Ministério da Cidadania descumpre lei e ignora pedido de informação sobre Auxílio Brasil
Reportagem do 'Estadão/Broadcast' solicitou acesso a pareceres e notas técnicas que serviram de base para a MP que criou o substituto do Bolsa Família; nesta quarta, CGU determinou que os documentos sejam encaminhados no prazo de cinco dias
BRASÍLIA - O Ministério da Cidadania ignorou um pedido de acesso a pareceres e notas técnicas que serviram de base para a formulação da medida provisória (MP) que criou o Auxílio Brasil, substituto do Bolsa Família proposto pelo governo em 9 de agosto deste ano. A ausência de resposta fere a Lei de Acesso à Informação (LAI), que dá ao órgão até 30 dias para apresentar os documentos ou uma justificativa para mantê-los sob sigilo.
O pedido foi feito pelo Estadão/Broadcast em 10 de agosto, um dia após o envio da MP. O prazo inicial era 30 de agosto, mas foi prorrogado para 9 de setembro, dentro das previsões legais. Mesmo assim, a solicitação foi ignorada pela pasta. O Estadão/Broadcast protocolou uma reclamação devido ao descumprimento do prazo, que tampouco foi atendida.
A reportagem recorreu à Controladoria-Geral da União (CGU), que deferiu nesta quarta-feira, 22, o pedido de acesso aos pareceres e determinou que os documentos sejam encaminhados no prazo de cinco dias. "A LAI prevê a responsabilização dos agentes públicos quando da prática de condutas ilícitas no tocante a recusa/retardamento no fornecimento das informações requeridas", alerta a CGU.
Os pareceres sobre o Auxílio Brasil contêm informações cruciais do programa e de relevante interesse público, como estimativas sobre público atendido, valor médio do benefício e gasto total com a política social. Os cálculos de impacto financeiro e orçamentário são uma exigência legal para esse tipo de medida.
Até agora, o governo não divulgou ao público essas informações porque busca uma solução para abrir espaço no Orçamento de 2022 e conseguir turbinar o programa. Em diversas ocasiões, o presidente Jair Bolsonaro disse almejar um benefício médio de pelo menos R$ 300 para as famílias contempladas. Hoje, o Bolsa Família paga cerca de R$ 190, em média.
O diretor executivo da Transparência Brasil, Manoel Galdino, afirma que é bastante incomum um ministério ignorar pedidos de acesso à informação. "Mais de 90% dos pedidos são respondidos dentro do prazo, ainda que negativamente (quando o acesso não é concedido)", diz. "É muito incomum e é gravíssimo. Estão ignorando a lei."
Segundo Galdino, a própria lei determina que documentos já prontos (como pareceres e notas técnicas elaboradas para subsidiar uma MP) devem ser disponibilizados o mais rápido possível. A reportagem procurou a assessoria do Ministério da Cidadania para questionar a razão do descumprimento da LAI, mas não obteve resposta até a publicação deste texto.
Para o diretor executivo da Transparência Brasil, o caso é "muito grave" e é mais um exemplo de como o governo vem descumprindo sucessivamente a Lei de Acesso à Informação.
Como revelou o Estadão no sábado, 18, servidores do Palácio do Planalto têm orientado ministérios a avaliar o "risco político" e omitir informações nas respostas aos pedidos solicitados por meio da lei. A medida vai contra os preceitos de transparência previstos no texto da LAI, em vigor desde 2011 e que é considerada um modelo internacional de transparência.
A Lei de Acesso à Informação não admite critério político para concessão de informações nem filtros relacionados a conveniências de governos. O artigo 32 da LAI, citado pela CGU na decisão favorável ao Estadão/Broadcast, define como "condutas ilícitas" do agente público se recusar a fornecer informação requerida, retardar deliberadamente o seu fornecimento ou fornecê-la intencionalmente de forma incorreta, incompleta ou imprecisa. Também é ilegal "ocultar, total ou parcialmente, informação que se encontre sob sua guarda ou a que tenha acesso ou conhecimento em razão do exercício das atribuições de cargo, emprego ou função pública".
Em outra decisão que afronta os princípios da LAI, a Receita Federal negou pedido de acesso a pareceres e notas técnicas que subsidiaram o envio do projeto de lei da reforma do Imposto de Renda. O pedido foi feito pelo Estadão/Broadcast em 29 de junho, dias após o envio do projeto de lei (25 de junho).
Em 29 de julho, a Receita Federal encaminhou uma nota executiva produzida em 21 de julho, quase um mês depois do envio do projeto de lei - o que não correspondia à solicitação. O Estadão/Broadcast recorreu em primeira instância, mas teve o pedido negado com base no argumento de que "não há outros documentos a serem apresentados". Em recurso de segunda instância, não houve resposta do governo. O jornal Folha de S. Paulo, por sua vez, fez pedido semelhante e recebeu como resposta a alegação de que a divulgação dos dados "poderia gerar desinformação à sociedade".
Sem resposta, o Estadão/Broadcast recorreu à CGU, que informou ter verificado a necessidade de "coletar esclarecimentos adicionais a fim de subsidiar uma decisão justa sobre o caso". A previsão de julgamento é de 13 de outubro, salvo a possibilidade de prorrogação única por mais 30 dias.