiente laboral. O presidente do Sebrae, Luiz Barreto, destaca que, a cada ano, o perfil do empreendedor brasileiro se torna mais feminino e mais escolarizado. “As mulheres estão investindo em qualificação, buscam acesso às informações, não permitem amadorismo”, afirma Barreto. 

A engenheira civil Maiane Chachá abriu uma franquia da rede Rei da Reforma em Recife e afirma que a área em que atua está desmistificando o preconceito contra as mulheres
A engenheira civil Maiane Chachá abriu uma franquia da rede Rei da Reforma em Recife e afirma que a área em que atua está desmistificando o preconceito contra as mulheres
Foto: Rei da Reforma / Divulgação

Esse aumento da escolaridade das mulheres é um dos motivos do crescimento da presença feminina em setores em expansão mas tradicionalmente vistos como predominantemente masculinos, acredita o headhunter Bernt Entscher. “Há de se convir que ainda falta muito para termos um mercado de trabalho equilibrado no que se refere a gênero. As mulheres estão se qualificando e buscando a inserção em áreas antes não ocupadas por elas, e, aos poucos, as organizações estão se atentando para a qualidade do serviço feminino. Mas, o mais importante é levar em consideração a competência do profissional, independente do sexo. A desconstrução desse tipo de preconceito só vai acontecer com o esforço das organizações em contratar com base apenas na qualificação”, escreve Entscher em um de seus artigos. 

Para combater o preconceito é preciso saber se adaptar ao ambiente, afirma o headhunter. Segundo ele, não é adequado querer ser “donzela” em ambientes com excesso de testosterona.  “Em Roma, seja como os romanos”, recomenda o especialista. Para Entscher, depois que a mulher prova sua capacidade, ela pode ter uma atitude mais feminina que continuará sendo respeitada.  

Foi o que fez Márcia, da Seabox. “Minhas mãos são calejadas. Nunca deixei um homem fazer meu trabalho. Criei meus filhos dentro dos terminais. Amamentava lá. Acomodava as crianças e ia fazer as vistorias”, conta. Ela ressalta que a mulher tem de fazer e não só mandar para conquistar a igualdade e aponta que o machismo, muitas vezes, vem das próprias mulheres. Em sua empresa, dos 180 funcionários, 150 estão em atividades operacionais, mas só há uma mulher que trabalha no porto. Muitas delas dão desculpas de que não podem trabalhar de madrugada porque o marido não deixa ou pedem para alguém abrir o contêiner para elas.

Fonte: Terra
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