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Pioneiro da indústria brasileira, Mauá acabou falido

Primeiro grande empresário nacional, o visconde de Mauá foi vencido pelas barreiras ao empreendedorismo no século 19

2 dez 2014 - 08h00
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Irineu Evangelista de Sousa, então barão de Mauá, em uma litografia feita pelo artista francês Sébastien Auguste Sisson na década de 1850: apesar das dificuldades que enfrentou em vida, o empresário foi fundamental para a modernização do Brasil
Irineu Evangelista de Sousa, então barão de Mauá, em uma litografia feita pelo artista francês Sébastien Auguste Sisson na década de 1850: apesar das dificuldades que enfrentou em vida, o empresário foi fundamental para a modernização do Brasil
Foto: Reprodução

A vida de Irineu Evangelista de Sousa, o primeiro grande empresário brasileiro, foi uma mistura de epopeia e tragédia. Em pleno século 19, quando a economia nacional praticamente se resumia à produção agrícola para exportação, ele fundou a primeira indústria naval do Brasil e financiou a construção da primeira ferrovia do país, o que lhe rendeu prestígio não só econômico, mas também político: em 1854 se tornou barão e, em 1874, visconde de Mauá, título pelo qual ficaria popularmente conhecido. A proximidade com o poder, no entanto, não impediu que uma mudança da política econômica na década de 1860 abalasse profundamente os seus negócios e o levasse à falência, acabando com uma das trajetórias empreendedoras mais impressionantes da história do Brasil.

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O começo da vida de Irineu não foi fácil. Nascido em Arroio Grande, no extremo sul do Rio Grande do Sul, a 28 de dezembro de 1813, ele perdeu o pai ainda criança – o fazendeiro João Evangelista de Ávila e Sousa foi assassinado por ladrões de gado quando o menino tinha apenas cinco anos. Três anos depois, a mãe de Irineu, Maria de Jesus Batista de Carvalho, se casou novamente, mas o acordo nupcial exigia que ela se desfizesse dos dois filhos. Guilhermina, de 12 anos, teve que se casar.

Entregue a um tio, o capitão da marinha mercante José Batista de Carvalho, Irineu se mudou para o Rio de Janeiro depois de passar uma curta temporada em São Paulo, sob a guarda de outro tio, Manuel José. No Rio, começou a trabalhar com apenas 9 anos como balconista de uma loja de tecidos, vivendo sozinho, dormindo nos balcões da loja, enquanto o tutor corria o mundo a trabalho. Seria na então capital do país que ele se tornaria industrial, empresário, banqueiro, diplomata e político. 

Aprendizado

Aos 13 anos, Irineu começou a trabalhar para o comerciante português João Rodrigues Pereira de Almeida, com quem aprendeu a arte da negociação. Em 1830, Almeida foi à falência e Irineu foi trabalhar como caixeiro na firma importadora do inglês Ricardo Carruthers, com quem aprendeu contabilidade e as primeiras noções de teoria econômica. Carruthers logo percebeu que o jovem tinha talento para os negócios e deixou a firma para Irineu quando voltou para a Inglaterra, em 1837. 

Três anos depois, já à frente da Carruthers & Cia., Irineu viajou à Inglaterra, onde se encantou com o dinamismo da economia local. A capital do mundo industrializado estava várias décadas à frente do Brasil, onde a renda industrial só superaria a agrária muito tempo depois, em 1928. Em 1840, no Rio de Janeiro, trabalhar com comércio era uma atividade pouco digna, e a indústria não tinha o valor social da agricultura ou da carreira em Direito.

O jovem empreendedor voltou ao Brasil decidido a implantar em sua terra natal um pouco do que vira no Reino Unido, mas logo percebeu que o caminho seria mais difícil do que ele imaginava. Em 1844, a lei Alves Branco elevou a taxa de importações no país para proteger a produção local. Foi o suficiente para que, no ano seguinte, Irineu encerrasse as atividades da casa Carruthers & Cia. O fim do negócio sólido de uma empresa especializada em importação foi o primeiro indício de que a vida do empreendedor gaúcho não seria fácil.  

Ascensão

Como bom brasileiro, no entanto, Irineu não desistiu e, mesmo com o encerramento das atividades da Carruthers, em 1845, deu continuidade à sua trajetória empreendedora. Comprou da empresa Carlos Coleman & Co. sua primeira indústria, o Estabelecimento de Fundição e Estaleiro da Ponta da Areia, em Niterói, que produzia de navios a ferramentas, passando por caldeiras, guindastes, armas e postes. 

O empreendimento deu início à ascensão meteórica de Irineu como empresário. Da fábrica de Niterói sairiam os canos de ferro usados na canalização do rio Maracanã; os postes de luz utilizados para trocar os lampiões de azeite de peixe por lampiões a gás no projeto de modernização da iluminação pública do Rio de Janeiro, a partir de 1854; e muitos dos navios que formariam a esquadra brasileira na Guerra do Paraguai, a partir de 1864.  

Os negócios de Mauá não ficaram restritos ao Rio de Janeiro. Em 1853, em uma iniciativa pioneira para integrar a vasta região Norte, criou a Companhia de Navegação a Vapor do rio Amazonas. Também reorganizou o transporte por barcos a vapor no Rio Grande do Sul. A primeira rodovia pavimentada, ligando Petrópolis a Juiz de Fora, foi iniciativa sua. Mas seu maior feito foi financiar, de seu próprio bolso, a primeira ferrovia do país.

Ligando o porto de Mauá, na Baía de Guanabara, à serra de Petrópolis, a linha férrea pioneira foi inaugurada em 30 de abril de 1854, em um evento pomposo, com presença do imperador em pessoa. Depois dessa iniciativa, vieram ainda a Recife and São Francisco Railway Company (ligando Recife à Vila do Cabo), a construção da ferrovia Dom Pedro II (hoje conhecida como Central do Brasil) e a São Paulo Raiway, atual ferrovia Santos-Jundiaí.

Mauá ainda instalou os primeiros cabos telegráficos submarinos ligando o Brasil à Europa. Também ajudou a refundar o Banco do Brasil e criou, em 1850, o Banco Mauá, MacGregor & Cia, com escritórios em Londres, Nova York, Buenos Aires e Montevideu. Os lucros acompanharam a evolução  dos negócios: o empresário chegou a ter uma fortuna proporcional a 20% do PIB do Brasil na época. Mas uma série de mudanças na condução da economia levariam o visconde à derrocada.

Queda

O empresário era um homem ligado ao Império e suas práticas, inclusive a escravidão. “Foi monarquista, membro da Corte e escravista”, afirma Carlos Gabriel Guimarães, professor de história da Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisador visitante da Universidade de York, na Inglaterra. “Nas suas empresas, foram utilizados trabalhadores livres e escravos.” Por isso mesmo, sempre viveu perto da família real e ganhou os títulos de barão e visconde de Mauá. Mas, quando se tratava da condução da economia nacional, ele era um crítico severo do que considerava a falta de aposta no setor industrial. “O melhor programa econômico de governo é não atrapalhar aqueles que produzem, investem, poupam, empregam, trabalham e consomem”, escreveu.

Foi exatamente o contrário do que aconteceu em 1860, quando o Império decidiu permitir a compra de navios estrangeiros sem taxas, provocando a crise, e posterior falência, da indústria Pontal de Areia. A mudança na legislação incluía incentivos à importação de materiais para a agricultura, num claro apoio a um setor mais tradicional da economia. Na mesma época, com ajuda de investidores ingleses, Dom Pedro II decidiu criar uma estrada de ferro paralela à inaugurada por Mauá e com fretes mais baratos. A mudança de poder no Uruguai, onde o empresário tinha uma base financeira importante, selaria seu destino.

O Banco Mauá quebrou em 1875, resultado da crise bancária iniciada no país em 1864 – e também da proibição que o Banco do Brasil recebeu de fazer empréstimos ao empresário que havia tomado a iniciativa de reabrir a instituição. Para pagar suas dívidas, Irineu vendeu tudo o que tinha, incluindo bens pessoais. 

Morreu em Petrópolis, a 21 de outubro de 1889, a menos de um mês antes da proclamação da República e do fim da monarquia. Havia se transformado num corretor de café modesto, acometido de reumatismo e diabetes, ainda que cercado pelos netos de seus 18 filhos, resultado de 48 anos de casamento com a sobrinha Maria Joaquina, filha de sua irmã Guilhermina.

Mauá não chegou a ver o país com o qual sonhou, mas fez parte de todas as transformações que, de alguma maneira, mudaram o Brasil: em apenas meio século, surgiram trens, navios a vapor de fabricação própria, siderúrgicas, casas bancárias, bondes e telégrafos submarinos. Sem o visconde, certamente o país chegaria muito mais atrasado ao século 20.

Fonte: PrimaPagina
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