Morrer está mais caro: preços de serviços funerários sobem mais de 400%; entenda
Supervalorização dos serviços funerários subiu após concessão dos cemitérios públicos de São Paulo para instituições da iniciativa privada
Os preços nos serviços funerários na cidade de São Paulo aumentaram em 400%, segundo levantamento do jornal Folha de S. Paulo, desde a concessão para o setor privado em março de 2023. Essa valorização, que pode estar sendo abusiva, ameaça o acesso a serviços funerários para famílias de classe C e D.
Famílias com renda entre um e dois salários mínimos ou com cadastro ativo no Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) podem enfrentar mais dificuldades ao lidar com a morte de um ente querido, a menos que se qualifiquem para o funeral social. Isso foi o caso da família de Olívia Ione, 32 anos.
Quando descobriu que seu pai não tinha direito ao funeral social por não ter o cadastro ativo no CRAS, Olívia e sua família tiveram que dividir o valor de R$ 2,6 mil entre eles para pagar pelo pacote completo no Cemitério Vila Formosa 2, onde seu pai, que faleceu de um infarto em 8 de março, só pôde ser enterrado dois dias depois, por falta de sepultura.
"No cemitério, nos disseram que havia uma taxa de R$ 260, mas quando chegamos lá, esse valor era de R$ 1 mil", conta Olívia, que na época estava desempregada e usou suas economias e o dinheiro que o marido ganhava em trabalhos extras para pagar pelo enterro.
A economista Juliana Inhasz, do Insper, explica que o aumento nos preços se dá pelo fato de que o reajuste é maior do que a inflação. Como é um serviço que não pode ser substituído e que as pessoas não podem esperar ou adiar, acaba sendo vendido a um preço elevado.
"É um momento de fragilidades dessas pessoas (familiares), então elas não ficam procurando serviços mais baratos. A urgência e a falta de outra oferta desse serviço faz com que essas empresas entendam que há uma disposição do consumidor a pagar, por isso eles colocam preços abusivos", acrescenta.
Quem é mais afetado pelos altos valores
As pessoas das classes C e D, com renda mensal domiciliar entre R$ 2,9 mil e R$ 7,1 mil, que não têm direito a auxílio funeral ou outros benefícios por não se enquadrarem no perfil de baixa renda, podem ser afetadas pelo superfaturamento. A economista explica que essas distorções afetam principalmente os consumidores com menos recursos, pois os serviços para pessoas que não se enquadram em serviços sociais, ou não procuram um funeral de luxo, se tornam impagáveis.
"Ficou mais caro para essa pessoa que não vai poder entrar com pedido de auxílio, só que, ao mesmo tempo, não tem muito dinheiro para arcar com as despesas", explica Juliana Inhasz.
O contrato de licenciamento dos 22 cemitérios públicos de São Paulo para o setor privado tem duração de 25 anos. Para a professora de economia, os preços cobrados pelos serviços funerários nos cemitérios públicos não voltarão aos valores anteriores, mas a prefeitura deve coibir qualquer tipo de abuso.
As vencedoras da concessão foram a Consolare, Cortel, Velar e Grupo Maya. As empresas assumiram a gestão em 7 de março de 2023.
Valores pagos, serviços não realizados
Os altos valores pagos pela família de Olívia Ione incluíram os serviços de limpeza do corpo, aplicação de formol, maquiagem e outros procedimentos de preparação. No entanto, quando chegaram ao velório, descobriram que nada do que pagaram havia sido feito. Seu pai estava dentro de um caixão lacrado, sem estar vestido, apenas enrolado em um pano. "As roupas que compramos estavam sujas dentro do caixão, nos pés dele", relembra.
Devido à ameaça de ação judicial feita pela família, a concessionária responsável pelo serviço - a Velar SP - teve que levar o corpo para receber os cuidados necessários durante o funeral. No entanto, devido ao forte cheiro de formol, não foi possível ter um velório adequado, e os parentes não puderam se despedir do pai de Olívia.
Alguns dias após o enterro, familiares fizeram várias reclamações na página do Instagram da empresa e, como resultado, entraram em contato com eles para reembolsar os valores pagos pela família.
Em nota ao Terra, a Velar SP lamentou o ocorrido e esclarece que não foi possível realizar a prepação do corpo uma vez que o período entre o falecimento e a liberação do corpo ter sido superior a 36 horas. "Neste caso, a recomendação foi de que o velório fosse realizado com caixão lacrado, o que não foi aceito pelos familiares. Devido a todos os desconfortos e inconveniências a que a família infelizmente foi exposta, a Velar SP ressarciu integralmente os valores pagos pelos seus serviços".
"A Velar SP reforça ainda que, ao longo destes cerca de três meses operação na Cidade de São Paulo, tem melhorado seus processos para oferecer uma melhor prestação de serviços, acolhedora e humanizada, e que problemas como ocorridos nos primeiros dias de operação foram corrigidos", acrescenta.