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'Morar na Argentina tornou-se insustentável', diz brasileira que estuda no país

Gaúcha Giseli Alves aponta a alta descontrolada dos preços de moradia, transporte e alimentação como barreiras para viver no vizinho

8 mar 2024 - 05h00
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Prédio da UBA - Universidade de Buenos Aires
Prédio da UBA - Universidade de Buenos Aires
Foto: Foto:Istock

Aluguel, alimentação, transporte são alguns dos gastos essenciais para um estudante manter uma rotina de estudos. Escolher e ter a oportunidade de estudar longe da casa dos pais e de familiares torna a rotina um pouco mais difícil.

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Aos 27 anos, Giseli Alves é aluna de mestrado em comunicação da Universidad Nacional de Buenos Aires (UBA). Para conseguir a vaga no curso tão desejado, abdicou e abriu mão de muitas coisas em sua vida -- como, por exemplo, morar próximo dos familiares-- e encarou o desafio de viver em um país com cultura, costumes e idioma diferentes.

Mesmo sendo natural de Uruguaiana, cidade gaúcha que faz fronteira com Libres, na Argentina, Giseli acreditava que o maior impacto que iria sofrer diariamente morando e estudando na capital do país vizinho seria o idioma. Mas, chegando lá, se deparou com outras questões econômicas que não tinha conhecimento.

"O maior impacto para mim, como estudante na Argentina, foi a questão da moradia. A lei de aluguéis lá é diferente da do Brasil, exigindo que tenha uma casa na Argentina ou um fiador com propriedade no país. Os aluguéis podem ser altos e muitas imobiliárias exigem pagamento em dólar, o que pode ser difícil para estudantes brasileiros", relatou Gisele em entrevista ao Terra.

 Giseli Alves, aluna de mestrado em comunicação da Universidad Nacional de Buenos Aires (UBA)
Giseli Alves, aluna de mestrado em comunicação da Universidad Nacional de Buenos Aires (UBA)
Foto: Foto: Reprodução Instagram @ gisaalves._

Ainda segundo a estudante, outro problema está em encontrar dólares para compras na cidade --que pode ser arriscado devido à possibilidade de golpes.

Aluguel na periferia de Buenos Aires

Para conseguir morar na capital argentina, Giseli precisou recorrer a região periférica. E ainda assim os gastos não foram baixos. Ela pagava aproximadamente R$ 2.400 mensais por um aluguel em um apartamento de apenas um quarto com sala e cozinha embutidos. Somente para entrar neste imóvel, ela e seu esposo, que na época estudava medicina na Universidad Adventista del Plata, precisaram desembolsar uma quantia de R$ 4.000.

Sem os macetes e conhecimentos contratuais vigentes no país, o casal chegou a perder aproximadamente R$ 425 desembolsados como caução do imóvel porque a proprietária não registrou o valor pago no contrato do aluguel.

"Na época, a proprietária ficou com o dinheiro para as despesas, e como não atendemos aos requisitos de aluguel permanente, tivemos que optar pelo aluguel temporário, que variava de uma semana a três meses no máximo. A cada três meses, havia um ajuste pela inflação, que aumentava rapidamente. Assim, acabávamos perdendo nesse aspecto também, pois o valor aumentava consideravelmente ao longo do tempo. Por exemplo, se entrássemos pagando R$ 1.000, acabávamos pagando R$ 2.000 ou até R$ 3.000, o que era bastante alto", completou Giseli.

Na cidade de Buenos Aires, um apartamento de um quarto custa para um cidadão argentino mais ou menos 250 mil pesos (em torno de R$ 1.460 pela cotação atual). Isso é mais que o valor do salário mínimo nacional.

Congelado desde setembro de 2023, o governo de Javier Milei fixou um aumento de 30% no salário mínimo entre fevereiro e março. Conforme o reajuste, o valor do mínimo em fevereiro ficou em 180 mil pesos (US$ 204 na taxa oficial de câmbio, ou R$ 1.007), o que representa um aumento de 15% em relação aos 156 mil pesos atuais (cerca de US$ 184 ou R$ 910).

Como o anúncio prevê dois reajustes, agora em março o valor será de 202,8 mil pesos (US$ 230 ou R$ 1.136), um aumento de 30% em relação ao valor atual. Ainda assim, em comparação com o salário mínimo brasileiro, que está fixado em R$ 1.412 em 2024, o valor argentino é menor.

Estudos à distância devido a alta na inflação

Hoje em dia, a estudante não reside mais na capital argentina. Seu último ano no mestrado a permite realizar as atividades à distância, o que para ela foi benéfico devido a alta na inflação vigente no país. "Eu não moro mais lá, mas eu ainda faço câmbio porque eu tenho que pagar a matrícula semestralmente da minha universidade. Atualmente, eu só vou até Buenos Aires quando preciso de alguma orientação presencial ou para resolver algo burocrático na universidade", explica.

Giseli iniciou seu curso de mestrado em Comunicação na UBA em 2022, durante o governo Alberto Fernández (2019-2023). Naquela época, ela chegou a pagar pela matrícula 25 mil pesos argentinos (cerca de R$ 146). Hoje, no governo de Milei, ela pagou 69 mil pesos (aproximadamente R$ 402) em sua última matrícula.

Embora a UBA seja uma universidade pública, estudantes estrangeiros precisam pagar esse valor de matrícula a cada seis meses. Essa informação já é descrita no edital e é comunicada no momento da matrícula. A única coisa que não é ajustada são as questões da inflação, pois são instáveis no país.

Para a estudante, morar e conviver com outra cultura diariamente era muito mais 'negócio' para seu desenvolvimento pessoal e profissional. No entanto, com esses aumentos e a insegurança financeira, morar na Argentina tornou-se insustentável.

Retrato da Argentina 

  • Inflação anual: 254%
  • Taxa de juros: 133% 
  • Câmbio: 800 pesos por dólar 
  • Nível de pobreza: 57%

Esse retrato não tem um único culpado e não é tão simples de explicar. O que levou a Argentina a esses indicadores começou nos anos 1990 e piorou com a participação direta dos últimos quatro presidentes argentinos. Segundo especialistas ouvidos pelo Terra, falta de estabilidade política e fiscal, oscilação entre políticas de direita e de esquerda, contribuíram para o cenário social e econômico do País.

"A Argentina sofre desde início dos anos 90, portanto mais de 30 anos. Esse tempo todo deixou a economia da Argentina em frangalhos. Os argentinos não puderam, por uma série de fatores, inclusive por causa da dívida que sempre foi muito alta, fazer um plano de combate a inflação lá atrás e isso piorou muito a situação", diz Paulo Feldmann, professor da FIA Business School

"Avaliar a contribuição de cada governo para o atual momento vivido pela Argentina requer considerar diversos fatores econômicos, sociais e políticos. Cada período teve suas políticas com impactos distintos, contribuindo de formas diferentes para a situação atual da Argentina", afirma Otto Nogami, economista e professor do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper). 

Os estudantes brasileiros não são os únicos que estão sendo impactados pelas mudanças. Em entrevista ao Terra, José Silvano, cidadão argentino e estudante de direito da Universidade de Buenos Aires (UBA), relatou como as medidas do novo governo têm impactado a sua vida social e acadêmica nos últimos meses. 

"Atualmente, estou enfrentando dificuldades até para conseguir realizar as refeições diárias necessárias. Além da inflação, o transporte público também aumentou e isso está pesando no meu orçamento para frequentar as aulas", relata.

José Silvano, estudante de direito da UBA e cidadão argentino.
José Silvano, estudante de direito da UBA e cidadão argentino.
Foto: Foto: Reprodução Instagram @otiripsesoj

Em entrevista ao Terra, Lucas Landin, mestre em Gestão de Políticas Públicas pela Faculdade de Ciências Físicas e Matemáticas da Universidade do Chile e professor de Políticas Públicas na Etec Cepam, citou o fim dos subsídios como vilão dos preços do  transporte público, que da noite para o dia aumentaram 250%. 

Um aumento que está afetando significativamente os estudantes brasileiros que buscavam na Argentina um custo de vida mais baixo e universidades mais acessíveis, especialmente para áreas como Medicina.  "Agora, esses estudantes terão que ajustar seus orçamentos para lidar com despesas como transporte público, água, luz e produtos básicos, que também sofrerão aumentos devido à eliminação dos subsídios. Esse aumento repentino no custo de vida pode impactar negativamente os brasileiros que planejavam viver na Argentina, pois enfrentam uma realidade financeira totalmente diferente da que esperavam", explicou.

Para piorar, o SUBE, um bilhete único para transporte público subsidiado pelo governo federal, também pode sofrer mudanças durante o governo de Milei. Esse bilhete, similar ao bilhete único utilizado na cidade de São Paulo,  é validado no ônibus e parte da tarifa é paga pelo usuário, enquanto a maior parte é subsidiada pelo governo federal argentino.

"Um estudante brasileiro que se planejou morar na Argentina no ano passado, hoje precisa lidar com uma realidade totalmente diferente. Isso para além da medida de Milei, que prevê cobrar a mensalidade dos estudantes brasileiros, que hoje estudam gratuitamente. O presidente argentino quer rever isso. Então, não é uma situação muito fácil para quem está indo estudar na Argentina ultimamente", comenta Landin. 

Impacto das medidas de Milei na vida de estudantes e cidadãos argentinos

José, que é um cidadão argentino de classe média alta, está quase finalizando seu curso de graduação e, durante todo esse período, nunca havia precisado conciliar os estudos com o trabalho. No entanto, com o novo cenário que está se formando na Argentina, dedicar-se apenas aos estudos é quase impossível para ele.

"Atualmente, estou procurando emprego em qualquer coisa para conseguir pagar as minhas contas. Não posso esperar finalizar a minha faculdade para encontrar um trabalho na área. Aqui está tudo muito incerto e se eu ficar de braços cruzados, não terei dinheiro nem para pagar o aluguel", relata José.

Giseli Alves, a estudante brasileira entrevistada pelo Terra, mencionou que muitos colegas de turma do seu mestrado são funcionários públicos e estão enfrentando dificuldades devido ao desmanche da estrutura pública no governo. Ela relatou que muitas pessoas estão endividadas e pensando em abandonar o curso. 

"A maioria dos meus colegas do mestrado é formada em jornalismo ou ciências sociais e, hoje, muitos deles não têm perspectiva do amanhã, não sabem onde aplicar todo esse conhecimento adquirido na universidade, não sabem nem como irão pagar as contas e se terão estabilidade em seus trabalhos públicos. Está tudo muito incerto na Argentina", lamenta.

Entre as medidas radicais impostas por Milei estão:

  • Não se renovam os contratos do Estado com menos de um ano de vigência;
  • Decreta a suspensão da propaganda oficial do governo nacional por um ano;
  • Redução de ministérios de 18 para 9 e secretarias de 106 para 54;
  • Reduzir ao mínimo a transferência do Estado nacional para as províncias;
  • Não serão solicitadas novas obras públicas e serão canceladas as obras já licitadas que ainda não começaram;
  • Redução de subsídios em transporte e energia;
  • Manter as políticas sociais como o Asignación Universal por Hijo (espécie de Bolsa Família argentino) e cartão alimentação e aumentar seu valor;
  • Manter o plano de geração de empregos 'Potenciar Trabajo';
  • Fixação do câmbio oficial em 800 pesos, aumento provisório do imposto PAIS e retenção de exportação de produtos não-agropecuários;
  • Mudança do sistema de importação (SIRA) para retirar autorização prévia.
Javier Milei
Javier Milei
Foto: Getty Images

Crise argentina

Para Altacir Bunde, economista e professor do curso de Ciências Econômicas da Universidade Federal do Pampa, no Rio Grande do Sul, as projeções para a economia argentina não são nada boas, mas o certo é que o país deve enfrentar uma dura recessão econômica, o que deve elevar ainda mais os níveis de pobreza.

Além disso, a inflação deve continuar elevada, levando a classe trabalhadora à perda do poder aquisitivo e, soma-se a isso, o não aumento dos salários.

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Fonte: Redação Terra
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