Mulheres Positivas: o empoderamento de Elizandra Cerqueira
Nascida em Poções, no sertão baiano, foi levada para Paraisópolis pela mãe quando tinha apenas um ano de idade. Desde cedo tornou-se uma ativista. Foi líder do Grêmio Estudantil de sua escola, superou preconceitos no ambiente de trabalho, estudou Publicidade em uma grande universidade com bolsa integral, mobilizou o agenciamento de mais de três mil empregos para moradores de Paraisópolis, foi uma das fundadoras e tornou-se presidente da Associação de Mulheres de Paraisópolis.
Há um ano, coordena o projeto Horta na Laje e o Bistrô & Café Mãos de Maria, espaço que funciona na laje da União dos Moradores e do Comércio de Paraisópolis servindo comida caseira preparada com alimentos plantados no local. Pela iniciativa, que combina sustentabilidade, capacitação, geração de emprego e renda, engajamento social e feminismo, Elizandra recebeu, em 2018, o prêmio Women Stop Hunger em Paris, promovido pelo instituto Stop Hunger, organização que luta contra a fome e pelo empoderamento das mulheres.
Como começou a sua carreira?
Iniciei no grêmio estudantil da minha escola, inspirada por um amigo que foi presidente anteriormente. Sua atitude e consciência me chamaram atenção. Quando ele foi convidado a participar dos projetos na União dos Moradores, também me chamou para fazer parte. Eu já me sentia empoderada, o que me motivou a querer transformar Paraisópolis.
Em 2006, fundamos a Associação das Mulheres de Paraisópolis, com o objetivo de empoderar as mulheres da comunidade através da capacitação profissional e geração de renda. Algum tempo depois, me tornei presidente e o trabalho que já estava fazendo com elas me serviram de base para desenvolver um negócio social, também administrado por mulheres. Foi dessa forma que surgiu o Bistrô & Café Mãos de Maria.
Como é formatado o modelo de negócios do bistrô?
O Bistrô & Café Mãos de Maria é um negócio social, oferecendo mais do que um emprego. Ele garante a formação de novas alunas (priorizando as vítimas de violência doméstica). Trabalhamos, em parceria com o Instituto Stop Hunger, a alimentação saudável por meio do projeto Horta na laje, onde também funciona o Bistrô. As mulheres fazem oficinas de plantio, colhem ervas, temperos e hortaliças, levam para a cozinha e produzem pratos da gastronomia nordestina que são vendidos durante o almoço.
Qual foi o momento mais difícil da sua carreira?
Eu diria que me tornar protagonista da minha história. Isso exige um grau de empoderamento que envolve todo um processo de autoconhecimento e autoestima. Tive um relacionamento abusivo de sete anos, no qual sofri agressões físicas. Quase virei estatística de feminicídio. Foi uma fase difícil, me sentia péssima, tinha medo e vergonha de contar e buscar ajuda, pois conhecia o julgamento: "Apanha porque gosta!". Sendo uma liderança na comunidade, não queria ter que passar por isso, mas o apoio dos amigos e da família me ajudaram a dar a volta por cima. Conseguir derrotar o que estava me matando.
Como você consegue equilibrar sua vida pessoal x vida corporativa/empreendedora?
De forma bem natural. Considero um privilégio poder fazer o que estou fazendo, me deixa feliz. É verdade que a responsabilidade é grande, mas nada é fácil para nós, mulheres, e considerando o fato de ser baiana e morar em uma favela, a superação faz parte de nossos dias a todo momento. Se engana quem acredita que mulheres da periferias são pobres coitadas. Meu marido me apoia, tenho mais que companheiros de trabalho, formamos uma família e isso ajuda muito nos desafios. Nunca fiz nada sozinha e não quero transformar apenas minha vida, mas sim transformar minha comunidade através do empoderamento feminino por meio do empreendedorismo. Hoje, minha pessoa está vinculada a uma causa que tem um importante papel na comunidade. Minha vida pessoal hoje está totalmente vinculada com a profissional e não vejo isso de forma negativa, ao contrário, considero um privilégio.
Qual o seu maior sonho?
Quero replicar o que faço em outras comunidades, transformar e inspirar a vida de outras mulheres. Yunus e Malala me inspiram muito. Quem sabe um dia, quando esse modelo de negócio for replicado em grande escala e eu for capaz de documentá-lo, ter números positivos de impacto e transformação na vida das mulheres das favelas, eu possa, assim como elas, ganhar um Nobel. É um sonho, que hoje para mim significaria alcançar o que muitos consideram inalcançável, assim como muitos não acreditaram que o Bistrô & Café Mãos de Maria seria premiado em Paris.
Qual a sua maior conquista?
Foi representar o Brasil e Paraisópolis em Paris e receber um prêmio internacional, entre as 44 mulheres selecionadas. E claro, escrever minha biografia e publicá-la. Ter vencido as estatísticas e fazer o que faço, sem sombra de dúvidas, é uma grande conquista.
Livro, filme e mulher que admira
Meu livro: "Elizandra, Muitas vozes numa só".
Filme: "Estrelas além do tempo", "O sorriso de Monalisa", "Frida" e "Roma" são filmes espetaculares.
A mulher que eu mais admiro: Eliza da Aparecida Prestes de Oliveira, minha mãe.