Rock in Rio surgiu de um desafio da esposa de seu criador
Mulher do empreendedor Roberto Medina o instigou a criar o festival que colocaria o Brasil na rota dos grandes shows internacionais
Até 1985, o Brasil -e toda a América do Sul- era um destino periférico dos grandes shows internacionais. Foi naquele ano, no entanto, que algumas das maiores estrelas da época aterrissaram no Rio de Janeiro para participar de um dos maiores festivais de música da história: o Rock In Rio. O que pouca gente sabe é que, não fosse o desafio de sua esposa, provavelmente Roberto Medina, a mente por trás da façanha, teria ido embora do Brasil, em vez de colocar o país definitivamente na rota dos grandes eventos.
Planeje-se para evitar o trauma das sucessões familiares
Publicitário já consagrado com sua agência Artplan, Medina tinha planos de morar fora do país. Sua então esposa, no entanto, o instigou dizendo que faltava a ele fazer algo realmente grande no Brasil. No mesmo dia, Medina começou a desenhar o que se tornaria o Rock In Rio, que levaria 1,5 milhão de pessoas, entre 11 e 20 de janeiro de 1985, em Jacarepaguá.
Para não dizer que o Brasil estava completamente fora da rota dos grandes shows, artistas famosos já tinha passado pelo país. Muitos levando más experiências daqui. O Kiss, por exemplo, teve seu equipamento roubado. O Queen teve seu show em São Paulo cancelado pelo governador da época, colocado no poder pelos militares, que considerava o extravagante vocalista Freddie Mercury uma ameaça à família brasileira.
Uma das mais bem sucedidas experiências anteriores havia saído exatamente da cabeça de Medina: o histórico show de Frank Sinatra, que levou 175 mil pessoas em 1980 para o Maracanã, na maior apresentação de um artista solo na história até então.
Vendendo ingressos a preços muito inferiores em relação aos praticados na época no circuito internacional -mas pagando valores muito maiores por causa dos altos custos de um país que vivia então sua mais aguda crise econômica-, Medina conseguiu colocar o primeiro Rock In Rio de pé vendendo aos patrocinadores uma oportunidade única de se aproximar do público jovem.
O line up era de fato formado pelo que a música tinha de melhor: a banda australiana AC/DC estava no auge; o Queen voltou ao país para tocar para um de seus maiores públicos; e os britânicos do Iron Maiden fizeram um de seus shows mais inesquecíveis. Todos aceitaram participar por cachês bem menores do que os que cobravam normalmente, tudo pela oportunidade de conhecer um Brasil exótico e tocar no maior festival do mundo.
Mais ainda, o Rock In Rio também foi uma espécie de pontapé inicial para o rock nacional, que até então lutava para conseguir espaço entre o grande público. Bandas como Barão Vermelho e Paralamas do Sucesso saíram do Rock In Rio para todo o país.
Se as marcas tiveram um ótimo retorno, Medina saiu no prejuízo, mas não por causa do festival. O empresário apostou alto na montagem da chamada Cidade do Rock, em Jacarepaguá. A ideia era explorar o espaço pelos próximos dez anos, mas o então governador do Rio, Leonel Brizola, resolveu derrubar a estrutura e reaver o terreno, que era público.
O resultado, no entanto, não desanimou Medina, que se preparou para, em 1991, realizar o Rock In Rio II, dessa vez no estádio do Maracanã. Antes, porém, o empresário passou pelo pior momento de sua vida: o sequestro e os quinze dias de cativeiro em junho de 1990. Não se sabe ao certo quanto, mas as cifras do resgate pago giraram, na época, entre US$ 2,5 milhões e R$ 4 milhões.
Depois do grande susto, veio o triunfo. O Rock In Rio II mais uma vez tomou muito bem o pulso de sua época e trouxe nomes que estavam no auge, como Guns N' Roses, INXS, Faith No More e A-Ha, que tocou para inacreditáveis 198 mil pessoas. Mesmo com todo o sucesso, a segunda edição apenas empatou os investimentos.
Lucro mesmo Medina só foi ter no Rock In Rio III. Nesse momento, a Artplan, originalmente uma agência de publicidade, já havia se transformado muito mais em uma produtora de eventos. A terceira edição do festival continuou a apostar em grandes nomes da época -R.E.M., Foo Fighters, Oasis e Britney Spears, entre outros.
O Rock In Rio III marcou também uma inflexão, que definiria todas as outras edições: mais do que um evento musical, seria uma experiência social, com espaços para confraternização e diversão. Até por isso, o festival voltou para sua casa, a Cidade do Rock, reconstruída em Jacarepaguá, e que seria sua sede a partir de então.
O formato seria internacionalizado com a realização de edições no exterior. A primeira foi o Rock In Rio Lisboa, em 2004, e que se repete, desde então, a cada dois anos. A versão espanhola foi realizada pela primeira vez em 2008. Em 2014, no seu movimento mais ousado, Medina levou sua marca para a terra do show business: Las Vegas.
Do alto de seus 66 anos, Medina ainda é a força por trás de um dos maiores eventos musicais do mundo. A franquia, porém, ainda vai ficar por um bom tempo sob controle da família, já que Roberta, filha do empresário, é a atual vice-presidente do grupo que faz o Rock In Rio, e que já levou mais de 7 milhões de pessoas em suas 14 edições.
Mais do que isso, o Rock In Rio é hoje uma marca valiosa, que gira bilhões em licenciamento de produtos. Na edição de 2013, por exemplo, mais de 60 produtos foram licenciados, entre itens tão diferentes quanto automóveis e refrigerantes. E tudo isso porque o empresário Roberto Medina respondeu à provocação de sua então esposa.