‘Modelo atual de trabalho no Brasil é abusivo, enriquece o empregador e sucateia o trabalhador’, diz Erika Hilton
Deputada federal do PSOL encabeça PEC pelo fim da escala de trabalho 6x1 no Brasil
O fim da escala de trabalho 6x1 no Brasil depende da aprovação de uma proposta de emenda à Constituição (PEC), levada ao Congresso pela deputada federal Erika Hilton (PSOL). A proposta reflete os impactos que uma carga horária mais curta poderia ter, não apenas na produtividade, mas principalmente na qualidade de vida dos trabalhadores.
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Em entrevista ao Terra, Erika Hilton diz que, “hoje, com a escala que temos, o trabalhador sucateado e mal pago se vê consumido pelo trabalho, sem tempo para o lazer, família ou estudos”. Ela defende que um novo modelo pode devolver a dignidade ao trabalhador, proporcionando experiências de vida além das profissionais.
Para a deputada, a luta transcende as bandeiras partidárias, e envolve toda a sociedade em uma reflexão sobre as relações de trabalho e o bem-estar. Na avaliação de Erika Hilton, é possível diminuir a carga horário sem precarização.
Atualmente, a Constituição Federal, em seu artigo 7º, prevê que a duração do trabalho não pode ser superior a 8 horas diárias e 44 horas semanais. A CLT também prevê tal jornada em seu artigo 58, de 8 horas diárias.
Para seguir no processo legislativo e chegar ao Congresso, a PEC precisa de 171 assinaturas de deputados. Até a manhã desta terça-feira, 12, a proposta tinha 134 assinaturas.
Terra - Quais mudanças práticas a deputada acredita que a aprovação da PEC trará para os trabalhadores que hoje enfrentam a escala de 6x1?
Erika Hilton - Eu acho que a mudança mais prática que o trabalhador vai ter é na qualidade de vida, tendo tempo para o lazer, tendo tempo para a família, tendo tempo para os estudos, tendo tempo para aperfeiçoar as suas qualidades profissionais, enfim, e buscar outros conhecimentos e outras áreas.
Como o próprio movimento que discute essa pauta, como o próprio movimento que provoca o meu mandato, que é o movimento VAT - Vida Além do Trabalho, eu acho que o efeito prático que vai ter na vida do trabalhador é ele ter vida para além de trabalhar. Porque hoje com a escala que nós temos, esse trabalhador sucateado, mal pago, ele vai para o trabalho, chega em casa exausto, só tem tempo para tomar seu banho, para comer, descansar, porque no dia seguinte ele tem que trabalhar de novo. E quando nós falamos de mulheres, mães de família, ainda tem que chegar em casa, tem que cuidar da casa, cuidar dos filhos e no dia seguinte estar pronta para o posto de trabalho. Quer dizer, o trabalho consome praticamente toda a sua vida e as suas possibilidades de convivência na sociedade.
Então o efeito prático é o efeito da dignidade, é o efeito da possibilidade de ter uma vida que vá para além do seu trabalho, de viver a cidade, de viver a cultura, o lazer, de se aperfeiçoar, enfim, e todos esses outros pontos que eu elenquei anteriormente.
Existe um risco de precarização do trabalho, diminuição de salários e aumento da informalidade, com a diminuição da jornada? Como garantir que isso não irá acontecer?
Nós vamos precisar ir sentindo claramente com o avançar dessa discussão. Outros países do mundo são referências com outros modelos de escala trabalhista, de escala de trabalho, e não me parece, na verdade, não houve uma precarização do trabalho, não houve um risco à economia. Claro que a gente vai ter que ir sentindo como esse debate se consolida no Brasil, como esse debate vai se formulando no País. Nós acreditamos que é extremamente possível ter uma diminuição da carga de trabalho para dignificar a vida do trabalhador sem precarizar. Até porque o trabalhador no nosso país já anda bastante precarizado do ponto de vista dos seus direitos.
Então, nós precisamos manter esse olhar de que em outros lugares do mundo foi possível e talvez aqui no Brasil, com certeza, nós possamos dar esse passo para tornar essa uma realidade.
Como a redução da jornada para 36 horas semanais pode impactar as relações trabalhistas e a produtividade das empresas no Brasil?
Eu acredito que [vá impactar] até para melhor, né? A produtividade tende a crescer na medida que o trabalhador tem mais tempo, que o trabalhador está melhor descansado, que o trabalhador consegue viver para além do seu trabalho. A produtividade, a entrega dele no trabalho aumenta muito mais, baseado inclusive em alguns estudos que nós temos aqui como um norte para a nossa discussão.
Então, esse é um ganho para nós, no nosso ponto de vista. Esse deveria ser entendido como: ‘Olha, talvez aqui o meu trabalhador está tão sucateado, tão esgotado, que a produtividade dele é baixa, ele entrega o mínimo. Se ele tiver mais tempo para descansar, se ele tiver mais tempo para ele, se tiver mais tempo para a família, se tiver mais tempo para o lazer, quando ele volta ao posto de trabalho, ele vai produzir melhor, ele vai entregar melhor, ele vai trabalhar mais feliz e trabalhando mais feliz, por consequência, ele produzirá muito mais’.
Quais são os principais desafios que a deputada tem enfrentado para conseguir as 171 assinaturas necessárias, e como tem trabalhado para conquistar o apoio dos colegas na Câmara?
O primeiro, dessa necessidade de se matar logo a princípio qualquer tipo de discussão que parta da classe trabalhadora, que parta daqueles que são enxergados como inferiores na sociedade. Porque há preocupações, são legítimas. Nós estamos falando de algo novo, de uma mudança estrutural na Constituição, e é legítimo que a gente se preocupe com pontos, que a gente estude, que a gente analise, que a gente tenha uma visão global para entender de que maneira será aplicada, como funcionará e etc. Eu acho que isso é legítimo dentro de um debate de transformação e transição.
Agora, o que eu tenho observado é uma tentativa de se abafar e esmagar essa discussão porque ela parte do trabalhador oprimido, ela parte de uma devolutiva sociedade do trabalhador que já não aguenta mais, já não consegue mais sustentar essa escala de trabalho atual. Então, nós precisamos mudar um pouco isso, acho essa é a minha maior dificuldade nesse momento. Pessoas, incluindo colegas parlamentares, que querem levar o debate para um outro espectro, colocando uma série de fantasias em torno da discussão para dizer ‘não, não há viabilidade desse discurso caminhar’, quando na verdade esse discurso precisa caminhar.
E eu tenho feito diálogos, encontros, ligações, para ir conversando com as lideranças, pretendo levar isso ao presidente Arthur [Lira], para que a gente possa ir construindo uma força de, a princípio, encontrarmos as 171 assinaturas necessárias para protocolá-la e a partir da indicação, nomeação de um relator, a gente começar então a debater qual é o texto que se aplica no cenário brasileiro.
A bancada do PSOL foi a única que já assinou integralmente a PEC. Falta apoio dos outros partidos de esquerda? Quais partidos do centrão e da direita podem aderir ao programa?
Acho que nós vamos conseguir conversar com os colegas parlamentares. A PEC foi protocolada em maio, mas ela ainda estava muito nos bastidores das negociações. Agora ela explode, ganha uma repercussão nacional e eu tenho certeza que os demais partidos assinarão. Alguns partidos podem estar ainda um pouco duvidosos sobre como, de que maneira [a PEC irá funcionar]. Eu acho que tudo isso é uma questão de diálogo entre essa e a próxima semana, para que nós possamos esclarecer todas essas dúvidas e consolidar uma frente de atuação em prol da dignidade do trabalhador brasileiro.
O movimento tem ganhado adesão nas redes sociais e chegou a ficar entre os assuntos mais comentados no X. Esse movimento pode de fato pressionar mais deputados a assinarem a proposta?
Eu acho que toda essa mobilização que nós estamos assistindo agora é parte do engajamento nas redes sociais desse movimento. É parte de não desistir de lutar e acreditar que um lugar melhor é possível aos trabalhadores brasileiros. Então eu acho que a maneira como eles têm se organizado na virtualidade, ela é importante para pressionar os parlamentares e para fazer com que os parlamentares compreendam a urgência do debate.
E isso mobiliza mais pessoas pela causa?
Isso é um elemento fundamental. Essas mobilizações, essas provocações da internet foram fazendo com que essa bola fosse levantada e esse debate chegasse aonde ele está agora. Essas movimentações precisam continuar para que haja cada vez mais compreensão das pessoas. Eu acho que tem muito a ver com aquilo que se diz que a esquerda estava morta no final das eleições municipais. Olha a força da esquerda. São militantes de esquerda, são trabalhadores, chamando não a esquerda, mas a sociedade, a classe trabalhadora de um modo geral, de direita a esquerda, centro, cima, abaixo, sem lado, para dizer, ‘olha, o modelo que nós vivemos hoje de trabalho no Brasil, ele é exploratório, ele é abusivo, ele enriquece o empregador e sucateia, explora o trabalhador’. Será que a gente não merece que as autoridades eleitas por nós olhem para isso e busquem soluções para esse problema? Isso se dá a partir dessa mobilização digital, que vai se reconectando com a dor das pessoas e fazendo com que elas reflitam.